10 de agosto de 2009

O futuro é o que sempre foi (?)


A nova edição da ComCiência está, finalmente, online. Na seção de resenhas, uma minha e uma do Rubens Zaidan, o glorioso Rubão, jornalista tarimbado, meu colega de classe e de grupo de trabalho no Labjor. Ele deixa um gravador ligado durante as aulas, e eu aposto que já deve estar de saco cheio de ouvir a minha voz. Falo muito em sala de aula. Às vezes indignado, discutindo, brigando. Pros outros colegas, deve ser um porre. Mas eu gosto de alunos que falem. Sou um aluno que fala.

A minha resenha fala sobre um livro espetacular, Futuros Imaginários: das máquinas pensantes à aldeia global, do cientista político inglês Richard Barbrook. Neste site, você pode baixar o livro gratuitamente, na íntegra. É copyleft aqui no Brasil. Vai aqui um naco da minha resenha:

Junto à corrida armamentista e espacial, uma outra disputa entre EUA e URSS era travada sem estardalhaço: a "corrida para inventar a Rede". A Central Intelligence Agency (CIA) havia chegado à conclusão alarmante de que os russos estavam prestes a superar os Estados Unidos no desenvolvimento de máquinas e programas, construindo uma rede de computadores que operasse a defesa aérea de Moscou em 1956. Barbrook mostra que a disputa não era apenas pela construção da grande rede, mas, principalmente, pelos fundamentos que a guiariam e as possibilidades de reorganização social que ela abriria. Sob o reformismo de Kruschev, cientistas da computação russos passaram a ver na ideia de rede uma redenção libertária que verdadeiramente fizesse jus aos ideais comunistas da revolução de 1917, sufocados por Stalin. Mas essa espécie de mcluhanismo marxista logo foi esmagada pela volta do autoritarismo ao poder. Com o fim do reformismo e a desventura do projeto libertário da rede russa, a União Soviética acabou entregando o jogo do futuro imaginário de bandeja para o outro lado.

Nos EUA, o governo exigiu que se inventasse a internet antes que os russos o fizessem. O objetivo era garantir o controle e hegemonia do país sobre a profetizada sociedade da informação. Nas entrelinhas do discurso da Uniesfera, o que não podia ser claramente dito: a aldeia global seguiria o modelo apontado pelos Estados Unidos. O projeto era financiado pelo Departamento de Defesa e tinha também uma clara função militar: manter o controle e as estruturas de poder com uma rede que sobrevivesse a um ataque devastador. No entanto, a arquitetura da internet foi toda projetada nos moldes de um comunitarismo acadêmico-científico, cuja produtividade precisa do compartilhamento, e não da propriedade comercial do conhecimento. Essa estrutura aberta, descentralizada, era financiada pela estrutura hierárquica e autoritária dos militares.

Esse aparente paradoxo é desvendado de maneira brilhante por Barbrook e constitui o grande mérito de Futuros imaginários. Para ele, como para os líderes mais sensatos das duas superpotências, a Guerra Fria nunca seria decidida pela força bruta. A “força suave” da disputa no campo cultural, simbólico, poderia ser uma arma mais devastadora do que uma bomba atômica. O embrião da internet da década de 1960 era um produto do que Barbrook chama de “esquerda da Guerra Fria”, formada por intelectuais americanos originalmente de esquerda, muitos ex-trotskistas. Com a histeria anticomunista e a radicalização do debate, o marxismo passou a ser sinônimo de stalinismo, ser de esquerda era ser antipatriótico. A “esquerda da Guerra Fria” passou a defender uma alternativa tanto ao liberalismo econômico quanto ao stalinismo, pregando um capitalismo do bem-estar social. Com o Partido Democrata no poder, essa “esquerda” começou a atuar com muita eficiência como “força suave” contra o comunismo, denunciando as falhas do sistema soviético e acolhendo o mcluhanismo de braços abertos.

Feridos pelas críticas da contracultura nos anos 1970, esses intelectuais penderam para o neoliberalismo. Se para a contracultura a internet era um embrião do “comunismo cibernético”, para os novos liberais ela seria a epítome da sociedade da informação e do livre mercado. Porém, enquanto a prometida sociedade da informação vai sendo gestada, o poder fica nas mãos de uma nova elite: a classe do conhecimento e da inovação tecnológica, cuja morada é o Vale do Silício. Como há quarenta anos, o futuro computadorizado está logo ali, mas nunca vai chegar.

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3 comentários:

Contraponto disse...

1-E quem ganha com duas resenhas é o internauta. Se alguém tiver interesse e paciência de ler os dois livros, perceberá que eles se encaixam perfeitamente. O que Castells dedica um bom espaço, Barbrook aprofunda(caso do paradoxo).Eu mesmo vou começar a ler...

2- Outra coisa Danilo: não se preocupe com o gravador. Ele só fica ligado em algumas aulas mais teóricas. Uma tática contra o sono de quem precisa levantar de madrugada para chegar à escola 220 km depois.Pode falar à vontade, desde que não seja nenhum solipsismo de sua parte...
abração e parabés pelo site.
Rubens Zaidan

dNap disse...

PQP, Rubens, nunca me liguei pra essa distância absurda entre sua casa e o Labjor. Sem querer ser solipsista (mas já sendo), trata-se de uma caminhada irreal. Sabe o que é o pior? É que mesmo assim você consegue chegar na hora certa e eu, não.

Vanessa disse...

Minha única crítica é aquela que você bem conhece(Isso porque ainda não li o livro- mas confiei em você): o fato dele ficar preso ao dito viés da política e economia.
Ele podia ter extrapolado um tiquinho, penso eu.
Mas, ainda assim, fantástico e riquíssimo...Sem dizer que tive a oportunidade de descobrir McLuhan.

Beijos
=***

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