5 de julho de 2008

In hot blood

Eu nunca mais vou dizer
O que realmente penso
Eu nunca mais vou dizer
O que realmente sinto
Eu juro
Eu juro
(Titãs)


E este blog acaba de se transformar naquilo que nunca deveria ser: um diarinho confessional.

...

Nenhum homem é uma ilha, mas que têm umas montanhas gigantescas no caminho que leva a cada península, ah, isso têm.

...

Os mal-entendidos são uma coisa odiosa, sempre pensei. Claro, nunca me preocupei muito se havia interpretado errado alguma pessoa, ou alguma coisa que me foi dita. Nunca me preocupei demais, por exemplo, se apenas estava projetando meus preconceitos numa determinada pessoa, ou num discurso qualquer. O que sempre me preocupou era como eu e meus atos poderiam ser mal-interpretados. Ou o preconceito que poderia ser projetado sobre mim. Por isso, sempre me esforcei para ser o mais possivelmente claro nas minhas intenções, naquilo que dizia, nos gestos e olhares, para que não houvesse traço de dúvida sobre o que eu sou. É um egocentrismo do caralho, eu sei, eu sei. Mas não me entendam mal.

Foi lendo Milan Kundera que pude perceber que a comunicação humana está fadada ao fracasso, em grande medida. Trata-se de uma característica inerente a nossa condição, acho. Sempre haverá ruídos, distorções, e as mensagens que jogamos pros outros nunca serão recebidas sem os ruídos e as distorções.

Recentemente, agi com uma ingenuidade imensa ao pensar que poderia explicar com sinceridade e honestidade, evitando os ruídos, as minhas desonestidades e insinceridades. Pensei que explicar algumas coisas, os conflitos, as contradições, seriam uma forma de amenizar o sofrimento, meu e da pessoa afetada pelas minhas sujeiras. Não estava nem um pouco confortável com a imagem que se fazia de mim, embora essa imagem fosse mais do que compreensível e esperada. E queria que essa pessoa entendesse o incompreensível, e se livrasse de uma carga que pode ser eterna, uma ferida que nunca fecha, dessas que acabam guiando o destino da pessoa dali por diante. Mas - e é aí que entram os ruídos - como esperar que se acredite na sinceridade de alguém que agiu com desonestidade? Como acreditar numa sinceridade que tenta explicar o seu oposto, a insinceridade? E como esperar que se acreditasse que alguém desesperadamente egocêntrico poderia agir não apenas preocupado com a sua própria imagem, mas com a vida de alguém importante demais pra ser tratado com a indiferença da falta de comunicação? "Qualquer pessoa que pensa conhece o paradoxo". A ingenuidade está em pensar que aquela pessoa importante, fundamental em muitas coisas, pensasse num momento de puro ódio e raiva.

Se já é difícil a comunicação com alguém que pensa, alguém muito longe de ser uma pessoa convencional, o que dizer do diálogo com um poço de convencionalidade? Uma idéia pairava na minha cabeça até ontem: explicar, me explicar, para algumas outras pessoas também muito importantes, fundamentais. Mas se o diálogo já era improvável numa situação em que nenhum ato meu era questionado, o que dizer de agora? Se minhas opiniões sobre filmes, livros e, pior, religiosidade, eram solenemente descartadas por preconceito, o que dizer dos meus atos recentes? A idéia vira-e-mexe zunia pela minha cabeça: escrevendo como escrevo sempre, com o sangue no papel, com a sinceridade e abertura que garantiriam pureza na comunicação.

Descobri tardiamente o valor inestimável da literatura com Kundera. Quanto tempo perdido! Foi com ele que pude perceber que um historiador e ensaísta que adoro tinha razão ao dizer que história e literatura estão irmanadas por um objetivo cognitivo (indo mais longe, pude perceber a mesma coisa na relação entre ciência e arte, algo incensado aos quatro cantos, mas que eu nunca tinha entendido antes - se bem que essa relação sempre foi puxada mais pro lado do subjetivismo e eu, claro, gosto de ver pelo lado oposto. Enfim, este não é um texto de epistemologia). Kundera me revelou determinados traços da realidade, o principal deles o do mal-entendido entre as pessoas, nossa malfadada tentativa de comunicação. Ele me enfiou uma pulga atrás da orelha que só foi sentida de verdade mesmo quando li uma outra coisa.

A Sangue Frio (In Cold Blood), de Truman Capote, narra a história de um assassinato horroroso no interior do Kansas. Quatro pessoas de uma mesma família foram brutalmente executadas e Capote, jornalista novaiorquino, reuniu um corpo gigantesco de evidências para contar a história na forma de um romance de não-ficção. (A história da gestação desse livro foi recentemente contada no ótimo Capote. Quem ainda não viu o filme já deve saber o que está perdendo.) O livro (e a história) são especialmente saborosos por causa do problema incrível que é a personagem de Perry, um dos dois assassinos. Perry é um mestiço, meio índio, meio "caucasiano", o que já dá muito pano pra manga. Ele é especialmente sensível, toca violão e canta um repertório vasto para platéias imaginárias, escreve um diário. Se não me falha a memória, Capote, o do filme, chega a dizer que ele e Perry são o mesmo, só que Perry entrou para a vida pela porta dos fundos. Quando Perry esteve preso pela primeira vez, escreveu uma carta para a irmã (talvez seu único elo com o mundo exterior), tentando se explicar. A resposta da irmã, então, acabou por ser analisada de maneira inacreditavelmente perspicaz por um amigo da prisão, o "superinteligente Willie-Jay". O que Willie-Jay escreveu para Perry chegou, por vias tortuosas e inesperadas, a mim, com muitos ruídos, claro, inclusive os que tenho aqui dentro:


A sua carta para ela, e esta, a resposta, falharam em seus objetivos. Sua
carta era uma tentativa de explicar sua maneira de encarar a vida, já que você é
necessariamente afetado por ela. Destinava-se a não ser compreendida, ou
interpretada literalmente demais, porque suas idéias se opõem ao
convencionalismo. Que poderia ser mais convencional que uma dona de casa com
três crianças, "dedicada à sua família"? Nada mais natural que ela se
ressentisse de uma pessoa não convencional. Há uma considerável hipocrisia nas
convenções. Qualquer pessoa que pensa conhece o paradoxo. Mas ao lidar com
pessoas convencionais é sempre vantajoso tratá-las como se não fossem
hipócritas. Não se trata de infidelidade aos próprios conceitos. Trata-se de uma
concessão para que se possa continuar a ser um indivíduo livre da ameaça
constante das pressões convencionais. A carta dela fracassou porque ela é
incapaz de conceber a profundidade do seu problema - não pode medir as pressões
sofridas por você devido ao meio ambiente, à frustração intelectual e uma
tendência crescente ao isolacionismo.


Como explicar o paradoxo para pessoas que são incapazes de compreender o que está fora do mundo das convenções, da normalidade? Não se explica nada. Acho que eu nunca mais vou dizer o que realmente penso para essas pessoas.

7 comentários:

Vanessa disse...

Muitas vezes o "problema" é meramente comunicação e compreensão...É muito complicado isso.

Na maioria dos casos a subjetividade impede que haja um consenso...

Realmente não adianta - e não vale a pena - tentar explicar comportamentos "insinceros"(mesmo entre aspas acredito no conceito. Há sim a insinceridade, e há sim a desonestidade...e como isso é dolorido!) para pessoas que encostam seus pensamentos na dita "normalidade"

Deixe os hipócritas no mundo das convenções, pois é somente isso que são: grandes hipócritas!

Sasqua disse...

"Como explicar o paradoxo para pessoas que são incapazes de compreender o que está fora do mundo das convenções, da normalidade? Não se explica nada. Acho que eu nunca mais vou dizer o que realmente penso para essas pessoas."

Sherpa, é verdade que nenhum diálogo está livre de distorções, incompreensões e paradoxos. Mas é preciso ser cauteloso: considerar aqueles que optam pela dita "normalidade" incapazes de compreender o discurso daqueles que fogem dela pode ser um tiro no pé. No fundo, pode mostrar a mesma incapacidade. E aí ninguém é capaz de entender ninguém.
Outro ponto é a própria definição de "normalidade". Eu, por exemplo, por mais que as palavras digam que não, minha vida aponta para uma busca incessante do "convencional": tenho um emprego estável, escolho comprar um móvel novo para minha casa ao invés de fazer uma viagem, sou submisso aos meus chefes para não perder o emprego, passo finais de semana em casa com minha família ou só com a Renata ao invés de sair pra qualquer balada, pretendo ter filhos algum dia...Se isso nâo é normalidade, não sei o que mais pode ser.
E, apesar disso, não me considero um hipocrita como a V. afirmou aí em cima.
Aliás, sobre isso cuidado: há uma linha muito tênue que separa a percepção da realidade e a análise mediocre quando se trata de acusar de hipocrisia aqueles que escolhem viver do lado oposto ao seu. Pode ser uma grande ingenuidade acreditar que existem opostos. tendo a crer que somos todos o mesmo lado da moeda.Todos vivemos num mundo de convenções, apneas escolhemos algumas diferentes. E aí é inevitável que hajam tanto semelhanças quanto diferenças, e não apenas diferenças.
Minha posição sempre foi clara, e por isso mesmo muitas vezes paradoxalmente confusa: entre convencionalismo e não-convencionalismo, opto por andar na fronteira. Não escolher um lado também é uma escolha.
No fim, talvez, na minha prespectiva que pode soar ingênua, hipocrita, ridícula ou genial ou sabe-se lá o que mais para muitos, a solução não seja "nunca mais dizer o que pensa", impedindo assim qualquer possibilidade de diálogo. Ele já impossível por sí só em muitas situações, como vc mesmo disse. Acho que o negócio, no fim, é aceitarmos os paradoxos, as distorções, as interferencias tão típicas do discurso e das atitudes humanas e continuar a dialogar, na incessante luta por compreensão. Muitas vezes é na incompreensão alheia que compreendemos a nós mesmos. Percebemos nossos erros, vacilos, e tentamos de alguma forma amenizá-los, ou conviver com eles...

Entre literatos e historiadores, cientistas e artistas, me apego muitos àqueles que falam sobre a força do devir...
O tempo é poderoso, e o devir histórico oculta caminhos muitas vezes inimagináveis.

dNap disse...

Sasqua, o que você escreveu foi muito, muito bom. Ficou talvez uma única questão nebulosa porque esse texto foi meio cifrado, sendo justamente endereçado a quem provavelmente nunca iria lê-lo (trata-se de gente que não tem nada a ver com o nosso círculo de amizade).

Uma coisa é viver em conformidade com aquilo que seria convencional (o que é o caso de praticamente todo mundo, inclusive eu). Outra coisa é ser incapaz de romper a barreira do convencionalismo na maneira de pensar, sentir, etc. Você vive na convencionalidade mas está longe de ser convencional e é sensível o suficiente pra entender os paradoxos, os conflitos. Meu pai, por exemplo, é outra pessoa assim. Não é porque escolhemos uma vida "normal" que nos tornamos "normais".

Talvez a coisa tenha ficado confusa por causa do que o Willie Jay escreveu ("Que poderia ser mais convencional que uma dona de casa com três crianças, ´dedicada à sua família´?"). Fica parecendo que ele associa uma coisa à outra, quando na verdade (acho) ele só viu na figura de dona de casa da irmã do Perry um reflexo de uma pessoa convencional, que pensa dentro dos limites da "normalidade" - mas não que seja o fato da mulher ser dona de casa que a torne convencional.

A merda toda é que fica parecendo arrogância se referir a alguns outros como convencionais em oposição a um eu não-convencional. Em certa medida, é mesmo. Mas é só troca de arrogância. O mais duro é sentir a arrogância da convenção. Você já sentiu isso?

Foi o que o Perry sentiu na carta da irmã.

Estou longe de ver a realidade como "nós e os outros", de uma maneira binária (bem e mal, azuis e vermelhos, etc). O lance de ver a coisa como opostos é só uma maneira de categorizar. Toda categorização é meio arbitrária e nunca dá conta da realidade. Mas é útil e, às vezes, necessária. É um ponto de vista, por assim dizer. "Vendo tal e tal pessoa deste ângulo, posso dizer que esta é convencional e esta não o é". Sempre haverá outros ângulos para ver a mesma pessoa. Mas o que importa, pra esse texto, é: deste ângulo, o que vejo é isso, e isso não compensa o esforço de diálogo.

Vanessa disse...

Sasqua,
Por favor, não fique imaginando que te acho um hipócrita. Ô loco, longíssimo disso...

Na verdade o cerne é esse abaixo: "Para pessoas que são incapazes de compreender o que está fora do mundo das convenções, da normalidade?" (Compreender, percebe?)

E concordo com você, quando disse:
"Aliás, sobre isso cuidado: há uma linha muito tênue que separa a percepção da realidade e a análise mediocre quando se trata de acusar de hipocrisia aqueles que escolhem viver do lado oposto ao seu. Pode ser uma grande ingenuidade acreditar que existem opostos tendo a crer que somos todos o mesmo lado da moeda"
E também:
"Muitas vezes é na incompreensão alheia que compreendemos a nós mesmos. Percebemos nossos erros, vacilos, e tentamos de alguma forma amenizá-los, ou conviver com eles...!
Faço das minhas palavras a sua!

O grande problema não consiste em ser ou não hipócrita (não que não seja) mas em não compreender determinados comportamentos (mesmo que eu aceite a individualidade e a forma de pensar de cada um, vejo como problema sim, pois acaba ferindo. "O mais duro é sentir a arrogância da convenção. Você já sentiu isso?")
Hipócritas tem pra todo lado. E existem aqueles que são mais maleáveis ao diálogo, por outro lado existem os fechados a qualquer tipo de opinião adversa.
Também não acredito que exista "esse lado aposto ao meu", até porque todos vivemos na convencionalidade...

Anônimo disse...

Danilo,

Hoje pela manhã haja escrito algumas considerações sobre os mal-entendidos, as falhas de comunicações e convenionalismos. Como sou um fóssil em informática, verdadeiro dinossauro em matéria de

microcomputador, depois de digitar tudo, ao enviá-lo no blog acabei perdendo tudo. Não me lembro mais do que exatamente escrevi naquele momento. De qualquer forma, a perda é irrelevante. Vão aqui

alguns outros comentários, escritos agora à noite.

Mal-entendidos são mesmos coisa odiosa, porque revelam dois incapacidades humanas: a de não conseguir se fazer entender e a de não conseguir entender o outro. E precisar do outro é complicado,

porque o outro necessita naquele preciso instante. Não antes nem depois. O antes é precipitado. O depois é tarde demais. O discurso, às vezes, não é entendido e, o que é pior, não é compreendido,

porque, costumeiramente, projetamos no outro a nossa ânsia de ser entendidos, compreendidos, esquecendo que, primeiro, devemos entender o outro, compreender o outro, para, depois, tentarmos ser

entendidos e compreendidos. Nessa ansiedade em que o outro é espelho de nossas expectativas, não entendemos como, não compreendemos como o outro pode ser tão convencional, tão

absurdamente normal, porque simplesmente queremos que ele entenda, que ele compreenda o absurdo (para ele) de nossa anormalidade, de nosso não-convencionalismo. Projetamos no outro a

vontade de ver o nosso próprio reflexo. Porém, o outro é outro, não é o "eu" projetado e refletido. Ainda que convencional e apegado a uma incompreensível (para o eu) normalidade, o outro também

projeta uma imagem, preocupado também e como ele é e seus atos podem ser mal-interpretados, ou que o preconceito possa ser projetado sobre ele. O outro também talvez não se preocupe demais se

projeta seus preconceitos numa determinada pessoa, ou num discurso qualquer. Ou talvez se preocupe com isso. O que importa é que nesse jogo de espelhos, as imagens refletidas muitas vezes se

apresentam distorcidas, verdadeiros espectros daquilo que somos. Penso que, amiúde, projetamos no outro, aquela imagem com a qual queremos ser vistos e nos assustamos com a imagem que

refletimos. Se o outro é convencional e normal, nada mais natural que reflita não o que quisemos projetar para ser visto como o real, mas a imagem distorcida, deturpada, contaminada, pelo

convencionalismo e a normalidade do modo de vida do espelho com o qual nos defrontamos. O convencionalismo e a normalidade não é, de fato, uma hipocrisia. É apenas uma maneira de ser, uma

forma de estar e, às vezes, um método de sobrevivência.

É preciso entender que a comunicação também é composta de ruídos e distorções.

Comunicar-se é tão difícil e complicada como entender o ininteligível, ou compreender o incompreensível.

Falou-se em desonestidade e insinceridades, sujeiras.

O desonesto pode ser sincero? Ouso dizer que sim! O desonesto não é necessariamente insincero, assim como o honesto não é necessariamente sincero.

Há sinceridade possível em quem agiu com desonestidade? Atrevo-me a responder que sim! É possível ter agido com desonestidade e ter a sinceridade de admiti-lo. É possível ter sido insincero, ou

mentiroso, e ainda assim ter agido com absoluta honestidade. Depende do ponto de vista, porque a visão é sempre a perspectiva de um ponto. Afinal, já disseram, "a verdade tem sempre três vertentes:

a minha, a sua e a verdadeira".

Queixa-se da indiferença da falta de comunicação. Digo que a falta é a indiferença. Afinal, a indiferença é apenas a invisibilidade. Se não vale a pena ser visto por determinada categoria de pessoas, ou

se a visão de determinado grupo de pessoas já está distorcida e contaminada pelo preconceito e a discriminal, então, porque nos importarmos como de que modo, ou de que maneira nos vêem, porque

não nos vêem como realmente somos, essa invizibilidade não nos deve atingir, visto que pouca diferença faz se somos ou não visíveis para quem para nós se também se tornou invizível.

O que é ser convencional? O que é ser normal?

É ter um emprego estável?, um salário digno?, bens materiais?, projetos realizáveis?, perspectivas palpáveis?, metas atingíveis?, viver em família?, ter filhos?, um grupo social agregado?, ser respeitado

pessoal e profissionalmente?

E o que é ser não-convencional? O que é ser anormal?

É ser o contrário de toda o convencionalismo e toda a normalidade?

Primeiro, creio, é preciso entender que nascemos, crescemos, vivemos e morremos em um mundo absoluta e absurdamente convencional e normal. Vivemos sob "estatutos sociais", vivemos sob

"regulamentos internos" de família, de trabalho, de profissões, de relacionamentos pessoais, de relações afetivas e amorosas. Para qualquer lado que se olhe, estamos repletos de convenções e

estatudos de comportamento e conduta como garantia da normalidade. E nas brechas que esses espachos permitem, nos flancos que nos deixam escapar, colocamos as nossas pequenas

anormalidades, as nossas pequenas loucuras, as nossas insinceridades, as nossas desonestidade, as nossas sujeiras. Nesses guetos, podemos ser anti-convencionais, nos permitimos - e nos

permitem - ser anormais. Alguns conseguem varrem a sujeiras para debaixo do tapete (atitude absolutamente convencional e normal); outros deixam-nas escancaradas e quando flagradas são objeto da

rubor geral, da repugnância genérica, do asco da platéia normal e convencional. Então, se não encobrimos nossas insinceridades e desonestidades ocasionais e passageiras para debaixo do tapete

dos escrúpulos dos outros, isto sim suprema hipocrisia, nos tornamos segregados e nossas "opiniões são solenemente descartadas por preconceito".

Ainda bem, digo eu! Porque se fossem consideradas aí é que morava o problema, pois, nada mais convencional que um preconceituoso descartar solenemente a opinião alheia por simples

discriminação do que é não-convencional. Nada mais normal do que o normal do ser humano de contrapor um argumento não-convencional, ou anormal, com a desqualificação da pessoa do interlocutor.

O dia em que um preconceituoso convencional encartar, incluir na sua reflexão uma opinião ou uma idéia não-convencional, é bom mandar internar porque estará com sério desvio de personalidade, ou

transtorno bipolar.

Não há tempo perdido pela não leitura de uma obra. A leitura é sempre atemporal e se modifica de acordo com o momento em que estamos lendo.

Há, de fato, uma considerável hipocrisia nas convenções. Mas, convenhamos, também existe uma boa dose de auto-hipocrisia quando aceitamos certas convenções que consideramos pecados

menores. É difícil ser coerente o tempo todo com nossos princípios e valores, porque, costumeiramente, ser coerente é uma forma de ser convencional. Por isso é que a incoerência de certas atitudes

choca, fere e são incompreensíveis e mal-entendidas.

Às vezes, por puro instinto de sobrevivência, aceitamos certas concessões, transigimos onde e quando deveríamos transgredir, para que possamos continuar com um mínimo de sociabilidade e para

aguentar a pressão para não nos tornarmos isolados e excluídos. E isso também é absolutamente normal e convencional.

Sinceramente, prefiro ser eremita. E esse é o meu próximo projeto: transformar-se no Urtigão.

Dizer o que pense é ato de ousadia e coragem. Muitas vezes, o silência é mesmo a melhor resposta. Porém, sempre haverá quem se interesse em saber o que nós pensamos. Portanto, se não

expressarmos o que pensamos, excluímos e isolamos aqueles que, ainda que discordantes e diametralmente opostos às nossas idéias, nos respeitos e fazem da nossa mensagem fonte de discussão e

de reflexão.

Encerro com uma frase atribuída ao Darcy Ribeiro: "Mais vale errar se arrebentando, do que poupar-se para nada".

Abração. Do pai.


Sérgio

Sasqua disse...

Essas considerações sempre dão pano pra manga, hehehe!

Vamos lá! Vc tem razão quanto a sentir a arrogância do convensionalismo. É realmente foda. E, de fato, as vezes o diálogo encontra uma barreira intransponível e torna-se um gasto desnecessário de energia.

Vanessa: é claro que antes de toda a dinâmica de interferencias, ruidos e distorções que fadam nosso discurso ao fracasso, existe também a incompreensão causada pelo discurso mal elaborado, hehehe!
Fica tranquila que eu não vesti a carapuça quando vc falou sobre hipocrisia! Eu percebi o detalhe do "compreender". Apenas quis me colocar como exemplo de alguém cujas escolhas não impedem de ver as coisas por vários angulos. Só não expliquei isso, hehe!

Anônimo disse...

Your blog keeps getting better and better! Your older articles are not as good as newer ones you have a lot more creativity and originality now keep it up!

De onde você vem?