Com licença, outra interrupção na hibernação.
Às vezes, alguém diz uma coisa que nos parece uma maravilha porque é uma novidade ou uma maneira original de encarar um antigo problema, com a qual jamais havíamos nos deparado.
Noutras, palavras ditas por outros caem maravilhosamente nos nossos ouvidos porque expressam exatamente uma convicção que consideramos muito pessoal, muito nossa. Não é novidade, não consideramos aquilo original. É a satisfação da identificação plena.
Tive que transcrever aqui um exemplo do segundo caso, que li na página 16 de “De Perto e de Longe”, livro que é uma entrevista de Claude Lévi-Strauss com Didier Eribon.
O senhor nunca foi perturbado pelo sentimento religioso?
Se por religião você entende uma relação com um Deus pessoal, nunca.
Esta descrença desempenhou um papel na sua evolução intelectual?
Não sei. Na adolescência, eu era muito intolerante quanto a esse assunto; hoje, depois de ter estudado e ensinado história das religiões – todos os tipos de religião – tornei-me mais reverente do que quando tinha dezoito ou vinte anos. E depois, mesmo continuando surdo às respostas religiosas, cada vez mais sou invadido pelo sentimento de que o cosmos e o lugar do homem no universo ultrapassam e ultrapassarão sempre nossa compreensão. Acontece que me entendo melhor com os crentes do que com os racionalistas empedernidos. Pelo menos os primeiros têm o sentido do mistério. Um mistério que, a meu ver, o pensamento parece constitucionalmente incapaz de resolver. É preciso contentar-se com as mordidelas infatigáveis que o conhecimento científico dá em suas bordas. Mas eu não conheço nada mais estimulante, mais enriquecedor para o espírito, do que tentar seguir esse processo – como profano; permanecendo consciente de que cada avanço faz surgir novos problemas, e de que a tarefa não tem fim.