Indicado pelo Gomes, vai aqui um trecho do texto do Caderno do Saramago sobre a senhora cagada que o gênio luso (sem qualquer tipo de piadinha, ora pois) cometeu em sua juventude como mecânico. Depois daquilo, largou mão de dirigir, foi ser escritor. Fez um bem danado pra humanidade. Como poderia um bom mecânico que não tivesse talento para a escrita descrever, de maneira tão natural e engraçada, a peripécia de se encher um radiador mal montado?
Desenrosquei pois o tampão e comecei a deitar para a boca do radiador a água com que tinha enchido o velho regador que para esse e outros efeitos havia na oficina. Um radiador é um depósito, tem uma capacidade limitada e não aceita nem um mililitro mais do que a quantidade de água que lá caiba. Água que continue a deitar-se-lhe é água que transborda. Algo de estranho, porém, se estava a passar com aquele radiador, a água entrava, entrava, e por mais água que lhe metesse não a via subir dançando até à boca, que seria o sinal de estar acabado o enchimento. A água que já vertera por aquela insaciável garganta abaixo teria bastado para satisfazer dois ou três radiadores de camião, e era como se nada. Às vezes penso que, sessenta e muitos anos passados, ainda hoje estaria a tentar encher aquele tonel das Danaides se em certa altura não me tivesse apercebido de um rumor de água a cair, como se dentro da oficina houvesse uma pequena cascata. Fui ver.
Um comentário:
Ufa!
Bendita cagada.
A oficina teria muitíssimo a perder com Saramago...E nós também!
;***
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