17 de outubro de 2007

Jornalisteenha

Eis um exemplo de leviandade jornalística.

Quem lê a Folha de São Paulo sabe que toda segunda-feira circula um caderno voltado para o público adolescente, o Folhateen. Quando eu era teen, eu lia o Folhateen. Hoje, é óbvio, não o leio mais. Não tenho mais saco pra ficar com raiva do Álvaro Pereira Júnior ou pra rir da seção de cartas dos leitores. Entretanto, em busca de textos que repercutiram a forma e o conteúdo do novo álbum do Radiohead, me deparei com a infeliz, apressada e desinformada crítica de Leandro Fortino. O texto, de título irônico e subtítulo agressivo (Radio free - As dez faixas de "In Rainbows" podem sair de graça; na opinião do Folhateen, elas não valem mais do que isso) foi publicado no Folhateen desta última segunda-feira, dia 15, e só pode ser acessado por assinantes da própria Folha ou do UOL. Mesmo assim, reproduzo-o aqui, na íntegra, até que a Folha da Manhã S. A. ameace processar-me. Assim, aqueles dentre vocês, meus 17 milhões de leitores, que quiserem apreciar esta obra-prima da crítica musical em todo o seu esplendor, poderão ficar mais à vontade. Diferentemente de In Rainbows, para ter acesso a esta crítica seria imperativo que o leitor pagasse. Talvez isso não seja mera coincidência.


No mundo capitalista de uma banda rica como a inglesa Radiohead, nem
relógio trabalha de graça. Portanto é bem suspeita a estratégia de venda de
músicas pela internet armada pelo grupo na quinta passada, quando eles começaram
a oferecer, pelo preço que o freguês mandar, downloads de dez faixas que estarão
em seu ambicioso novo trabalho, "In Rainbows".

Além dessas músicas, o pacotão completo, que sai em dezembro, também trará dois discos de vinil (alguém ainda tem onde tocá-los?), um livro e mais um CD, com nada menos que oito faixas, essas, sim, com algum material inédito mesmo.

Isso porque todas as músicas disponibilizadas na semana passada já haviam sido tocadas diversas vezes em shows desde o final dos anos 90. E há tempos já rodavam no YouTube. É estranho que essas canções nunca tenham entrado nos CDs da banda. E, não há como negar, espera-se que artistas só selecionem músicas boas para integrar um disco, abandonando o que ficou mais ou menos.

Então, que tal oferecer o material mais ou menos -e de difícil aceitação (as músicas são densas, experimentais e minimalistas)- para que os fãs, comovidos com a atitude "honesta", paguem felizes por ele? Alguns devem até ter encomendado pelo site o pacotão, que sai em dezembro. Custa, sem choro, 40 libras (R$ 148). Lembre-se de que com essa quantia, compra-se muito menos coisas na Inglaterra do que aqui (40 libras equivalem a cerca de 40% do salário mínimo no Brasil), o que mostra que o Radiohead parece não estar nem aí para países mais pobres.

A banda já sofreu com a pirataria. O disco anterior, "Hail to the Thief", de 2003, caiu na rede e no ouvido do mundo todo muito antes de estar totalmente finalizado. Ou seja, os fãs deles não gostam de pagar por músicas e nem ligam se os downloads são ilegais. E é certo que o CD bônus estará ilegalmente na internet logo, logo.

Assim, será que a banda acredita que ninguém vai baixar o pacote sem pagar nada? Afinal, as dez faixas podem sair de graça, conforme o Folhateen comprovou. Talvez seja isso o que o download de "In Rainbows" valha.


Eu poderia perder meu começo de manhã destruindo cada um dos irônicos argumentos depreciativos ao Radiohead (e, pior, à iniciativa tomada pela banda) dessa crítica rasa, débil e incoerente. Não vou fazê-lo, assim como não vou ficar respondendo aos ridículos argumentos periféricos do texto. Mas uma resposta pontual é necessária.

Se o crítico não gostou do álbum e achou que o trabalho da banda vale literalmente nada, tem todo o direito de expressar-se nesse sentido, e com a contundência que desejar. Isso não é problema. O que um crítico jamais poderia fazer é basear seus argumentos em fatos falsos e/ou distorcidos. É preciso zelar minimamente pelo embasamento daquilo que se escreve, seja ao escrever um blog ou uma crítica para a Folha - com a diferença de que os leitores pagam pela Folha e Fortino recebe um salário para escrever. E estamos falando do maior jornal do país. É preciso cuidado extremo para não cair na leviandade, portanto.

A crítica de Fortino é, justamente, leviana. Seu argumento-chave é baseado em premissas falsas. Vejamos.

Fortino insinua que a iniciativa do Radiohead é um engodo. E por quê? Porque "todas as músicas disponibilizadas na semana passada já haviam sido tocadas diversas vezes em shows desde o final dos anos 90" e "há tempos já rodavam no YouTube". Defende que as dez músicas de In Rainbows seriam algo conhecido como lado B, sobras ou nem isso. Como sobras, as músicas de In Rainbows não seriam as "boas", mas as "mais ou menos". Então a banda teria lançado um download gratuito de "material mais ou menos" no intuito de comover os fãs e lucrar com a venda do discbox, que inclui um CD bônus com oito faixas, "essas, sim, com algum material inédito mesmo".

Essa argumentação revela falta de cuidado, preguiça, pressa, generalização pobre e arrogância.

Muito ao contrário do que Fortino quer fazer crer, das dez músicas de In Rainbows, apenas uma (isso mesmo, uma) foi tocada em shows no final da década de 90. Trata-se de Nude, que fazia parte constante da turnê do Ok Computer, segundo a revista Rolling Stone. Nenhuma outra faixa data desse período ou de fase anterior. Além de Nude, a única que não foi composta em sessões posteriores a Hail to the Thief (de 2003) é Reckoner, que vem das gravações de Kid A e Amnesiac (2000/01), e mesmo assim é difícil encontrar qualquer semelhança entre a Reckoner antiga e a versão de In Rainbows. Enfim, as outras oito músicas são material inédito, nada requentado.

Fortino erra a mão até mesmo quando diz que as oito músicas bônus são, "essas, sim", inéditas. Nem todas o são. É o caso de Last Flowers, que data da mesma época de Nude, e Up on the Ladder, que, como Reckoner, vem das sessões do Kid A. O resto, também, é material inédito. O aproveitamento de material antigo é algo recorrente no meio musical. É algo que o próprio Radiohead já fez. E mesmo assim foram apenas quatro músicas assim aproveitadas, duas delas no disco bônus. Todo o resto remete a composições de 2005 pra cá.

Mas alguém poderá dizer que a quase totalidade das músicas, tanto do prato principal quanto da sobremesa, poderia ser encontrada há mais de um ano no YouTube. Sim, é verdade. Trata-se de shows, apresentações gravadas pelo público e, pelo público, tornadas públicas. Como a maioria das bandas que conheço, o Radiohead aproveita os shows para testar a recepção da platéia ao material novo. Desde maio de 2006, a maioria das músicas de In Rainbows foi tocada ao vivo. As músicas já eram relativamente conhecidas, o que não anula seu ineditismo. Por acaso o disco Busted Stuff, da Dave Matthews Band, era material requentado quando foi lançado em 2002 apenas porque suas músicas já vinham sendo tocadas em shows desde 2000? Por acaso alguém vai dizer que Tropa de Elite é um filme requentado porque vazou digitalmente meses antes de estrear no cinema?

Embora a questão esteja evidentemente morta, a referência ao YouTube me traz a um ponto interessante: de onde, então, Fortino tirou a informação que baseou toda a sua argumentação? Minha hipótese é a seguinte: há umas duas semanas atrás, a Rolling Stone publicou um preview de In Rainbows, cujo link foi indicado há alguns posts por este blogueiro que vos fala. E lá, acha-se a informação de que Nude e Reckoner (e mais as outras duas do cd bônus) são faixas "antigas". Quase todas as músicas (menos as que não haviam sido tocadas ao vivo, ainda) estavam ali representadas por videos, hospedados pelo YouTube, de apresentações gravadas por fãs. Fortino estava claramente imbuído de preconceito e má-vontade com relação ao que cerca o Radiohead, o que torna-se flagrante na ridícula, tenebrosa e generalizante passagem "os fãs deles não gostam de pagar por músicas e nem ligam se os downloads são ilegais". Provavelmente, fez uso do review da Rolling Stone para tirar alguma informação sobre o lançamento. À primeira fumaça de que tudo poderia ser um grande engodo (o fato de algumas poucas músicas serem "requentadas"), achou que houvesse um grande incêndio ("o álbum todo é feito de sobras"). Pesquisou mal, muito mal.

Seja como for que chegou às suas (falsas) conclusões, o certo é que Leandro Fortino merece, no mínimo, que um e-mail de alerta para suas práticas de jornalismo barato seja enviado à direção do Folhateen e da Folha. É o que vou fazer entre hoje e amanhã.

Como o próprio Radiohead sabe, o In Rainbows pode mesmo não valer nada, nem um centavo. Já o jornalismo demonstrado por Leandro Fortino nesse infeliz texto de segunda-feira tem o seu valor: barato, baratinho, uma pechincha.

3 comentários:

Anônimo disse...

Hahahahahahahahahahaha....juro, não sei nem o que dizer.

Que tosco. Quanta precipitação a de Fortino.

Bem, todo mundo sabe que o lançamento de In Rainbows realmente causou frenesi no âmbito das indústrias fonográficas. Foi o assunto da semana.

No mínimo, Fortino quis causar polêmica. Fazer diferente e ganhar espaço.
Talvez seja o que todos desejamos.

Mas isso me deixa possessa. Radiohead não precisa engodar nenhum de seus fãs. Ou você é ou não é!

Será que Fortino foi contratado por alguma indústria fonográfica ao afirmar que "os fãs deles não gostam de pagar por músicas e nem ligam se os downloads são ilegais"
Que absurdo!

Quanto aos discos de vinil, achei uma idéia extremamente fantástica e interessante. Se eu tivesse grana compraria, mesmo não tendo onde tocá-los.
Já que vivemos num momento em que a tecnologia nos permite acesso a quase tudo(ou tudo) em âmbito musical, porque não oferecer os vinis enquanto produto de seu trabalho? Coisa para fã colecionador. Não precisa ser tocado, os cds acompanham, assim como o livro.

Certamente a banda notou que inevitavelmente as músicas vazariam, assim como vêm ocorrendo com qualquer material musical de qualquer banda. Eles são bem realistas e trabalham dentro dessa condição.

Não acredito numa posição anti-capitalista de Radiohead, ao oferecer downloads gratuitos -caso deseje- mas no mínimo esperta! Se as músicas vazam, os vinis e o livro representam o ícone de In Rainbows. E qual o problema nisso?

Já enjoei desse assunto.

Ah, Fortino, vai entrevistar Avril Lavigne, vai...

Anônimo disse...

Oi, Danilo, tudo bem?

Sou fão do Radiohead, e achei a matéria do Folhateen uma grande estupidez. Mas não deixo de concordar com a crítica do Fortino depois de ver que apenas 2 de cada 5 downloads foram pagos.

Talvez não nós (paguei 10 libras), mas a maioria dos fãs realmente não pagou nada pelo disco, ou seja, consideraram, de ceryo modo, que o álbum não valia nada.

As vendas de Hail to the Thief também foram menores por causa dos downloads ilegais quando o disco vazou (você baixou ou ouviu ilegalmente antes de sair, Danilo?).

Por isso, acho, o Fortino disse que não vale nada porque o Radiohead não tinha dúvidas de que a maioria não iria pagar mesmo. E, pior, a banda e o Fortino estavam certos, grande parte dos fãs não pagaram!

E, infelizmente, acho que terei de baixar sem pagar (e ilegalmente) o disco bônus, porque 40 libras é dinheiro demais para mim (já gastei o que não tinha no download). Os vinis e o resto vão ficar no desejo, porque nada é de graça no mundo capitalista...

Ainda assim adorei o disco! Dez estrelas!

Um abraço,

Rodrigo Yorke

Sayd Mansur disse...

Parabéns! Feliz desconstrução critica!
:P

De onde você vem?