20 de junho de 2013

O Galvão narrará a revolução

Chegamos atrasados, eu e a Vanessa, à manifestação em Campinas. Eram mais de cinco e meia. Subimos a Glicério e decidimos cortar caminho por dentro até a Conceição, subindo para o Centro de Convivência, onde estavam meu pai e meus irmãos. Entramos na passeata. Nossos cartazes eram os únicos que lembravam as causas do Movimento Passe Livre. O restante parecia que rumava em direção a um jogo do Brasil na Copa do Mundo.

Ironicamente, havia muitos cartazes contra a Copa. Bandeiras brasileiras tremulavam e envolviam os corpos dos manifestantes. Corpos brancos, bem nutridos. Olhei ao redor e não vi nenhum negro, ou pardo. Cantavam que eram brasileiros, com muito orgulho, com muito amor. Diziam que o gigante havia acordado. Muitos, muitos mesmo, foram os gritos e cartazes contra a corrupção. Fora Dilma, Fora Renan Calheiros. Contra os políticos corruptos, contra os políticos. Contra a PEC 37. Mais saúde, mais educação.


Eu já sabia que eu iria para não deixar que a onda fosse surfada, sozinha, pela torcida do Brasil-sil-sil, vulgo gigante desperto. Fui com uma camiseta vermelho-sangue. Eu queria ter levado uma bandeira vermelha, sem slogan, sem sigla, sem nada. Vermelho, só. Pra ver no que dava. Queria dizer: aqui está alguém de esquerda.


De uma forma ou de outra, levantei o cartaz com os dizeres “Tarifa Zero, porra!” de um lado, e Movimento Passe Livre, do outro. A Vanessa, com folhas sulfite rabiscadas com um “não à máfia do busão!”. Comecei a gritar que o transporte público deveria ser verdadeiramente público. Muitos olharam esquisito para mim. Quase ninguém fez coro. Pode ser porque não sei agitar, não sei rimar. Mas desconfio que seja por outros motivos.


Demos a volta no Centro de Convivência e descemos. Ali, continuava o nacionalismo, o ufanismo, o discurso genérico. Ou nem tão genérico, assim. Havia um cara com um cartaz pela redução da maioridade penal.


Meu pai diz que viu trabalhadores à frente da passeata, quando ela saiu. Vi só alguns “manos da periferia” (pessoas cujas vestimentas e aparência diferiam radicalmente do que eu via até então), e eles enfrentaram a polícia depois de jogar pedras nos vidros da prefeitura. Um cara veio pedir ajuda para mim e para meu irmão, “dois caras grandes”, segundo ele, “para pegar os manos que estão depredando patrimônio público”. Declinei, dizendo que, embora fosse contra a depredação do patrimônio público, eu não poderia sequer compreender o sentimento e o discurso (violento) daquelas pessoas. Muitos clamavam pela violência contra os violentos, correndo atrás dos “vândalos”. Quando o choque desceu, passou há um ou dois metros do meu lado. Não fez menção de atacar os brasileiros “de verdade”, as “pessoas de bem”, os patriotas. Desceram o sarrafo, e bombas, e gás, nos “manos” lá embaixo.


Com o corre-corre, voltamos ao Centro de Convivência. No caminho de volta, a mesma coisa. Só uma garota animada fez coro comigo, pedindo transporte público de verdade. Perdi a paciência e comecei a gritar que, se estavam tão acordados agora, porque não reivindicavam as causas justas do Movimento Passe Livre? Já que eram contra a corrupção, por que não gritavam contra a corrupção que sustenta o sistema perverso de transporte urbano em Campinas? Mais uma vez, alguns dos despertos manifestantes do bem me estranharam. Eles queriam mais educação, mais saúde, e fora com os políticos, corruptos.


Cortamos o caminho pela praça e rumamos para casa. No caminho, a fachada da Assembleia de Deus tinha um banner enorme onde lia-se “Movimento contra corrupção”. Também nos informava, o banner da organização isenta de impostos, que a Assembleia de Deus era a favor da paz. Não havia nenhuma pichação como “impostos para igrejas, já!” ou “igrejas corruptas”. Desejei ter levado um spray para vandalizar aquele disparate. Há poucos dias atrás, vi dois mendigos dormindo no frio, bem perto de onde hoje se via aquele banner, enquanto seguranças de terno mantinham o patrimônio daquela casa de Deus intacto. Havia culto no momento. Perto dali, no asfalto, lia-se “Justiça pra Perifa”. 


Há esperança, mas ela precisa se fazer ouvir nessas esquisitas regiões centrais de Campinas.

Nenhum comentário:

De onde você vem?