12 de abril de 2009

Paolo Rossi e o zeitgeist atual

Comecei a ler um livro de Paolo Rossi - o historiador da ciência e não aquele que matou onze canarinhos com três pedradas - que também atira contra o "espírito de nossa época": Naufrágios sem espectador: a ideia de progresso. Antes de colocar aqui nesse blog um trecho brilhante, um diagnóstico absolutamente certeiro do que está se passando, devo dizer que, pensando melhor, o relativismo radical é apenas um instrumento, o porrete intelectual, com o qual os elegantes pensadores proclamam o zeitgeist atual. As ideias que circulam hoje não se devem ao relativismo, mas o relativismo decorre delas; elas proclamam o ocaso do "ocidente", do humanismo, da razão, da ciência. Temem esta última, descartam-na. Pois ao fazê-lo, parecem pensar mais profundamente, parecem abordá-la criticamente.

O que Rossi fala sobre os adolescentes europeus, aqui, vale também para os adultos por volta dos seus trinta anos, aqueles que estão com o mundo nas mãos, moldando-o, fabricando-o neste exato momento. Eu não quero esse mundo pra mim. Eu quero um mundo em que conhecer a realidade seja não apenas possível, mas fundamental. Eu quero um mundo que não sinta incômodo em procurar saber com maior certeza o que é que está por trás de uma doença, o que é que está girando em torno de uma estrela. Quero esmagar a hipocrisia que descarta a importância da tecnologia ao construir seu discurso num monitor de LCD, conectado a uma rede mundial de computadores.

É, não vai ser fácil:

[Os adolescentes] (como sem dúvida ocorre hoje na Europa) crêem de verdade e intensamente no Ocaso da Civilização, identificam a Natureza com a Inocência e teorizam a sua Sacralidade; fazem um uso contínuo e cotidiano de máquinas da mais variada espécie e natureza e ao mesmo tempo detestam tudo o que é artificial, odeiam a indústria, a química, a tecnologia, a modernidade; mostram-se mais sensíveis aos massacres de filhotes de foca do que de crianças africanas ou brasileiras; são hostis ao presente em nome de uma inédita mistura de nostalgia pelo passado e expectativa sobre o futuro; associam, numa alarmante fusão, tradicionalismo de direita e utopismo de esquerda, comportamentos nostálgicos e futurísticos; vêem a Natureza como uma Deusa Amiga e o homem como Inimigo dessa benevolente Divindade; defendem o localismo e zombam do universalismo; aderem enfim (em muitos casos) a posições de radical anti-humanismo sem nunca ter lido nem Spengler nem Heidegger, sem nunca ter ouvido falar deles.

4 comentários:

Vanessa disse...

Não, realmente nada fácil.

Se você der um de cientista ferrenho-radical, vão taxá-lo de tresloucado. Podendo, inclusive, perder o mérito e o crédito.

Se você colocar sua cordialidade em prática, irão montar em cima do seu discurso, invalidando-o com argumentos:

'é só outra interpretação, só mais outra metodologia'

A eliminação dessas quimeras que coçam o ouvido de qualquer cientista sensato é fundamental. Já passou da hora dessa linha divisória entre 'o que é' e 'o que não é ciência' se constituir.

Discursos há de pencas... E sabemos muito bem que o caminho é por aí. Mas para isso é necessário muitos de você!

Vanessa disse...

Ah, esqueci de falar da citação.

PUTA QUE PARIU, o cara definiu a merda toda!

=)

Trip disse...

O que acontece com os jovens é a influência da "moda".

Hoje é bonito ser verde, só comer mato, lutar pela manutenção da floresta para o casal de borboletas azuis com asas duplas da Maldonésia do Sul.

Mas isso sempre existiu, apesar de se acentuar mais nos dias de hoje, sempre tivemos nossos "ídolos". Quantas pessoas não fumam porque aquela atriz da novela fumava, ou bebem porque o cara legal da escola se faz de bêbado todo dia?

Não acredito que a ciência neste caso passe perto da solução destes problemas, acredito que seja muito mais um problema social que científico.

PS: não consegui entender qual a parte do texto relacionada com o relativismo radical, mecionada em seus comentários, poderia detalhar melhor isso pra mim.

Abraços.

dNap disse...

Trip,

Na crítica à ciência e à racionalidade, presentes na contracultura e que vem desde Nietzsche, está uma representação dos pais da ciência moderna (o pessoal do século XVII) como otimistas convictos no avanço do saber científico baseado no acúmulo progressivo. O Rossi desconstruiu isso, mostrando que nos próprios textos dessa galera convive com a ideia de progresso um profundo pessimismo, um ceticismo quanto à humanidade. O relativismo radical é um braço do incômodo pós-moderno com as sociedades industriais e a ciência moderna. Ele casa certinho com esse quadro atual pintado pelo Rossi.

De onde você vem?