10 de abril de 2022

Árvores e esquecimentos

Resolvi deixar isso aqui pronto para quando viesse a efeméride. A de um ano a partir do dia da sua morte, ou do dia em que eu soube que você morreu. Talvez seja melhor publicar nesse dia, o dia em que eu soube que você tinha morrido. Nunca fui de deixar as coisas prontas por antecedência. Mas esperar pela efeméride para poder escrever algo para você não faz sentido. Você está comigo todos os dias, desde que acordo até a hora de dormir. Especialmente na hora de dormir. Penso em escrever algo para você todos os dias, e não sei por que não o fiz até agora, até pensar na data que se avizinha.

Tenho que ter uma deadline pra tudo. Até para dizer o que sinto ou fazer o que quero. Se eu soubesse qual era a sua deadline, teria ido até você e dito que precisava de você no mundo para que eu continuasse vivo. Pelo menos é isso que gosto de dizer a mim mesmo. Não sei se eu teria coragem de estragar o pouco que restava da sua existência tentando conversar contigo.

E de qualquer forma, você tem estado comigo desde subiu aquela escada e nunca mais te vi.

 

À efeméride. Faz um ano que você morreu, e aqui vou usar a minha velha ladainha, a que tenta plasmar tudo o que acontece na casca do nosso planetinha a um contexto cósmico: uma volta ao redor do Sol desde que você morreu. Soo ridiculamente grandiloquente tentando ser poético, então vamos lidar só com coisas concretas: o que a dureza do real sugere é que o planetinha deu mais ou menos 4,5 bilhões, ou melhor, 4 mil milhões e meio de voltas ao redor do Sol desde que nasceu. 39 desses 4.500.000.000 rodopios, ou 0,00000086% deles, me diz o computador, foram acompanhados da sua presença. Numa dessas voltas você esteve de mãos dadas comigo.

Dizem que o planetinha deve dar mais uns quatro ou cinco mil milhões desses rodopios até que o Sol, agora inimaginavelmente maior, inflado, vermelho, em uma morte lenta, o engula. Éons antes disso, eu e você e a voltinha que demos juntos já teremos sido esquecidos. Quaisquer indícios de que tenhamos existido – eu, você e a nossa voltinha – devidamente deletados, sem volta. Não haverá nenhum vestígio da proporção ínfima (zero vírgula zero zero zero zero zero zero zero e mais alguma insignificância numérica) de tempo a que corresponde as nossas voltinhas diante dos olhos do Sol.

Para observadores celestes desse futuro chocantemente distante, estranhos habitantes da superfície de algum outro planetinha em volta de algum outro sol, esse processo de apagamento final do sistema solar será um espetáculo de pequenas proporções, mas também único e irrepetível. Cada estrela de sequência principal que termina em nebulosa planetária acaba de um jeito diferente, mas todos terrivelmente lindos, terrivelmente lindos.

A última coisa que os seus terrivelmente lindos olhos me disseram é que a vida é imponderável. Em seguida, deram a volta e se afastaram. E foram virar longínquas nebulosas planetárias selvagens uma volta e meia depois. E nessa última volta desde que você morreu, volta e meia eu voltei à nossa voltinha.

Uma volta.

2 comentários:

Ricardo C. disse...

Camarada, anos sem a gente se falar, desde o tempo pré-facebook, pré-Instagram, pré-twitter e que tais, tempo em que blogávamos e ainda deixávamos comentários nos posts dos nossos respectivos blogs. Fiquei impactado com este seu texto, mesmo vários anos depois de você tê-lo publicado, tanto pela tua tristeza quanto pela razão dessa tristeza, assim como pela passagem do tempo, em todas as escalas, marcada pelo vazio entre um encontro e outro, ou entre um desencontro e outro. Mande um e-mail (sim, ainda uso isso) pra retomar o contato, nem que seja para uma conversa breve. (rcgenerico@gmail.com) Abraços comovidos.

Ricardo C. disse...

Desculpe, falei de anos que você publicou o texto, quando na verdade passou um ano do ocorrido que você descreve nele. Anos mesmo só o tempo em que não nos falamos. É isso. Grande abraço.

De onde você vem?