6 de julho de 2007

Epifania

Veja a seguinte imagem:



Isto é o chamado NGC 290, um aglomerado estelar situado na Pequena Nuvem de Magalhães - espécie de galáxia anã que orbita a Via Láctea. Ela está há 200.000 anos-luz de distância de nós. Isso quer dizer que essa luz toda captada pelo Hubble foi produzida há 200.000 anos. As centenas de estrelas do NGC 290 estão espalhadas num espaço de até 65 anos-luz.

Há duzentos mil anos o homo sapiens, como o conhecemos, ainda não havia surgido - é o que indicam os registros fósseis. Para atravessar o aglomerado na velocidade da luz seria necessário o tempo de uma vida humana média. Para que a luz do aglomerado chegue a nós, é necessária toda a história da espécie humana (e mais um pouco).

Ponto.

O utilíssimo e-dicionário de termos literários aborda o tema da epifania pela ótica literária. E lá, por exemplo, nos deparamos com as epifanias de Virginia Woolf, "iluminações, fósforos que se acendem inesperadamente no escuro", e a de James Joyce, "uma súbita manifestação espiritual, presente quer na banalidade da fala ou do gesto quer num estado memorável da própria mente." Joyce as vê como "os mais delicados e evanescentes dos momentos".

Outro ponto.

Olho para minhas mãos. Mexo-as, contraio e estico os dedos. Presto bem atenção nelas. Pego algum objeto e solto. Agora reflito sobre o que acabei de fazer. Penso nas mãos de outros primatas. Penso nas garras das aves. Penso nas patas de um cachorro.

Agora penso no coração que bate, nos olhos que vêem. Penso no coração dos outros animais, nos olhos deles. Penso no tato. Penso nos incontáveis organismos que já viveram. Penso nos inúmeros que viveram ao longo do caminho que levou a eu e você. Penso nos incontáveis que vivem. Penso nos impensáveis que ainda vão viver.

Penso nessas estrelas do NGC 290. Penso, tentando arranhar com a imaginação, nos 200 bilhões de estrelas da nossa galáxia. Penso, tento, nos outros bilhões de galáxias.

Mais um ponto.

James Joyce é visto como o escritor que secularizou as epifanias. Estes " delicados e evanescentes momentos" podem ser disparados, em Joyce, por qualquer banalidade, um gesto ou uma fala, por exemplo. Um sorriso ou um olhar. Ou um bando de gente, na maior informalidade, cantando ao redor de Vinícius de Moraes e Baden Powell. Um violão, muitas vozes e um copo de uísque na mão do poeta.




A epifania começa aos cinco minutos de vídeo.

Ponto final.


Ligue os pontos.

Um comentário:

Vanessa disse...

Momentos para poucos!

De onde você vem?