11 de março de 2010

Chance, o jardineiro

Chance Gardner flutua


Acabo de assistir a um filme bonito, muito bonito. Being There, de 1979, um dos últimos trabalhos do Peter Sellers. O grande Peter Sellers! A cena de outtake, nos créditos finais, é engraçadíssima. (Eu ia dizer: comovente. Mas seria injusto. Comovente é a morte, nunca uma interpretação de Peter Sellers).

O filme retrata um idiota, um sujeito alienado, que involuntariamente transforma mal-entendidos em sucesso social. Esse plot, que Forrest Gump vai explorar uns 15 anos depois, me parece ser o de menos. Nas entrelinhas, acho que está a noção de que discurso algum, por mais certo que seja, por mais sentido que faça, jamais terá realmente qualquer sentido real. Talvez o filme seja uma alegoria sobre isso.

Me identifiquei com o personagem. Acho que sempre fui discriminado pelo meu jeito aéreo. Sou um viajandão, segundo um jornalista, colega de classe. Nunca consegui uma sociabilidade de que me considerasse merecedor. Quando fiz parte de uma turma legal (da qual escolhi me desfazer), me sentia amado e admirado, mas ao mesmo tempo uma pulga me beliscava atrás da orelha: será que estou interpretando errado a forma como me vêem? Será que não sou um idiota? Será que tenho alguma noção de como sou percebido pelos outros? E se eu soubesse que sou o oposto daquilo que penso ser? Steve Carell, falando sobre seu personagem Michael Scott, do The Office, disse que Michael é "uma típica pessoa que, se tivesse uma mínima noção do quê realmente é, sua cabeça explodiria". Será que um dia minha cabeça vai explodir? Essa pulga sempre esteve comigo, e temo que nunca vai me abandonar.

É aí que termina minha identificação com Chance, o jardineiro. Ele sequer desconfia que seja um idiota, alienado, bobo. Sua vida são as plantas, as flores, as árvores, é leve, flutua. Sua absoluta ingenuidade o impede de ver, inclusive, sua crescente importância social. Por isso, ele não tem contas sociais a pagar. Não conhece, nem teme, a autoridade. Sua ânsia por ser aceito e reconhecido não existe. Tudo o que precisa é de um jardim.

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PS: Não quero ser um outrista que, segundo o Luis Fernando Veríssimo, sempre tem alguma outra coisa melhor em alternativa a algo estabelecido: "tá certo, o Rooney é bom, mas excelente mesmo é o Finazzi". O discreto Being There é muito, muito melhor do que seu popular parente, Forrest Gump. Link para o torrent, aqui.

2 comentários:

Carlos Roberto disse...

Danilo,

Assisti esse filme umas 2 vezes. E pelo que leio no seu blog vc está alguns anos luz a frente do Chance. Ele era um débil mental total. No Brasil é só se destacar um pouco, e todos o rotulam de anti social ou outro termo parecido

Carlos Roberto

Vanessa disse...

Em partes eu concordo com o Carlos Roberto.

Sei que o ser humano é complexo, social, e que alguns precisam de aceitação mais do que outros.
Mas o que define isso? Não sei. Talvez essa seja uma necessidade individual; uma característica... Pois não é possível que todos os ''''avoadões''' que não dão a mínima pra esse tipo de jogo, sejam todos uns '''retardados''' - Talvez eles consigam se inserir fazendo um olhar panorâmico do que compõe a dinâmica das relações, assim como os requisitos para essa.

Outra. Também penso que ninguém está completamente livre de ser excluído e/ou discriminado. Esse seu exemplo contra os não-sociais-por-razão-compulsória(ou não)é somente mais um - Não desvalorizando a sua vivência, experiência, mas é que ela não acaba por aqui (Ora, você está vivo), e sinto um certo incômodo bem latente(AINDA) nessa questão.

Ó, até a academia, que seria o exemplo máximo da diversidade, inclusive de idéias, é extremamente preconceituosa...E, em alguns casos, bem elitista.

Refletir é sempre bom, até mesmo as nossas próprias dores... Mas sem lamentos. (Ouço sempre isso de um certo alguém!)

T.adoro
Bjs.

De onde você vem?