Oscar na mão não garante mérito cinematográfico, que o diga a constrangedora premiação de um engodo como Crash, de Paul Haggis, em 2006. Mas o prêmio de "melhor filme" deste ano parece ter ido parar em boas mãos - as de Ethan e Joel Coen, por Onde os Fracos Não Têm Vez (No Country for Old Men, 2007). O filme é excelente e, como Sweeney Todd, faz carnificina com muito bom humor.
Visto que uma rápida pesquisa no Google rende resultados que destrincham o filme de várias formas - de aspectos da roteirização da obra original à direção dos irmãos Coen e à atuação de Javier Bardem - torna-se desnecessário repetir o expediente aqui, dado que o risco de chover no molhado é grande. Mas uma questão parece não ter sido suficientemente abordada pela crítica, mais preocupada com questões estilísticas do que propriamente culturais. Trata-se do "código do sertão".
Em parte de Homens Livres na Ordem Escravocrata - uma obra da década de 60, ainda bastante influente no meio acadêmico que se ocupa de questões acerca das sociedades do interior do Brasil - a socióloga Maria Sylvia de Carvalho Franco analisa o papel da violência na orientação da conduta dentro de comunidades do chamado sertão, afastadas dos núcleos urbanos. O capítulo que trata do chamado "código do sertão" relata casos de sanguinolência ímpar para ilustrar a tese de que a violência passou a ser tacitamente admitida no sertão do século XIX como norma imperativa de conduta na resolução de conflitos pessoais devido a um estado primitivo de desenvolvimento social e cultural. A idéia subjacente é a de que o sertanejo não tem alternativa a não ser sobreviver com seus parcos meios de subsistência numa terra que lhe é dura e inóspita, convive com a natureza e luta contra ela em batalhas incessantes que lhe embrutecem o espírito. Resultaria disso uma cultura tosca, primitiva, que não permite a esse indivíduo objetivar-se no mundo, reconhecer os ecos de sua própria expressão nesse mundo por meio de uma obra ou trabalho abstrato, restando-lhe apenas sua existência física. Daí a violência física, a enxadada na cabeça e a faca no bucho como formas de resolução dos conflitos com os outros. Esse tipo de análise parte de pressupostos um tanto questionáveis e reducionistas (como a rígida, estática, oposição entre civilidade e barbárie e sua respectiva identificação com o meio urbano e o sertão) e, no entanto, ainda parece ser a maneira vigente de tratar o problema.
Em que pese as diferenças e peculiaridades de Brasil e Estados Unidos, o contexto social e histórico diverso e as próprias sutilezas do filme, o que vemos em Onde os Fracos Não Têm Vez não é muito diferente disso. O Texas é a epítome do que hoje se convencionou chamar de "América profunda", o habitat de rednecks pouco instruídos que simbolizam o que há de mais atrasado no império. E é num Texas também profundo, numa região até mesmo longe de Dallas ou Houston, que se desenvolve o jogo de perseguição entre os três protagonistas. A cena final (um fim súbito, que tem tudo para ser incompreendido), com reminiscências do velho e cansado xerife sobre seu pai enfrentando o frio do deserto na busca pela sobrevivência numa situação brutalizante, é a melhor expressão do subtexto presente no filme. Confira.
Não que o Texas não represente o que há de pior nos EUA, diga-se.
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