9 de agosto de 2008

Do olímpico desprezo pelo interesse público

Quando a Taça Libertadores deste ano começou a chegar em sua fase decisiva, Fluminense e São Paulo se enfrentaram pelas quartas-de-final. Os jogos ocorreram nos dias 14 e 21 de maio. Para o dia 21, outro jogo de destaque (um pouco menor, diga-se) estava marcado: era uma das semi-finais da Copa do Brasil, que seria disputada entre Botafogo e Corinthians. A Globo tinha a exclusividade de exibição da Libertadores mas havia vendido os direitos de transmissão (mas não a exclusividade) da Copa do Brasil para a Bandeirantes. Como a coincidência de datas entre a segunda perna da Libertadores e a primeira da Copa do Brasil poderia significar perda de audiência para a Globo (já que os corintianos provavelmente migrariam para a Band), a emissora oficial da nação conseguiu que a CBF mudasse a data da semi-final, antecipando-a em um dia. A Band, com isso, não pôde exibir o evento que comprou, e do alto de sua magnânima bondade a Globo disponibilizou o sinal do segundo jogo entre Flu e São Paulo pela Libertadores para compensar a perda da concorrente. Obviamente prejudicados, os corintianos festejariam uma semana depois a decisão da Globo em transmitir para o estado de São Paulo o segundo jogo entre Bota e Corinthians em detrimento da exibição da primeira semi-final entre Boca e Flu, um jogo claramente de maior interesse geral.

O abuso em nome de interesses mercadológicos e o desprezo pelo interesse público continuariam.

O Corinthians se classificou para a final da Copa do Brasil contra o Sport Recife. O primeiro jogo da final coincidiu com o épico segundo jogo entre Flu e Boca no Maracanã e, pra variar, a Globo preferiu privilegiar uma única torcida do estado paulista em detrimento do interesse geral em torno de uma semi-final de peso do segundo mais importante torneio continental do mundo.

Até aí, tudo bem. Quer dizer, tudo bem nada, mas é compreensível em face da audiência gerada pelo Corinthians num jogo importante, não tão importante quanto uma semi de Libertadores com um time brasileiro e o Boca na parada, mas ainda assim, importante.

O que aconteceu em seguida ultrapassou os limites do compreensível.

O primeiro jogo da final da Libertadores entre Flu e LDU estava marcado para o dia 25 de junho. Finalmente, nós paulistas não-corintianos teríamos a oportunidade de ver um jogo que realmente interessasse. Ledo engano. O Corinthians tinha um compromisso contra o Bragantino pela segundona do Brasileiro marcado, desde o Paleolítico, para o dia 24. Inacreditavelmente, a Globo usou novamente sua força na CBF para mudar a data deste jogo, remarcando-o para o mesmo dia 25, no mesmo horário, da final do Flu. E nós, de São Paulo, tivemos que engolir a seco o mais do que xoxo 1 a 1 entre os dois times da série B, enquanto a LDU enfiava 4 a 2 numa ótima final contra o Fluminense.

Ora, a Globo só transmite seu sinal por obra de uma concessão pública. Se a emissora compra os direitos de transmissão de um evento como a Taça Libertadores com exclusividade, compra também a responsabilidade pública de exibir para todo o país os jogos mais importantes do torneio que pelo menos contem com a participação de algum time brasileiro. Em vez disso, sob a justificativa de atender à demanda comercial de uma única torcida de São Paulo (a maior delas, mas que está longe de constituir a maioria do público), exibiu um jogo da segunda divisão.

É óbvio que a Globo não vê qualquer responsabilidade pública naquilo que transmite. Está defecando e caminhando e assobiando para o interesse público como se nada fosse. Se a Globo é capaz de troçar da sociedade com tamanha indiferença quando a questão é futebol, imaginem o estrago que ela pode causar quando o assunto é mais "sério". Não precisa ir muito longe: em 2006, às vésperas das eleições presidenciais, o Jornal Nacional ignorou propositalmente o acidente do avião da Gol para dar livre curso e amplo destaque às denúncias de uma suposta compra de dossiê, por parte de petistas, contra políticos tucanos (dêem um pulo aqui e aqui). Então, qual é a responsabilidade pública de um departamento de jornalismo de um órgão que opera por concessão pública? Noticiar uma tragédia grave ou ignorá-la pelo bem do ritmo e dramaticidade de um script muito bem ensaiado contra inimigos políticos?

Bem, eu achei que esse tipo de desrespeito ao interesse público só acontecia por obra de redes de TV que exercem um domínio nacional amplo e sem concorrência. Nos Estados Unidos, a terra em que a audiência é disputada como uma zebra morta por leões famintos, não existe esse tipo de descaso, existe?

Pois leiam o que me escreveu um amigo que está neste momento em Richmond, Virginia, USA. Justo ele, David, o corintiano que tirava um pêlo da minha indignação anti-corintiana e anti-global, me mandou o seguinte e-mail indignado na hora do almoço:

Hoje acordei mais cedo em plena sexta-feira simplesmente pelo fato de
querer acompanhar a abertura dos jogos olímpicos ao vivo pela televisão. Cheio
de ramela ainda nos zóio, liguei a tv e comecei a buscar por 1 dentre os mais de
400 canais de TV que a operadora Comcast provê. Os primeiros canais são de
esporte e então seria batata encontrar e não iria acabar com as pontas dos meus
dedos no botão do controle. Doce ilusão... Troquei os canais até que cheguei nos
canais de filmes e continuava a pensar: "Não, acho que não são tão egocêntricos
assim... são mais de 4 BILHÕES de telespectadores no mundo todo". Foi quando
cheguei nos canas em HD, onde os canais passam a ser repetidos, porém em alta
definição. Pensei comigo mesmo, "Vai que... ?", então tentei todos eles
também... A ilusão ficou mais doce ainda. Fui no banheiro dar aquele tapa
na cerâmica, tomei um banho, vim pro trabalho e ainda estando inquieto com o
fato dos EUA não transmitirem ao vivo a cerimônia, resolvi procurar na net. Se
existe uma dúvida, Google it! Foi o que fiz e constatei uma triste realidade do
sonho americano: a maldita NBC detêm os direitos de transmissão e pelo fato
de 8 PM em Beijing ser 8 AM Eastern Daylight Time (EDT), horário 'não' nobre, a
emissora decidiu transmitir a abertura apenas às 8 PM EDT e minha "indignância
se elevou-se" pela arrogância e descaso com "apenas" a cerimônia de abertura
das olimpíadas.

Detalhe, agora estou 'acompanhando' a abertura pela Rádio Jovem Pan On Line
do Brasil.



E David completa com trechos de um fórum de discussão ianque:


Open Questions
"Will the opening ceremony be broadcast live on any US television stations?
How about the Internet?I only see reference to a tape delayed ceremony airing on
NBC prime-time friday night. I'm wanting to watch it live, if possible."
(Ken)

Answers
"Where have you been? China is a day ahead of us so no they will not be
live. The opening ceremonies will be taped live and shown tomorrow on NBC at
7:30 P.M." (sis74100)

"As an expat living in Canada, the Olympics are being broadcasted live by
the CBC. Just another reason to live up north, live olympic coverage."
(lfwh3)


Como diria o meu amigo, ou melhor, James Hetfield: sad but true.

O capitalismo das corporações selvagens é uma merda.

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