27 de maio de 2008

Fusão

Num papel imaginário, dobrado e amassado, achado sujo com marcas de tênis e areia da rua internética, podia-se ler:

peça da frente, não é interessante que estejamos vivos neste mesmo momento, neste mesmo lugar? mais cedo ou mais tarde, eu, você, o mundo todo, tudo tudo tudo vai acabar e não vai sobrar nada, nadinha de nada, nenhum rastro, nada mesmo, e não é interessante que estejamos vendo, olhando, cheirando, comendo e sentindo, claro, sentindo tudo agora, neste exato momento, no mesmo lugar? quantas coincidências foram necessárias, diga lá Kundera, quantas? umas cem (milhões)? tudo é acaso, nós somos milhões de sinapses interligadas por acasos, inúmeros deles, o maior deles sendo a nossa própria conexão, e é mais bonito ainda ver tudo desse jeito, como acasos e sinapses de organismos efêmeros, porque é assim que até o mais pesado Es Muss Sein! é dito com uma leveza insustentável.

O que deveria ter acontecido em 2008...

...aconteceu em 2000.

23 de maio de 2008

Sinédoque

Seymour Hoffman é o mais novo perturbado pelo desprezo feminino, em Synecdoche, de Kaufman


Um dos primeiros posts deste blog, há mais de um ano, transbordava ansiedade com o anúncio das filmagens do primeiro filme dirigido por Charlie Kaufman (o roteirista de Brilho eterno de uma mente sem lembranças, Adaptação, Quero ser John Malkovich, Natureza humana, Confissões de uma mente perigosa).

A espera está acabando. Synecdoche, New York estreou em Cannes, hoje. Diz a matéria da France Presse:

O filme tem como personagem central Caden Cotard, diretor teatral insatisfeito com sua criação artística e que tem seu relacionamento com uma artista plástica em crise.

Hipocondríaco e obsessivo com o medo da morte, abandonado pela mulher, que leva a filha, Caden decide, após receber uma grande quantia de estímulo à arte, realizar uma enorme obra teatral, uma obra total que seja a representação da sua vida.

Mais que uma história contada e linear, o filme de Kaufman é uma construção labiríntica através da qual o diretor aborda temas de sua preferência, já usados em roteiros anteriores: limites entre realidade e imaginação, criação, a percepção do outro, mas também o envelhecimento e o medo da morte.

Em entrevista no Hollywood Reporter, Kaufman voltou a esclarecer o ponto de Synecdoche:

In a general way, it's about the experience of going through life, and heading toward the end of it. The movie follows this character for 40 years, and it's about people's losses and death and fear of death and intimacy and relationships. Romance and regret and struggle and ego and jealousy and confusion and loneliness and sex and loss -- all those things are in the movie. I wanted it to be an all-inclusive experience of a person's life. It's this guy's world.


E na Variety, uma ótima matéria com um pouco da história de Kaufman e de Synecdoche. Nela, ficamos sabendo que o diretor de teatro interpretado por Phillip Seymour Hoffman é deixado por sua mulher, que não admira seus trabalhos. Para provar algo a si mesmo, constrói uma peça tão grande quanto a vida.

Não deixa de ser engraçado que o trabalho do titereiro de John Malkovich tenha sido incompreendido e desprezado tanto por sua mulher, quanto por Maxine - seu verdadeiro tesão - ou que as pesquisas do cientista de Natureza Humana tenham sido subestimadas por sua esposa, e falsamente valorizadas por uma vagabunda em busca de ascensão profissional.

Tomara que Charlie nunca encontre uma mulher que babe ovos sobre seus filmes. E devemos agradecer à(s) fêmea(s) anônima(s) que tanto desprezaram os trabalhos do cara. Sem ela(s), não se produziriam todas essas obras-primas.

19 de maio de 2008

(quase) sem comentários

Matéria de hoje na Folha Online: Associação quer espiritualizar judiciário.

Parte final do texto, assinado por Vinícius Queiroz Galvão:


"Não enxergaria nenhuma diferença entre uma declaração feita por mim ou por você e uma declaração mediúnica, que foi psicografada por alguém", diz Alexandre Azevedo, juiz-auxiliar da presidência do CNJ, designado pelo conselho para falar a respeito das associações.

A Folha levantou quatro decisões em que cartas psicografadas, supostamente atribuídas às vítimas do crime, foram usadas como provas para inocentar réus acusados de homicídio.

Segundo Zalmino Zimmermann, juiz federal aposentado e presidente da Abrame, o propósito da associação "é questionar os poderes constituídos para que o direito e a Justiça sofram mais de perto a influência de espiritualizar". "O objetivo geral é a espiritualização e a humanização do direito e da Justiça", diz.

Para o juiz de direito Jaime Martins Filho, a escolha de sua profissão não foi uma casualidade e, por isso, a exerce como uma missão de vida. "Não acredito em acaso, mas numa ordem que rege o universo, acredito em leis universais." E ele explica "a finalidade religiosa da associação".

"Dentro da liberdade de religião, são os juízes aplicando princípios religiosos no seu dia-a-dia. Temos um foco que é a magistratura, procurar trabalhar esses valores espirituais que estão relacionados com a própria religião dentro da magistratura", diz Martins Filho.

_____________________

1. A passos largos, o judiciário caminha para arrebatar o título de mais abjeto e ridículo entre os três poderes (verdadeira façanha, diga-se). Acompanhe parte da saga com o Idelber Avelar aqui, aqui, aqui e aqui também.

2. E vocês acharam que infame foi o post do Gasparetto, né?

17 de maio de 2008

Faz-me rir

A Folha Online informa: Luiz Gasparetto recebeu espírito de seu mentor espiritual, Calunga. A matéria afirma que


O apresentador e suposto médium recebeu o espírito de Calunga e respondeu
perguntas da platéia. Dentre os temas discutidos pelo espírito, estavam a
educação e a violência contra crianças.

Calunga é o mentor espiritual de Gasparetto, segundo a assessoria de imprensa do programa. Trata-se de um "preto-velho", foi um escravo que usa o corpo do apresentador para se expressar.


Entre os fantásticos feitos sobrenaturais de Calunga (ex-orixá do Corinthians), o mais notável é ele ter conseguido tirar a RedeTV! do traço e levá-la a quatro pontos de audiência.

Espantoso.

Não sei o porquê, mas me vem à cabeça uma cantiga do Dr. Fritz, segundo o Livro Místico, Esotérico e Sobrenatural de Casseta e Planeta:


Enfia a deda, enfia a deda e rrroda

Enfia a deda, enfia a deda e rrrroda

Não é nada disso que você estarrrr pensando

É de tumor maligno que eu estarrrrrr falando



Na imagem acima, o momento em que Gasparetto sente no âmago da alma o preto-velho adentrando seu corpo, sem assepsia nem anestesia, como o velho Fritz

Ufa!

1 a 0.

Pênalti achado no final, depois de levar bola na trave. Terminou com dez.

3 pontos.

Ufa.

16 de maio de 2008

La Bananera Friday Night



Como sempre, este blog acompanhará in loco (y mui loco) o desempenho da Macaca. Daqui a pouco, às oito e meia, a Ponte estréia em casa, contra o Braga, pela série B. Apesar do vice no Paulistão, chegamos a este jogo com um prognóstico nada auspicioso: nos últimos três jogos, três derrotas, nove gols sofridos, nenhum marcado. Elias vazou para o Corinthians, Deda joga improvisado na zaga e vários times da série A sondam Luis Ricardo para uma eventual contratação. Ou seja, nada que a nossa turba alvinegra já não tenha experimentado antes. Eu não aprendo, nenhum pontepretano aprende. Vai ter milhares de nós lá, em plena sexta à noite. Falar o quê? Pelo menos já sai da Bananera direto pro bar.

15 de maio de 2008

Back in the USSR

No altamente recomendável De Rerum Natura, o breve e imperdível perfil de Lev Davidovitch Landau, Nobel de física em 1962, pela crônica do físico luso Carlos Fiolhais. Landau não fugiu do debate político na União Soviética stalinista e foi, claro, preso:

Um socialista inconvencional e iconoclasta, nunca pertenceu ao Partido Comunista. Sofreu na pele em 1938 o que era a prisão no tempo de Estaline. Acusado de escrever um panfleto que chamava fascista ao “Grande Líder” (e, pior, de ser um espião nazi, ele que era judeu e tudo), padeceu um ano às mãos do NKVD (a antecessora do KGB), de onde só foi salvo por intervenção pessoal de um Prémio Nobel da Física, Pyotr Kapitza, junto do todo poderoso chefe da polícia secreta, Lavrentiy Beria. As palavras não seriam dele, embora as idéias o pudessem ser. À semelhança de Galileu, foi um outro Landau quem saiu do cárcere. Até à morte de Estaline (seguida logo pela execução de Beria), não hesitou em trabalhar nos cálculos das bombas de hidrogénio que asseguravam a guerra fria (foi aliás Beria quem supervisionou o projecto soviético da bomba). Era uma espécie de seguro de vida, que lhe garantiu de resto as maiores homenagens da URSS, incluindo dois prémios Estaline e o título de “Herói do Trabalho Socialista”.

Et pur si muove. Documentos secretos do KGB revelados depois da queda da URSS mostraram que Landau, que se considerava um “escravo instruído”, chamou repetidamente, e com todas as letras, fascista a Estaline. Afirmou: “Estou em crer que o nosso regime... é definitivamente fascista e não há um modo simples de o mudar.”

Enquanto seu regime prendia Landau, Stalin dava ouvidos às pataquadas biológicas de Lysenko, jogando no lixo um possível desenvolvimento russo da genética por quase duas décadas e adotando como dogma estatal um tipo de lamarckismo tosco em pleno século XX. De fato, ciência combina mais com democracia.

PS: alguém aí poderia me responder por quê os portugueses escrevem Estaline, Lenine, em vez de Stalin e Lenin?

Para uma menina, antes que ela venha fuçar no blog

A fúria dos pores-do-sol

Algo
frio está no ar,
uma aura de gelo
e fleuma.
Todo o dia construí
uma vida e agora
o sol afunda-se para
se desfazer.
O horizonte sangra
e chupa seu polegar.
O pequeno polegar vermelho
desaparece de vista.
E admiro-me
com minha própria vida,
este sonho que vivo.
Eu podia comer o céu
como uma maçã
mas prefiro
perguntar à primeira estrela:
por que estou aqui?
Por que vivo nesta casa?
quem é o responsável?
Hein?


A tradução é de Priscila Manhães. Abaixo, a poesia original. Outras podem ser encontradas aqui.


The fury of sunsets

Something
cold is in the air,
an aura of ice
and phlegm.
All day I've built
a lifetime and now
the sun sinks to
undo it.
The horizon bleeds
and sucks its thumb.
The little red thumb
goes out of sight.
And I wonder about
this lifetime with myself,
this dream I'm living.
I could eat the sky
like an apple
but I'd rather
ask the first star:
why am I here?
why do I live in this house?
who's responsible?
eh?


A autora é Anne Sexton (1928 - 1974), poetisa americana de estilo confessional. Em 4 de outubro de 1974, Anne se trancou na garagem, deu a partida no carro, e ficou lá até a concentração de monóxido de carbono se tornar mortal. Inspirou a música Grey Street, da Dave Matthews Band (e foi por isso que a descobri, meio sem querer). O video abaixo contém a música e a letra.


Brother ET

Deu no Estadão, ontem:


Acreditar na existência de vida fora da Terra não contradiz a fé em
Deus, afirmou o chefe do Observatório Astronômico do Vaticano, o padre jesuíta
José Gabriel Funes, em entrevista publicada ontem no jornal L'Osservatore
Romano.


A vastidão do universo - com centenas de bilhões de galáxias e trilhões
de estrelas - indica que pode haver formas de vida extraterrestre, até mesmo
vida inteligente, disse o jesuíta.


Na entrevista intitulada 'O extraterrestre é meu irmão', Funes
questiona como podemos garantir que a vida não tenha se desenvolvido em outros
lugares. Diz também que 'assim como há uma multiplicidade de criaturas na Terra,
pode haver, lá fora, outros seres criados por Deus'.


'Isso não contradiz nossa fé, pois não impomos limites para a liberdade
de criação divina', afirmou Funes.


É uma pena que tal postura tenha vindo tão tarde, não é mesmo Giordano Bruno?

Brincadeira à parte, é ótimo que essas coisas ganhem publicidade. Ajuda a desmontar visões monocromáticas sobre a Igreja Católica e sua história, que é riquíssima.

Então Deus criou as florestas, e viu que isso era bom...

Ao final do primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, já estava claro para quem quisesse ver que seu governo não merecia Marina Silva. A voz ao mesmo tempo frágil e firme da ex-doméstica que chegou a senadora permanecia solitária na Esplanada. Era a única a defender que o desenvolvimento econômico não pode ser obtido a qualquer preço, porque não seria de fato desenvolvimento.

Clique aqui para continuar lendo o artigo de Marcelo Leite, colunista de Ciência da Folha, sobre a saída de Marina Silva do Ministério do Meio-Ambiente.

A crítica ao governo é pesada, e muito bem fundamentada, diga-se.

As análises que pipocam pela internet também tenderam a vincular a saída de Marina à visão "francamente hostil ao ambientalismo" de Dilma Roussef, que "cobrava maior celeridade nas liberações de licenças ambientais, principalmente àquelas relacionadas às hidrelétricas".

Daí a Veja e similares marcas de papel higiênico pintarem a Dilma como inimiga da Amazônia, das árvores e dos bichinhos - uma verdadeira Cruela Cruel - é um passo. Assim como o inverso com Marina, aproveitando-se a sua imagem de moça boa, batalhadora, cheia de princípios, um anjo que não faria mal a ninguém.

De qualquer forma, Marina Silva deve ter realizado um trabalho corajoso e genuinamente preocupado com as questões ambientais. Devemos agradecê-la por isso, e também ao Lula por tê-la nomeado ministra do meio-ambiente.

Do meio-ambiente, e não da educação.

Evangélica, se dependesse dela, o criacionismo virava matéria de biologia.

Jesus Cristo!

12 de maio de 2008

Relativo?

No Pedro Doria Weblog, a desoladora história de Rand, uma adolescente de 17 anos que foi espancada, sufocada, esfaqueada e morta por seu pai e seus irmãos, todos muçulmanos xiitas, em Basra, Iraque. O motivo: ter ousado paquerar um soldado britânico.

A história toda está aqui, em inglês.

Segundo a matéria do Guardian, o pai e os irmãos de Rand não enfrentaram qualquer consequência grave pelo ato ou mesmo desaprovação de seus pares. "Eles são homens e sabem o que é a honra", disse um empregado do governo. Abdel-Qader, o pai, aprova também a morte aos homossexuais, "morte em nome de Deus", diz, alertando os dois filhos machos. Ele também espancou a mãe de Rand, sua esposa por 24 anos, quando ela decidiu deixá-lo ao presenciar o assassinato da filha.

A menina morreu virgem, diz uma amiga. Parece que seus sentimentos não eram correspondidos pelo soldado, com quem manteve curtas conversas durante menos de 4 meses. Não é difícil imaginar o fascínio exercido pelo contato com um estrangeiro, tampouco a empolgação de compreender e ser compreendida numa língua estrangeira: Rand era aluna de Inglês da Universidade de Basra.

Rand foi enterrada sem cerimônia, numa cova improvisada, não sem antes receber gusparadas de seus tios. Seu caso é apenas um dos mais de 30 assassinatos em defesa da honra desde janeiro, em Basra.

Será que o universalismo - nesse caso a noção de que o assassinato de Rand deve ser reprovável de acordo com certos princípios mínimos de direitos universais do ser humano - é realmente uma furada ocidental?

O que eu tenho a dizer sobre o "dossiê anti-FHC"...

... o Abundacanalha já disse:

Foi a Veja que falou de papel contra FH
Disse sem pai e com mãe que queria a história abafar
Mas a trama tinha muito mais ingredientes
Na barafunda sabe-se lá onde ficam os inocentes
Laiá, laiá, laiá, o importante é ter otário pra acreditar

Alvaro Dias queria as contas do presidente
Pra armar uma crise bem convincente
Mas chamou araponga lusitano
Que trouxe as contas de outro tucano

Já que não dava pra mostrar o caviar
Tinham que inventar outra coisa pra contar
Pensaram até em colocar um adultério
Bem no meio da cúpula do ministério

Até o Bin Laden chegaram a cogitar
Mas o cachê não dava pra pagar
Contrataram os amigos da imprensa
E criaram fábula de roubo e de ofensa

Que o tal dossiê era pra tentar achacar
Sabe-se lá quem, bastava bagunçar
E tome notícia todo o dia na veia
Ameaça de processo e de cadeia

Mas a coisa tava meio enrolada
Corria o risco de virar piada
Chamaram consultor de moderna gestão
Que foi logo dando solução:

(refrão)
Ô, Ô, Ô,
Se ainda não deu
Bota na conta do Dirceu!

Ô, Ô, Ô,
Se ainda não deu
Bota na conta do Dirceu!


Além desse contagiante samba do tucano doido, tem também por lá o impagável tutorial sobre como fabricar um falso escândalo.

11 de maio de 2008

Jazz + Radiohead

Só pode dar coisa boa, muito boa.

Amnesiac Quartet com uma soberba I Might be Wrong em Paris, no ano passado:



Mais? A Wolf at the Door.

E o Brad Mehldau Trio, espetacular, com Exit Music (for a film):



Mais? Paranoid Android.

E um bônus. Radiohead + Jazz:

9 de maio de 2008

A desinformação é a alma do negócio

Você está com o saco na lua de tanto ouvir Isabella, Alexandre Nardoni, Anna Carolina Jatobá, Edifício London, etc? Já houve tantas explicações didaticamente detalhadas sobre o crime queridinho da mídia quanto há estrelas na nossa galáxia. Tem gente que sabe o horário em que o carro da "família Nardoni" parou de funcionar mas não tem a mínima idéia do que aconteceu com a taxa Selic nos últimos dias ou quê raios é o tal do investment grade que o Brasil recebeu lá fora.

Anteontem o Globo News ficou mais de três horas sem interrupção no ar com imagens da fachada do prédio onde estavam os dois suspeitos. Não bastasse isso, a Globo interrompeu a transmissão do jogo do São Paulo em pleno mata-mata de Libertadores para mostrar carros de polícia na rua. Castigo merecido, Adriano marcou o gol bem na hora.

A lógica do espetáculo está bem clara. A pobre Isabella Nardoni levanta programas televisivos em queda, dá muita audiência, muita grana.

O que dizer, então, da insistência da mídia em querer arrumar uma intenção de terceiro mandato para Lula? Não bastam as sucessivas e taxativas negações públicas do presidente, não basta um artigo claro no site do próprio PT. A quem interessa esfumaçar as realizações do governo e virar os olhos do público para factóides como o do terceiro mandato ou o do tal "dossiê", que tenta queimar Dilma Roussef?

Para o bem da informação, contudo, existe a internet. É possível achar, por exemplo, um questionamento muito pertinente do Observatório da Imprensa sobre prioridades jornalísticas, ou dados no mínimo interessantes sobre a cobertura do suposto "dossiê FHC" no mesmo site, que também esmiuçou a "escandalização do nada" perpetrada pela revista Veja e engolida pela Folha.

E quando boa parte da própria internet falha em informar, ainda há a blogosfera, cada vez mais forte. Nela, ao contrário da cobertura pueril e desonesta da grande mídia, podemos aprender, por exemplo, sempre um pouco mais sobre as eleições americanas com o Idelber Avelar, aqui e aqui, ou com o Pedro Dória, aqui. No caso de uma notícia como os 60 anos de Israel, a mídia fica na superfície, dá mais atenção a um escândalo do primeiro-ministro, não informa nem explica absolutamente nada. No Dória, no entanto, lança-se mão da história para compreender e suscitar debates. No caso do "dossiê FHC", dá-se atenção ora a um Artur Virgílio ou José Agripino falando asneiras, ora a um esfrega-show de Dilma, mas nada de informação concreta. Com o Luis Nassif, no entanto, encontramos desconstruções críticas do caso aqui e aqui.

Na blogosfera noticia-se, explica-se, opina-se. Já sob o véu da "cobertura imparcial", a grande mídia se abstem de informar e explicar, oculta posicionamentos políticos e deixa todo mundo cada vez mais perdido. São os negócios, estúpido!

Sempre dá pra piorar

O tempo vai passando, a dor-de-cabeça vai acabando e o vice-campeonato com derrota acachapante na final vai se tornando uma boa preparação para o real desafio da Macaca no ano, voltar à série A. Pensando bem, este paulistão foi o Maio de 68 pontepretano. Levou todos às ruas e acabou derrotado, mas permitiu que o sonho e a esperança continuassem para testemunhar conquistas mais tarde (espero acertar nesta profecia).

Testemunhar o 5 a 0, algo tão chocante e doloroso quanto ver a mãe morrendo ou a amada pulando a cerca, só foi suportável em vista de outras tragédias piores. É aquela coisa: se você está na merda, pense que sempre é possível estar numa merda ainda maior e mais fedida. Vide a reedição do Maracanazo, última cortesia de Joel Santana à torcida flamenguista, e o drama do atleticano Idelber, vítima de um outro 5 a 0 numa final. A sacolada veio justo do Cruzeiro e ainda no ano do centenário do Galo. Num ato de compaixão, fiquei aqui imaginando algo parecido, como o Majestoso lotado para uma final testemunhando uma goleada semelhante do Guarani. Ainda no terceiro gol imaginário eu tive de desistir em prol da integridade do meu sistema cardiovascular. Aliás, quê tragédia poderia superar a da ser, neste exato momento, um torcedor do pobre Bugre, aquele do estádio penhorado que disputa a série C?

Esta estratégia é muito eficaz e revela um traço muito interessante da psiquê humana. Humilhados, tendemos a simpatizar com outros humilhados, mas também não tardamos a espinafrar os que estão ainda mais por baixo. Portanto, não importa o quão macambúzio e melancólico você esteja por causa de um infortúnio qualquer, use a velha tática e seja feliz, pensando que:

- você poderia estar na pele de Rubens Barrichello, que além de ser injustamente perseguido como o bobo-da-corte nacional por mais de uma década, deu a seguinte declaração genial à revista Veja:

Descobri que preciso ser feliz comigo mesmo e não dar satisfação a ninguém. Eu
usava essa filosofia na vida pessoal e no golfe, mas não nas pistas. Antes, era
como se a vida quisesse me mostrar certas coisas e eu não conseguisse enxergar.
Depois de ler
O Segredo (livro de auto-ajuda) e assistir a Quem Somos Nós?
(filme de auto-ajuda), mudei muito. Não acredito mais na sorte. Pensar de
maneira derrotista atrai energias negativas. Essa coisa da energia teve muita
influência sobre mim.

Ótimo piloto, tremendo energúmeno. Mas se você é alguém que deu crédito a esses lixos culturais, ainda há salvação, pois:

- você também pode pensar estar na pele do ridículo José Agripino, tentando atirar na Dilma e acertando o próprio pé, afundando a estratégia de seus aliados e levando o maior esfrega que se tem notícia em Brasília. No entanto, se você acha que o dia da mentira cai em 31 de março e dá o nome de "dossiê" aos dados vazados da Casa Civil, ainda dá para:

- pensar que você poderia estar na pele de Ronaldo, que se envolveu numa situação no mínimo embaraçosa com a senhorita Andréia, quer dizer, com o senhor André Luis Albertino. (Nada contra quem gosta de senhoras com trombas, diga-se). Agora, se você é bugrino, leu e gostou de O Segredo, deu trela pro solipsismo idiota de Quem Somos Nós?, vota na direita e ainda por cima já achou sem querer uma tromba onde ela não deveria estar, então a única salvação é pensar que você poderia estar pegando uma onda em Mianmar.

Parafraseando o glorioso Dr. Pangloss, é melhor pensar que vivemos no menos pior dos mundos.

4 de maio de 2008

Palavras ingênuas e sinceras para a nêga véia

Ei, ei... levanta aí. Sempre é e vai ser possível! Quem escala um prédio alto pode levar um grande tombo, mas olha lá, quantos prédios enormes pra escalar. A gente sempre vai te apoiar. A cada tombo vamos te segurar, e diferentes gerações vão te levantar, e a cada prédio alto, falar: "ei, ei, levanta aí, nesse você chegou quase lá, tem o próximo, e o próximo, e também aquele lá". E quando conseguir escalar, e no topo se firmar, ninguém no mundo poderá imaginar o que é, por você, comemorar.

1 de maio de 2008

Efemérides...

14 anos depois e aquela manhã continua viva na cabeça.



Eu e você aí, muito provavelmente não vamos deixar rastros duradouros. Tem gente que morre e vira estátua de bronze, por exemplo. É lá isso muito diferente?

... para esquecer a ampulheta e celebrar nossa breve, frágil, sem sentido, deliciosa existência

Um dia, alguém citou essas palavras aqui, do lisboeta Alexandre O´Neill, esperando viver "momentos mais do que necessários":

Há palavras que nos beijam
Como se tivessem boca,
Palavras de amor, de esperança,
De imenso amor, de esperança louca.
Palavras nuas que beijas
Quando a noite perde o rosto,
Palavras que se recusam
Aos muros do teu desgosto.
De repente coloridas
Entre palavras sem cor,
Esperadas, inesperadas
Como a poesia ou o amor.
(O nome de quem se ama
Letra a letra revelado
No mármore distraído,
No papel abandonado)
Palavras que nos transportam
Aonde a noite é mais forte,
Ao silêncio dos amantes
Abraçados contra a morte

De onde você vem?