22 de agosto de 2013

Tábula rasa

Li o artigo polêmico do Helio Schwartsman, "Demografia do Nobel" (FSP, 10/08). Em nenhum momento o colunista disse que judeus são mais inteligentes que muçulmanos. Ele afirma que há um fenômeno a ser estudado (a disparidade no número de laureados) e menciona uma hipótese genética. É uma provocação, obviamente.

A obtusidade está no fato de que ele nem sequer menciona a possibilidade de que a disparidade seja suficientemente explicada por via histórica, sócio-cultural e econômica. Há motivos suficientes para pensar que essa abordagem explica satisfatoriamente a disparidade em questão. Minha opinião é que a genética provavelmente seria uma resposta incorreta para uma pergunta legítima, o que não quer dizer que haja algo de errado em levantar uma hipótese genética para qualquer fenômeno humano, inclusive este. Mas por que apenas a hipótese genética foi aventada por Schwartsman?

Isso tem a ver com a intenção do texto em alvejar a ideia de "tábula rasa", que nós, das humanidades, tanto compramos sem perceber. É uma referência a um livro de Steven Pinker, que denuncia as pré-suposições envolvidas na recusa do nosso aspecto natural, animal, orgânico. Estamos plasmados na natureza. Nossa existência é o resultado de milhões de anos de pulsação da vida no planeta, e nossa breve pulsação é parte minúscula desse mundo que não depende de nós para existir. Negar que a natureza tenha algo a ver com a mente humana é se render sem querer a uma concepção do espírito humano como algo desconectado do mundo natural, algo independente do organismo. Você pode até defender esse tipo de coisa mas dificilmente encontrará evidências para sustentar suas ideias, hoje (posso estar errado, claro, e o futuro poderá revelar meu engano). A genética e as neurociências, pelo contrário, atualmente as têm às pencas. É preciso ter isso claro em mente antes de acusar qualquer pessoa de cientificismo.

Não somos determinados pela natureza porque desenvolvemos um mundo simbólico que não obedece às mesmas regras do mundo natural. Mesmo assim, é muito cedo para descartarmos qualquer explicação naturalista. O melhor a fazer no atual estado do conhecimento é reconhecer a complexidade das explicações para fenômenos humanos sem fazer tábula rasa e sem partir para o determinismo biológico. Tanto os entusiastas das explicações genéticas quanto os que fazem tábula rasa da natureza humana deveriam levar isso em consideração antes de arrotar suas últimas suposições acerca da diversidade humana.

Quando você aceita que toda a variedade entre seres humanos se explica apenas por meios de hipóteses não-naturais, você está admitindo como verdade uma suposição sem justificativa. É isso o que o Schwartsman poderia ter dito em vez de apenas sugerir uma causa genética como possível explicação, embora eu entenda que ele queria provocar os mais sensíveis defensores da tábula rasa - o que é sempre bom.

De onde você vem?