O site de cobertura jornalística de automobilismo Grande Prêmio, atualmente vinculado à página brasileira do MSN, é disparado o melhor do Brasil. Seu dono é o experiente Flávio Gomes, jornalista que cobriu a Fórmula 1 in loco por um longo período. Gomes é um escritor de mão cheia e tem um estilo só dele. Suas colunas e seu blog brilham muito acima do restante dos jornalistas e veículos da área esportiva.
Há uns dois ou três anos, a agência de notícias de Gomes, a Warm Up, estreou uma revista homônima sobre automobilismo, veiculada online (deve estar sendo impressa a essa altura, não sei). A revista é umbilicalmente ligada ao Grande Prêmio, que a promove com chamadas para suas reportagens.
É de se estranhar, pois, que uma publicação com esse pedigree tenha veiculado uma reportagem ridícula, surrealmente ridícula. Vejam por vocês mesmos a chamada do site e a própria reportagem assinada por Fagner Morais, que começa na página 28 da revista online.
Quando li a manchete, "Brasileira é chamada para impedir chuva na Fórmula 1" pensei que se tratava de uma incursão inofensiva e bem-humorada nas bizarrices do mundinho corporativo da Fórmula 1, cuja ética reinante parece ser a do vale tudo. Mas eu estava enganado. A reportagem até tenta ser bem-humorada, começando e terminando com o velho "não acredito em bruxas, mas que existem, existem". Fora isso, é puro jornalismo de quinta categoria.
O texto é sobre a famigerada Fundação Cacique Cobra Coral, cuja responsável alega alterar o clima e evitar chuvas por meio de mediunidade para beneficiar grandes eventos - a maioria deles, esportivos - entre outras alegações fantásticas. O texto é descuidado e irresponsável, tratando como fatos
coisas altamente duvidosas - por exemplo, diz, na introdução, que a tal da médium
"ajudou [um evento] a ter sucesso".
Não sou tonto. Qualquer pessoa minimamente sã sabe que uma coisa dessas é puro besteirol. Victor Martins (editor da revista) e Flávio Gomes também, suponho, sabem de quê se trata uma palhaçada dessas. Ou não sabem? Como editor e proprietário, deveriam saber. Mas o que se questionará, aqui, não é se é sadio acreditar e promover uma patacoada dessas - não é, e isso está fora de discussão.
O que verdadeiramente compromete a reportagem é a completa dependência por uma única fonte, a tal da Fundação, principalmente a médium. Tudo o que se diz no texto - as alegações de fama internacional, de relações com chefes de estado, de trabalho em grandes eventos esportivos, da F1 às Olimpíadas - absolutamente tudo vem da boca da médium ou de seu assessor. Em nenhum momento, nenhum, há qualquer menção do repórter sobre ter procurado verificar as informações. Quem não verifica a informação da fonte acaba sendo cavalgado pela própria fonte.
O que me faz levantar algumas perguntas ao repórter e ao editor da revista. Em algum momento vocês tentaram contactar as entidades mencionadas pela Fundação Cacique Cobra Coral e verificar se houve realmente as prestações de serviço mencionadas? Quem contratou a médium para evitar a chuva em Mônaco nesse ano? Procuraram a FIFA, a FOM, o COI? Se não, shame on you. Daria vergonha perguntar a essas organizações sobre se já contaram com os serviços de poderes espirituais contra as chuvas, não é? E se as procuraram, por que não mencionam no texto o resultado desse levantamento?
Mais: em algum momento vocês procuraram verificar a informação de relação da médium com Margaret Thatcher e Tony Blair? Ou melhor: antes de mais nada, pararam para pensar em verossimilhança em algum momento? Pois não haveria nada melhor para os tablóides explorarem do que o chefe de governo inglês diretamente envolvido com uma organização de serviços mediúnicos. Aliás, não pararam para perguntar quais foram os casos de sucesso, que a reportagem afirma existirem, que beneficiaram Blair e Thatcher? No caso da alegação sobre a Iron Lady, uma mínima pesquisa no Google traria um resultado como este.
Não. Não conta no esforço de verificação a referência a uma outra reportagem jornalística, ela mesma desesperadamente marcada pela credulidade, pelo mau jornalismo, pelo único e exclusivo embasamento em evidências anedóticas.
Eu sei. É possível resolver tudo isso dizendo que a reportagem não é séria. Mas por que ela está numa revista sobre automobilismo que se pretende séria? Devo ou não devo levar em consideração o que está nas páginas da Warm Up? Se devo, por que dar lugar a uma pecinha escrota como essa reportagem? Por que dar espaço à picaretagem?
Shame on you, Warm Up. Shame on you.
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