28 de setembro de 2008

A despedida

Paul Newman e o Corvette GT1


Foi durante a transmissão do treino de F1 para a corrida noturna de daqui a pouco que fiquei sabendo da morte de Paul Newman. Nada demais, pensei. Ele já tinha mais de 80 anos. A notícia de que estava em estado terminal já havia circulado, bem como a da sua decisão de recusar mais tratamentos médicos e se recolher com a família para morrer em casa. Todas as agências de notícias vão dizer que era um grande ator, etc., e deve ter sido mesmo. Lembro-me apenas vagamente de alguns de seus papéis, como o do advogado nem-tão-bem-sucedido que consegue derrotar uma máquina jurídica num caso de erro médico (o Google acabou de me lembrar que o filme é "O Veredito", habituê dos Corujões e Sessões de Gala da vida). Enfim, Newman não era um dos meus favoritos. Por isso não fiquei triste como ficaria ao saber da morte de, digamos, Jack Nicholson.

Eu já sabia que Newman tinha um envolvimento muito grande com o mundo das corridas. Era dono de uma das melhores equipes de F-Indy, a Newman-Haas. Seus carros cinzas venceram campeonatos com Mario e Michael Andretti, Nigel Mansell e Sébastien Bourdais. Lembro-me que eu odiava esses carros cinzas quando criança porque eram alguns dos maiores rivais do Emerson Fittipaldi, pra quem eu torcia embalado pelo ufanismo histérico do Luciano do Valle. Além de dono, Newman era chefe de equipe, desses que ficam no box de macacão falando com os pilotos pelo rádio. Nunca vou me esquecer de um final de corrida, acho que era a de Vancouver, 1989, em que Michael Andretti jogou o carro em cima do Emerson na penúltima curva pra vencer, para delírio de Newman nos boxes. Não gostava dele.

Eu também já sabia que o ator se arriscava a acelerar esportivamente, mas só isso. Não sabia de alguns dos detalhes que tornam a história de Paul Newman uma coisa absolutamente fantástica: em 72, a primeira vitória numa corrida oficial; em 77 a primeira participação nas tradicionalíssimas 24 horas de Daytona; em 79 um segundo lugar nas mais tradicionais ainda 24 de Le Mans; e (por favor, leiam isso duas vezes) venceu as 24 horas de Daytona em 1995, aos 70 anos de idade. Paul Newman era um piloto de verdade. Um ótimo piloto de verdade.

Mas isso tudo não diz exatamente muita coisa além da pitoresca combinação ator-piloto de corridas. O que realmente me fez voltar a ter vontade de escrever um texto às 4 da manhã (com o "compromisso" de acordar às 9 para ver a sacrossanta F1) é que eu quero que vocês saibam que no fim de agosto, aos 83 anos e sabendo que tinha algumas poucas semanas de vida, Paul Newman, o piloto de corridas, pegou seu Corvette GT1, levou-o à pista de Lime Rock Park e guiou por uma hora e meia, observado por sua família e pelos mecânicos da Newman-Haas. É isso. Newman tinha 83 anos, câncer terminal nos pulmões, e foi se despedir de seu Corvette. À toda. Tenho certeza de que o velho não aliviou e sentou a bota como se...

Como se não houvesse amanhã.

Não é algo absolutamente comovente e inspirador e lindíssimo?
Agora estou triste por Paul Newman.
PS: Isso um dia vira livro, ou filme. Na certa, um certo sentido estético vai ser elaborado para a experiência de despedida, com a vida de Newman, os amores, os desgostos, o trabalho, tudo passando em flashbacks na cabeça daquele velho acelerando um carro de corridas pela última vez, intercalados com cenas da própria despedida. Eu tenho uma outra idéia do que Newman pensou naquela uma hora e meia de despedida: "... freio, terceira, segunda, tangência, dá o pé, corrige a traseira, rugido lá em cima, terceira, quarta, quinta, pé embaixo, pé embaixo, pé embaixo..." A estética está numa curva bem feita.

13 de setembro de 2008

Filmes sobre o 11 de setembro

No post anterior prometi um artigo sobre alguns filmes inspirados pelo 11 de setembro. Me expressei mal. Dificilmente o que eu ia escrever pode ser considerado um artigo, e nem mesmo iria falar de filmes diretamente ligados aos ataques de 2001. Eram filmes, na verdade, sobre a Guerra do Iraque. Mas já que prometi, vou soltar alguns pitacos sobre uma pequena lista de filmes sobre os ataques.

O retrato mais cru dos ataques vem de um documentário muitíssimo conhecido do grande público: 9/11, filmado por dois franceses que acompanhavam uma divisão do corpo de bombeiros de NY. A dupla é responsável por algumas das cenas mais impressionantes do evento: o colapso da torre sul filmado de dentro do lobby da torre norte (clique aqui para uma versão de sete minutos) e a única filmagem clara do impacto do primeiro avião, pra não mencionar o alto som de impacto dos "jumpers". Nada mais, nada menos do que isso: o horror sendo experimentado in loco.

Outro documentário, este o mais visto da história, é Fahrenheit 9/11, de Michael Moore. Todo mundo sabe: é um panfleto que tentou arrancar os republicanos da Casa Branca. Um belíssimo panfleto, mas mal-sucedido em seu objetivo, infelizmente. Muita gente criticou Moore por ser manipulador, mas isso não tem sentido. Com tanques midiáticos como a Fox News dando total guarida aos neocons, a manipulação de Moore foi mais do que legítima e bem-vinda. E não foi nada grave, convenhamos: uma ediçãozinha esperta aqui, outra ali, e Fahrenheit consegue um retrato bastante próximo da realidade do governo Bush. Talvez o grande pecado tenha sido mirar tanto na figura do presidente, o que acabou gerando em muita gente a sensação de tudo ser apenas uma perseguição infantil (problema parecido com o de Roger & Eu, o primeiro de Moore). E, claro, o problema mais sério é que o filme só consegue, no fundo, pregar aos convertidos.

Entre o documentário e a ficção está Flight 93, a história do quarto avião sequestrado que caiu na Pensilvânia. Embora ainda haja uma ou outra controvérsia sobre o que realmente aconteceu naquele vôo, o certo é que o filme narra a história que foi mais aceita pelo público americano (e pelo mundo): passageiros conscientes de que estavam nas mãos de um piloto suicida reagem e tentam retomar o controle do avião, que cai. É uma história que interessa imensamente à construção da memória dos ataques, da criação de mártires e dos símbolos de "um povo que não se intimida pela ameaça estrangeira", etc. O drama humano contado pelo filme é fortíssimo e tem boas chances de ser verídico: a transcrição das caixas-pretas relata sons de luta na cabine durante os segundos finais de vôo. Será interessante acompanhar o desenvolvimento da memória do 11 de setembro neste caso em particular.

World Trade Center, de Oliver Stone, é outro que relata uma história dita verídica. Dois oficiais da Autoridade Portuária sobrevivem ao colapso da torre sul e são finalmente resgatados com vida. As cenas do colapso são ótimas, mas o restante é de uma direção pouco inspirada, com o filme parecendo caminhar numa direção um tanto equivocada com flashbacks insossos que atrapalham a narrativa. As melhores partes ficam por conta de Nicolas Cage, que salva o filme mesmo ficando o tempo todo debaixo dos escombros. O teor ideológico se mostra quando entra em cena a figura de um misterioso mariner que tem uma revelação diretamente enviada pelo Senhor, vai até Nova York com uma lanterninha na mão e entra no meio da montanha de concreto e aço retorcido à noite para achar os dois sobreviventes. Mariners, os anjos voluntários que vão salvar e proteger o país, ho ho ho, feliz natal. Quase tão inverossímil quanto sobreviver ao colapso pulando no fosso do elevador. (Ok, há informações de que umas 20 pessoas sobreviveram ao colapso das torres).

Há ainda filmes menos conhecidos, como os documentários The Falling Man e Loose Change (os links levam às versões completas dos filmes no Youtube). Falling Man é um belíssimo ensaio cujo ponto de partida é uma sequência de fotos da queda de um dos mais de 200 "jumpers", pessoas que pularam ou cairam do alto das torres. O filme busca identificar o jumper e analisa a reação das pessoas ao horror particular dessas vítimas do 9/11. Documentário sério e bem feito, ao contrário de Loose Change, uma compilação de teorias conspiratórias sem nexo, a começar pela teoria da demolição controlada - segundo essa explicação para o colapso das torres, o governo norte-americano teria implodido os edifícios. É interessante assistir esse documentário para ter uma idéia do quanto o 11 de setembro mexe com os dois lados da histeria norte-americana: de um lado, o evento deu vazão a um recrudescimento da xenofobia entre os conservadores e uma clara justificativa para os republicanos desdenharem da ONU e mobilizarem a maior máquina bélica já construída pelo homem; de outro, a falta de explicações definitivas sobre os detalhes mais difíceis do episódio (como: por que os aviões não foram abatidos? por que realmente as torres colapsaram?) abriram caminho para que os esquerdóides lunáticos de lá e o grande número de "libertários" que vêem o estado como inimigo elaborassem as mais tresloucadas teorias conspiratórias responsabilizando a administração Bush pelas mais de 3000 mortes daquele dia. O fato de que provavelmente muitas pessoas no Pentágono e na Casa Branca estivessem brindando a tragédia que lhes daria carta-branca não significa que os ataques foram um "inside job", uma coisa de autoria do governo. Noam Chomsky, aliás, pode defender muito melhor do que eu esse ponto de vista (aqui e aqui). Este é mais um dos aspectos do 11 de setembro cuja construção da memória será interessante acompanhar nos próximos anos.

Por fim, um filme que foi lançado em 11 de setembro de 2002, 11´09"01 e que fica aqui como dica pra você e pra mim, já que ainda não o assisti. Uma vergonha, já que Sean Penn e Iñarritu assinam dois dos curtos episódios que contêm 11 minutos, 9 segundos e 1 quadro. Mas vai pra lista de downloads agora. Se você já viu, me diga o que achou.

O próximo post vai abordar alguns filmes sobre a Guerra do Iraque. Filmes melhores, muito melhores.

11 de setembro de 2008

9/11

Lá se vão sete anos desde que alguns muçulmanos decidiram dar carta-branca para os neocons deitarem e rolarem no Oriente Médio. O império já matou mais de 30 vezes o número de vítimas do atentado por lá. O número de mortes de soldados americanos causadas pelas invasões do Afeganistão e do Iraque também já passou, há muito, os pouco mais de 3000 mortos do dia 11 de setembro de 2001.


Clique aqui para ler um artigo da Newsweek (de fim do ano passado) sobre como algumas famílias de vítimas do 11 de setembro estão levando a vida após a perda. Os menos abastados estão, claro, tendo muitas dificuldades, a exemplo da família de Juan Nieves Jr.

Mais tarde, no Pálido, um artigo sobre alguns filmes inspirados por este capítulo particular da longa história da estupidez humana.

8 de setembro de 2008

Le grand finale

Corra e veja o vídeo onboard de um dos melhores finais de corrida da história da F1 (antes que a FOM tire-o do ar):




Na visão onboard fica nítida a vantagem de tração obtida por Hamilton com o corte da chicane. Ele merecia ganhar, merece ser campeão, mas a punição foi justa.

Pneus

Dois clássicos do Youtube mostram a radical diferença entre um pneu raivoso...



... e um bem comportado.

6 de setembro de 2008

Primeiras impressões

Incrivelmente, o Metallica conseguiu arrancar um ótimo review da Rolling Stone. Primeiro parágrafo:

In the Eighties, thrash metal wasn't a scene, it was an arms race: riffs kept speeding up, drum kits got bigger. But with 1991's Black Album, Metallica opted for unilateral disarmament, slowing their tempos, shortening their songs and smelting their chugging guitars and piston-powered drums into armor-plated pop hooks. After that, the band rushed from one reinvention to another, starting with the Southern-rock infusion of 1996's Load and culminating in the muddled, bizarrely produced group-therapy session of 2003's St. Anger. No longer: Death Magnetic is the musical equivalent of Russia's invasion of Georgia — a sudden act of aggression from a sleeping giant.

As opiniões que estão pipocando por aí concordam de maneira quase unânime sobre a boa qualidade do disco novo, embora todas façam questão de lembrar que alguns clichês aparecem quase ao ponto da auto-paródia.

Clichês...

Há alguma coisa de ingênuo e sincero nos clichês. E bonito, por quê não?



Metallica - The Day That Never Comes

5 de setembro de 2008

MP4/4

O Gomes comentou que o Rubinho deve rezar por uma chuva pra não andar atrás até da Force India (a Minardi dos novos tempos). E completou: "é inacreditável o que se passa com a Honda. Quando vejo esse carro aí embaixo, não consigo acreditar que as carroças de Barrichello e Button tenham o mesmo DNA."


Qual era o carro?


O McLaren Honda MP4/4.


Esse aqui, ó:



Não sei se são os 2 litros de cerveja já na cabeça, ou alguma outra coisa, mas me deu uma baita vontade de chorar quando eu vi aquele McLaren Mp4/4 número 12 com aquele capacete amarelo-espanto enfiado nele, no blog do Gomes. Sei lá, vai saber, devem ser as reminiscências da infância, da aventura de ficar acordado direto até as duas da manhã pra ver a decisão do título, e o cara ficar ali parado na pole quando precisava ganhar, ir lá pro fundão, e ir passando todo mundo, até encostar naquele outro cara, o outro grande cara, com o mesmo carro que ele e deixá-lo comendo poeira no meio da garoa, e aquela voz do Galvão que emocionava os que restavam desemocionados, meu deus, meu deus, isso tudo aí vai fazer 20 anos em outubro, quando faço 28 anos, e olha só, foi nessa corrida que o cara viu Deus, com maiúscula pra ele, lógico, ele viu Deus lá no céu, ele viu, dentro desse carro, na última volta, e eu tinha 8 anos, e lembro da minha mãe e meu pai vibrando também porque aquele rapaz tinha conseguido o que queria, meu deus, que vontade de chorar...

O MP4/4 é o carro.

Os marcianos chegaram...

... e não sabendo absolutamente nada sobre o planeta Terra, decidiram se agrupar na convenção do Partido Republicano.


Veja a tabela publicada pelo New York Times e julgue por si mesmo se o pessoal do GOP está ou não vivendo no éter supralunar (clique na imagem para ampliar):


Ah, o Biscoito Fino está com um post bastante esclarecedor sobre Sarah W. Palin, a vice de John McCain. O discurso de Sarah na convenção foi tão, tão empolgante para os republicanos, que desde então o GOP arrecadou 1 milhão de dólares para a campanha. Estranho é que os democratas tenham batido o recorde de arrecadação em um só dia no mesmo momento, levando para os cofres da campanha 10 milhões de dólares. "Espero que ela faça um discurso por dia", disse o porta-voz de Obama.

via A Blog Around The Clock

BREAKING FUCKING NEWS!!!

Graças ao Amadeu, cá está um álbum que só será lançado oficialmente no dia 12 de setembro. Dizem que uma certa loja francesa vendeu alguns exemplares antes da hora por engano. Lars falou sobre o vazamento: "If this thing leaks all over the world today or tomorrow, happy days. Happy days. Trust me. Ten days out and it hasn't quote-unquote fallen off the truck yet? Everybody's happy. It's 2008 and it's part of how it is these days, so it's fine. We're happy." Será que esse é o mesmo cara que um dia processou o Napster?



O que dá pra dizer com apenas um giro do disco? Que é 2008 vestido de 1986. Mas um sincero 2008 vestido de 1986.

E, bem, The Unforgiven III pode ter um título que soe a piada, mas a música é muito boa.

3 de setembro de 2008

Denorex

Uma coisa recorrente em obras de divulgadores da ciência como Richard Dawkins e Carl Sagan é o ataque à pseudociência. Tentam alertar para um perigo das sociedades modernas: aquilo que parece ser ciência pode ser uma impostura. Em linguagem clara: você pode estar levando um Porsche com motor de Fusca.

Pseudociência é todo discurso, saber ou crença, que se disfarça de ciência para conseguir credibilidade (fiquemos com essa definição, por enquanto). Pelo menos é nisso que quero acreditar: a ciência ainda tem muita credibilidade na nossa sociedade. Quantos anúncios não vêm acompanhados da chancela de "cientificamente comprovado" ou similares para atestar que seus produtos são confiáveis? Por quê os autores de livros de auto-ajuda e boçalidades semelhantes têm a necessidade de acompanhar seus nomes dos títulos de "MD" ou "PhD"? A intenção é clara. A ciência se tornou, há muito, base para decisões públicas e ainda é considerada, em inúmeras direções, nossa maior fonte de conhecimento seguro sobre o mundo. Sua roupa, pelo menos, ainda vende. E muito.

No post anterior eu indiquei, via De Rerum Natura, um artigo sobre ciência e pseudociência que apareceu há pouco na SEP. Sven Ove Hansson, o autor, prudentemente, tratou de apenas colocar o problema como algo a ser resolvido. O que já era de se esperar. Isso é coisa pra se tentar resolver em teses ou em tratados, e não num artigo de enciclopédia. Não deixa de ser interessante, mesmo assim, então vamos rapidamente a ele.

Hansson coloca uma questão que inevitavelmente se desdobra num problema muito maior: como estabelecer critérios para identificar a pseudociência? O problema maior é claro: quais, então, os critérios para demarcar a própria ciência? O artigo se desenvolve mais em torno disso, da demarcação e identificação do que é científico, e como fica bastante claro em seu desfecho, é paradoxal que haja tamanho consenso quando o assunto é meramente identificar os campos que devem ser considerados ciência, e ao mesmo tempo tanta dificuldade para encontrar critérios gerais que demarquem com clareza o que é ciência e o que não o é.

Da mesma forma, é bastante comum encontrarmos convergência em opiniões na comunidade científica - e não somente dentro dela - que classificam o criacionismo, a astrologia e a homeopatia, por exemplo, como pseudociências. A divergência está no porquê disso tudo ser pseudociência. As possíveis respostas esbarram primeiro no problema muito comum de se misturar pseudociência com anticiência, e mesmo pseudociência com todos os discursos alheios ou estranhos ao discurso científico. Basicamente, por pseudociência entende-se um saber ou crença que, não sendo científico, passa por ciência, veste sua roupa e emula suas maneiras na tentativa de criar uma impressão de ser científico. Apesar de muito útil, este é um critério problemático: a homeopatia oscila entre colocar-se como anticiência e como ciência, como afirma Hansson. O mesmo ocorre com a astrologia, atualmente, penso, com maior tendência a se considerar realmente não-ciência ou anticiência. A questão é que não há um corpus pseudocientífico em oposição ao corpus científico mais ou menos definido. E, pior, em alguns casos aquilo que pode ser identificado como ciência mal-feita (ou seja, experimentos mal conduzidos, teorias logicamente mal elaboradas, etc.) tende, em alguns casos, a ser confundido com pseudociência. A única forma de separar o joio do trigo, neste caso, seria saber se, por trás de conclusões estranhas à ciência originadas de incompetência ou distorsões propositais, há uma doutrina não-científica mais ou menos coerente. Dá pra ver que é muito pano pra manga, óbvio.

O pepino todo está na própria definição de ciência. Hansson faz um breve catálogo das principais vertentes na filosofia da ciência que arriscaram propor critérios gerais para a definição de ciência. Os positivistas do Círculo de Viena e a ênfase na possibilidade de se verificar uma proposição empiricamente; Karl Popper e a idéia de que uma teoria só é científica se abre a possibilidades de ser refutada por observações ou experiências que fiquem nas raias do concebível; Thomas Kuhn e a imagem da ciência normal, em que a prática científica mais comum é identificada com a resolução de problemas dados por um paradigma teórico que só de vez em quando é desafiado pelas anomalias que surgem nas pesquisas; Imre Lakatos e o critério de progressividade, em que estamos diante de ciência quando um programa de pesquisa cria novas teorias que, progressivamente, substituem as velhas pela capacidade de previsão e maior embasamento empírico; e Robert Merton e seu ethos científico, com imperativos institucionais como o universalismo, o ceticismo organizado, o senso de comunidade e o desinteresse pessoal. Não há consenso entre estas diferentes demarcações. Quando muito, há uma certa convergência em certas questões específicas. Isso pra não dizer que estamos falando só de gente que, se não eram epistemólogos de ofício, encararam a epistemologia de maneira propositiva, digamos. Pois eu não queria nem ver o fuzuê se no meio desse balaio todo Hansson tivesse tentado incluir as abordagens destruidoras das linhas mais relativistas da história da ciência.

Só pra dar um gostinho do incêndio: o item 3.6, ao qual Hansson não dá lá muita atenção, chama-se a time-bound demarcation. "The demarcation of science cannot be timeless, for the simple reason that science itself is not timeless", diz Hansson. "The mutability of science", continua, "is one of the factors that renders the demarcation between science and pseudoscience difficult". É aí que os historiadores têm uma chance de enriquecer o debate. A conclusão é, hoje, óbvia demais para ser usada como objetivo da pesquisa histórica sobre ciência (e pseudociência). "A ciência não está fora do tempo": isso é um ponto de partida, não de chegada. Mas, aproveitando a deixa, isso é outra história, pra outro post.

Pseudo

Agora há pouco, o pessoal do De Rerum Natura deu uma dica daquelas: um novo artigo na Stanford Encyclopedia of Philosophy sobre ciência e pseudociência. O início é auspicioso, dá uma olhada:

The demarcation between science and pseudoscience is part of the larger task to determine which beliefs are epistemically warranted. The entry clarifies the specific nature of pseudoscience in relation to other forms of non-scientific doctrines and practices. The major proposed demarcation criteria are discussed and some of their weaknesses are pointed out. In conclusion, it is emphasized that there is much more agreement in particular issues of demarcation than on the general criteria that such judgments should be based upon. This is an indication that there is still much important philosophical work to be done on the demarcation between science and pseudoscience.

Opa, o negócio deve ser muito bom.

Só o termo pseudociência já causa arrepios no pessoal das humanas mais inclinado ao relativismo. Se ciência já é um campo razoavelmente complicado de se definir, o que dizer da pseudociência? Ou pior: para aqueles que não vêem lá grande diferença entre teoria científica e mito, onde é que entra a pseudociência? Não entra. Porque quem vê tudo embaçado assim já jogou a epistemologia pela janela faz tempo. E não vai querer perder tempo com coisa tão pueril, não é?

Pseudoprofundidade é foda.

Eu vou ver qual é a da pseudociência. Impressões a seguir, aqui no blog.

De onde você vem?