Fortune favors the bold. Not!
Borat
Entre as muitas coisas que me incomodam no palavrório da imprensa esportiva nas análises pós-jogo é como a (legítima) busca por conjecturar os motivos de um placar de futebol está se tornando uma (preguiçosa e ilegítima) obrigação de conceder ao vencedor mais mérito do que teve.
É notório que o futebol não é um esporte em que o placar final sempre traduz a medição de força entre dois times. Nem sempre o melhor vence. Isso basta, sem precisar repetir o truismo de que futebol é bola na rede, para que observemos como a ânsia por identificar mais mérito do que existe em todo vencedor está levando a imprensa esportiva a procurar explicações bizarras para placares “injustos” ou “ilógicos”.
O que aconteceu ontem em Stamford Bridge e a cobertura do Guardian ilustram o meu argumento.
Admiro muito o setor esportivo do Guardian. Os textos são saborosos, as análises são geralmente sóbrias, sem patriotismo ou outras paixões que acometem a imprensa esportiva espanhola. Mas dois textos de análise pós-jogo sofrem desse mal de que estou falando:
o primeiro elogia coisas como o trabalho disciplinado do time todo do Chelsea no setor defensivo,
o segundo fala em “soberba disciplina” dos blues.
Como quem acompanha futebol sabe, o Barcelona dominou amplamente o Chelsea em plena casa do adversário. Dominar não é apenas uma definição de “ter mais posse de bola”, mas também criar mais chances de gol, impedir que o adversário tenha a bola e jogue, pressionar o outro time em seu campo de defesa. O Barcelona fez isso o jogo todo e saiu derrotado por 1 a 0, fruto da única chance de gol que o Chelsea teve. Se alguma análise racional do jogo é possível, a única coisa que se pode falar com segurança é que o resultado se deve ao faro de gol de Drogba e à incompetência das finalizações do Barcelona. E só. Mas a análise tática de David Pleat, por exemplo, propõe que o mérito seja todo do sistema de Di Matteo, “compacto, disciplinado e comprimindo o espaço defensivo, quase parando o ônibus [na frente do gol]”.
Pleat alega que a troca de passes do Barcelona não conseguiu penetrar a defesa do Chelsea. Como não? Foram muitas chances claras de gol, duas delas com Alexis recebendo passes por cima da defesa do Chelsea. A primeira bateu na trave, a segunda foi pra fora. Fábregas também teve uma com bola em profundidade, venceu Cech, mas o zagueiro salvou em cima da linha. E assim por diante. Isso não é penetrar a defesa do outro time? Mesmo confrontado com um busão parado na entrada da área, o Barcelona furou, sim, a defesa adversária. Mas não balançou as redes. O Barcelona perdeu e também não existe tal coisa chamada vitória moral. O Chelsea ficou com o 1 a 0 e é isso o que importa no futebol. O Chelsea venceu e está perto da final. Essa é a melhor, a única verdadeira, recompensa dos vencedores. Não precisam de mais nada, de nenhum elogio.
O que precisa ser dito é que o Chelsea e todo time inferiorizado dentro de campo mas superior no placar final não precisam que méritos falsos lhes sejam atribuídos ad hoc. Vitórias e derrotas acontecem e, muitas vezes, nem uma e nem outra são realmente merecidas. Assim é o futebol e, com o perdão da reflexão de boteco, assim é a vida.
Parte do problema é a tentativa de arrumar explicações complexas para coisas simples. Quando o assunto é futebol em sua manifestação mais extraordinária e caótica (caso do jogo de ontem), talvez seja melhor ficar com tautologias e irracionalidades em vez de rabiscar e rebuscar a prancheta em busca de um modelo explicativo. Proponho, portanto, duas “explicações” para o que aconteceu ontem.
A primeira é: o Chelsea venceu porque fez um gol e o Barcelona não fez nenhum.
A segunda: é tamanha a quantidade de pequenos detalhes e a sua combinação definindo a ausência de gol do Barça que algo do tipo vai demorar pra acontecer de novo. Ao contrário do provérbio latino, a sorte sorriu para os fracos.