1 de agosto de 2018

A parábola de Stanley

E lá vai ele. Stanley entra num cômodo vazio, perfeitamente iluminado, sem cantos escuros, rodeado de portas. A porta atrás dele se fecha, e não vai mais abrir. Nem há vontade de voltar para lá - um cômodo com uma parede cinza manchada e muitas lembranças tristes. Não há canto da sala sem alguma porta, nenhuma parede onde poderia encostar acuado, escondendo o rosto do mundo. Stanley gostaria de poder abrir uma porta que dá para um abismo, mas não se jogaria no oblívio por decisão própria. Ele apenas gostaria que, subitamente, um alçapão se abrisse sob seus pés. Alguns segundos de choque, terror, e pronto. Fim da história. Mas não há saída debaixo de seus pés, nem no teto, perfeitamente branco, perfeitamente iluminado - uma luz estranha, de origem incerta, que banha o corpo de Stanley por igual. Não há janelas no cômodo. Todas as portas se parecem iguais. Por mais que desejasse sair desse lugar sem estímulos nem ameaças em que se meteu, Stanley teme abrir qualquer uma das portas. Se pudesse saber o que há detrás de todas elas, certamente escolheria a melhor. Ou a mais fácil. Ou a mais difícil e bonita. Mas a única escolha que se coloca para ele é abrir alguma dessas portas brancas ou ficar no meio do cômodo, parado, num incômodo moderado, que ao menos evita as incógnitas de cada porta.

Stanley sabe que não está sozinho. Dentro dele há uma menina de olhos verdes doloridos, que carrega consigo desde que entrou na sala iluminada. Ele sabe que passar de um cômodo para outro pode, e quase com certeza vai, apagar essa presença dentro dele. Assim foi, afinal, que uma outra presença desapareceu dele. Quando Stanley se perde dentro de si olhando para o carpete marrom, o Narrador, sempre presente, sempre presente, infalível, diz: "Stanley, então, decidiu sair dessa incômoda situação abrindo qualquer uma das portas. A incerteza inerente a todas as portas não o freou por um instante". Como ocorreu nos outros cômodos e corredores do túnel de sua história, ele sente ao mesmo tempo dois impulsos contraditórios: seguir e contrariar a ordem velada. Seguir o que diz o Narrador já o colocou em situações tenebrosas, no passado. Noutras, ao contrariá-lo, Stanley encontrou perigos que não podia ter imaginado, terríveis, terríveis. O cômodo atual não aparenta armadilha alguma. Qual seria o perigo de ficar nesse cômodo? Olha em volta. Não há nada que o ameace ao redor. Seria ele mesmo, o perigo? Estaria dentro dele, o perigo? Stanley olha para o teto mais uma vez. Olha para o carpete. Acende um cigarro. Acende outro cigarro. E outro. E outro. E outro. E outro. Até que o cômodo se encha de cinzas e possa se afogar nelas.

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