28 de março de 2009

Trechos 5 - Dawkins e o relativismo radical

Richard Dawkins costuma ser contundente com seus adversários e às vezes peca por carregar demais na tinta. Mas o trecho abaixo acerta na mosca o tiro contra o zeitgeist acadêmico atual, essa "filosofia de salão elegante" que se transformou num dogma, verdade autoevidente inatacável do nosso tempo.

Muitas vezes pensamos que é inteligente dizer que a ciência não é mais do que nosso mito de origem moderno. Os judeus tinham Adão e Eva, os sumérios, Marduk e Gilgamesh, os gregos, Zeus e os deuses do Olimpo, os nórdicos, o Valhala. O que é a evolução, dizem algumas pessoas espertas, senão o nosso equivalente moderno dos deuses e dos heróis épicos, nem melhor nem pior, nem mais verdadeira ou mais falsa? Há uma filosofia de salão elegante chamada relativismo cultural que afirma, na sua versão radical, que a ciência não tem mais direito em afirmar a verdade do que o mito tribal: a ciência é apenas a mitologia favorecida por nossa tribo ocidental moderna. Uma vez fui provocado por um colega antropólogo e coloquei uma questão claramente, do modo que se segue: suponha que existe uma tribo, disse eu, que acredita que a Lua é uma cabaça velha lançada aos céus, pendurada fora de alcance um pouco acima do topo das árvores. Você afirma realmente que nossa verdade científica - que afirma que a Lua está a 382 mil quilômetros afastada e tem um quarto do diâmetro da Terra - não é mais verdadeira do que a cabaça da tribo? "Sim", disse o antropólogo. "Nós apenas fomos criados em uma cultura que vê o mundo de outro modo. Nenhum destes modos é mais verdadeiro do que o outro.
Aponte-me um relativista cultural a 10 quilômetros de distância [altitude] e lhe mostrarei um hipócrita. Aviões construídos de acordo com princípios científicos funcionam. Eles mantêm-se no ar e o levam ao seu destino escolhido. Aviões construídos de acordo com especificações tribais ou mitológicas, tais como os aviões de imitação dos cultos de carregamento nas clareiras das selvas ou as asas coladas com cera de abelha de Ícaro, não funcionam. Se você estiver voando para um congresso internacional de antropólogos ou de críticos literários, a razão pela qual você provavelmente chegará lá - a razão pela qual você não se esborrachará em um campo cultivado - é que uma multidão de engenheiros ocidentais cientificamente treinados realizou os cálculos corretamente. A ciência ocidental, com base na evidência confiável de que a Lua orbita em torno da Terra a uma distância de 382 mil quilômetros, conseguiu colocar pessoas em sua superfície. A ciência tribal, acreditando que a Lua estava um pouco acima do topo das árvores, nunca chegará a tocá-la, exceto em sonhos.

Richard Dawkins, O Rio que saía do Éden, pp. 40-1.

14 comentários:

Trip disse...

O único comentário a se fazer é que pra quê aquela tribo vai querer colocar alguem na lua?

Tudo o que eles querem e precisam está aqui em baixo.

Às vezes me pego ridicularizando religiões, já que pra mim todas elas são absurdas, mas, se elas funcionam para um determinado grupo, que mal tem?

dNap disse...

Trip, sua pergunta faz total sentido. Mas...

O argumento do Dawkins é sobre a eficiência em interferir e atuar sobre a realidade. Colocar pessoas na Lua é um exemplo válido. Ir à Lua é parte de um projeto na obtenção de tecnologia para a exploração espacial, que é fundamental, a meu ver, para a sobrevivência da espécie a longo prazo.

dNap disse...

Aliás, nesse momento o objetivo do Dawkins não é atacar a religião ou a crença de uma tribo africana, mas sustentar que é inegável a eficiência da ciência moderna na interferência e atuação sobre a realidade, um dos critérios para a sua validação como conhecimento legítimo. O alvo dele é o relativismo, não as religiões (nesse texto).

Vanessa disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Vanessa disse...

"Filosofia de salão elegante"
hahahahahaha....coça o estômago!

Muito boa!

Você vai ter que brigar muito ainda com esses 'contra-cultura'.

E com todo respeito do mundo, mas espero que não germine absurdos insensatos como esses.

Vanessa disse...

Caca. Excluí um, pois postei dois.
Dá um jeito nesse seu pc aqui!

dNap disse...

Acredite, Fofuxa, o PC da Unicamp aqui é pior...

Trip disse...

Bem, discordo que a obtenção de qualquer tecnologia é algo necessário para a sobrevivência da humanidade.

Não sou contrário à evolução, acho totalmente válido e gostaria muito de ter a chance de usufruir do que o ser humano conquistará em digamos, uns 500 anos para frente. Porém, nada disso é realmente necessário. Pode ser até necessário pra mim e para você, mas certamente não é para a raça humana como um todo.

O ponto chave pra mim é que a realidade é algo subjetiva, o que é real pra mim é diferente do que é real para você (puts, filosofia ... eca).

Vanessa disse...

O Trip não está falando do mesmo real...

'O ponto chave pra mim é que a realidade é algo subjetiva, o que é real pra mim é diferente do que é real para você (puts, filosofia ... eca).'

Acho que você fala mais num aspecto do 'subjetivo dentro do real'... Como conceber as coisas dentro do real.

Quando menciona a desnecessidade da tecnologia para a sobrevivência humana, isso fica claro...E isso é só um ponto de vista, o que não implica num 'outro real'

dNap disse...

Trip,

1. Não confunda evolução das espécies por meio de seleção natural com a dita "evolução" humana. São ideias distintas. Uma opera com a aleatoriedade da mutação na replicação de genes em relação às condições ambientais, a outra com a idéia de progresso inexorável e gradual para os "humanos". Não partilho do ponto de vista que vincula estritamente tecnologia, ciência e progresso. Quando digo que a tecnologia astronáutica é fundamental pra sobrevivência da espécie, digo a longo prazo: há tantos eventos fortuitos da natureza que podem colocar nossa existência em risco (incluindo nossa interferência na natureza) que é necessário abrir possibilidades de colonização de outros planetas e de outros sistemas. Pode parecer ficção científica, mas desde quando a ficção não deixou de alimentar e prover a realidade humana de projetos e esperança?

2. Seu ponto de vista sobre a realidade, da forma como o colocou, é o solipsismo. Qual é a diferença entre uma realidade que é apreendida e interpretada de maneira individual (em que cada um formula a realidade para si mesmo) e uma realidade que não existe (um conceito efêmero construído por cada um)? Se formos adotar o seu ponto de vista, não tem porquê ficarmos aqui debatendo sobre a realidade, e a ciência e a própria filosofia como acesso à realidade não têm razão de ser.

Trip disse...

Danilo;

1) Eu essencialmente não distinguo o ser humano de outros animais. Acho o ser humano muito presunçoso por se achar diferente. Pra mim o ser humano está evoluindo da mesma maneira que os outros animais, porém, utilizando algumas ferramentas extras (assim como alguns animais usam de maneira mais primitiva). Aliás, não acredito que o ser humano será ou mesmo que deva ser perene no universo. Claro que devemos lutar para sempre existir, é da natureza de qualquer animal (e vegetal e etcs), mas eventualmente isso pode não acontecer.

2) Olha eu aprendendo palavras novas hehehe (não que eu vá lembrar dessa palavra no futuro ... muito difícil) mas é claro que há razão em se debater a realidade, mesmo a minha sendo diferente da sua. É justamente o fato de elas serem diferentes que justifica a discussão e, apesar de serem diferentes, existe uma grande interseção entre elas.

A ciência, como a entendemos hoje, vai sempre explicar uma parte da realidade, não toda ela.

Éleéfe disse...

Dawkins é sempre um martelo; nada mais merecido para esse tipo de visão tacanha e irreal, que nada mais faz do que repetir o discurso da moda...
Esses relativistas merecem porrada mesmo. Na frente de um notebook, de um celular 3g, viajando de Airbus e, quando doentes, pedindo ajuda aos maiores especialistas da USP e do Albert Eistein, têm coragem de afirmar que a estrutura de mundo do pajé é tão adequada para explicar o mundo quanto a construída pela ciência...
Porrada neles.

Éleéfe

Éleéfe disse...

Quase me transformei num anti-pontepretano hoje.
Vá jogar assim nos quintos do inferno... mala preta desgraçada...
Graças àquele jogador que pôs a mão na bola aos 43 é que não odeio a ponte... vsf... tnc

dNap disse...

Santista FDP.

Eu vi in loco uma das derrotas mais injustas da macaca.

Time rabudo, esse Santos.

De onde você vem?