Acabou de sair a edição de maio da revista ComCiência, do Labjor/Unicamp e SBPC. Esse mês o tema é a vida e a obra do antropólogo Claude Lévi-Strauss, o pai do estruturalismo que, hoje, dizem alguns, está fora de moda.
A valorização do “científico”, por Lévi-Strauss, é ambígua, ou pelo menos abre um leque interpretativo bastante amplo sobre o valor da ciência. Por um lado, sua própria abordagem, em si mesma, pressupõe um forte modelo científico. José Carlos Reis afirma que “o estruturalismo impõe às ciências humanas a hegemonia das matemáticas e da lógica das ciências naturais”, tese que coincide com a de Mauro Almeida, para quem “o estruturalismo de Lévi-Strauss contribuiu para trazer às ciências humanas de maneira mais sistemática e autoconsciente o uso de modelos para representar fenômenos. O que Lévi-Strauss ensinou é que discernimos regularidades, leis, padrões, enfim ‘estruturas’ construindo tais modelos. Esse modo de fazer ciência era bem conhecido na física, e mesmo na biologia”. Por outro lado, o estruturalismo antropológico de Lévi-Strauss dá uma tremenda ferroada na ciência. Um dos pressupostos fundamentais da ciência moderna é o da possibilidade do avanço do saber. Desde seus pais fundadores do século XVII, a ciência moderna joga com a necessidade de avançar o conhecimento humano progressivamente além, mais profundamente, mais detalhadamente, com maior potencial de alteração da realidade e de controle da natureza para a felicidade humana. Por isso, de maneira geral, a ciência lida com a ideia de mudança histórica, de superação e abandono de teorias e modelos por outros que expliquem melhor e mais detalhadamente a realidade, num processo impulsionado pelos seres humanos como agentes da história. Lévi-Strauss faz um ataque claro à história e ao homem do sonho iluminista como o agente da mudança social e da sua própria liberdade. Como afirma Reis, do ponto de vista de Lévi-Strauss, “o intelecto humano é permanente e se impõe sobre a mudança histórica. As normas sociais têm uma estrutura lógica, que as mudanças históricas não abolem. A busca da inteligibilidade parte da história para aboli-la em ordens naturais permanentes, profundas. O espírito humano é sempre idêntico a si mesmo e predomina sobre o social e o histórico. Por isso, a antropologia não diferencia o ‘selvagem’ e o ‘civilizado’, pois têm a mesma estrutura lógico-intelectual, que torna irrelevante a sua aparente diferença histórica”. A conclusão seria, portanto, que a ciência moderna, fenômeno histórico característico a um determinado tempo e espaço, não difere fundamentalmente de outros saberes, mitológicos ou mágicos, todos estruturados de acordo com uma lógica universal do intelecto humano. As conquistas científicas do nosso tempo não significariam, pois, conhecimento melhor ou mais profundo: não haveria avanço do saber.
O estruturalismo de Lévi-Strauss experimentou seu auge de aceitação acadêmica nos anos 1950 e 60. Nas duas décadas posteriores, as críticas à antropologia estrutural deram origem a um movimento que procurou superá-la: o pós-estruturalismo. Vagamente identificados como pós-modernos, os pensadores pós-estruturalistas, em diversas áreas, tendem a recusar justamente as mais ambiciosas ideias de Lévi-Strauss: as estruturas universais, imutáveis, do pensamento humano. Se o estruturalismo de Lévi-Strauss recusava a racionalidade iluminista para encontrar uma outra onde menos se esperava, o pós-estruturalismo recusa qualquer racionalidade que governe o mundo. Os pós-estruturalistas “não buscam mais verdades históricas nem aparentes e nem essenciais, nem manifestas e nem ocultas. Eles recusam essências originais e fundamentais que se deveria reencontrar e coincidir.”, diz José Carlos Reis. Conclusão implícita em Lévi-Strauss, a recusa do acúmulo progressivo do saber, do avanço da ciência, torna-se explícita e radical no pós-estruturalismo. Nega-se qualquer acúmulo e qualquer avanço científico gerados racionalmente pela consciência do ser humano.
Hoje, no meio intelectual, há uma guerra aberta acerca da ciência, sobre como ela funciona, qual o valor que damos a ela, o quê lhe devemos e o quê ela nos deve. De forma simplificada, pode-se dizer que há duas grandes tendências. De um lado, pós-modernos e pós-estruturalistas se aproximam de um relativismo epistêmico radical, hostil à ciência moderna, negando mérito à racionalidade ao mesmo tempo em que anulam o ser humano como sujeito consciente de poder mudar a história. De outro, os mais diversos e díspares herdeiros do Iluminismo procuram desafiar as correntes céticas, denunciando suas conclusões relativistas como reflexos de uma opção política de aceitação e assimilação do mundo pós-1989, o de um único sistema socioeconômico – que apareceria então como estrutura naturalizada e inquestionável: daí a recusa da mudança histórica que a ciência e a racionalidade podem proporcionar.