O Barbeiro Demônio, sua cúmplice, as tortas e, ao fundo, o trânsito de carnes.
Foi difícil sair da sala e não avaliar a vingança melodiosa de Sweeney Todd, o Barbeiro Demônio, como o melhor filme que Tim Burton já fez. Inevitável, portanto, repetir aqui o que grande parte da crítica já disse: música sensacional, direção e produção impecáveis e atores tinindo. Boa parte do mérito do filme está nas atuações. Johnny Depp só não levou o Oscar porque Daniel Day-Lewis estava no páreo, e a escolha da mulher do diretor, Helena Bonham Carter, para companheira de degolas do barbeiro passa longe de qualquer suspeita de nepotismo. A maioria dos coadjuvantes fica à altura do casal protagonista. Um inesperado Sacha Baron Cohen, quer dizer, Borat, surge como um barbeiro italiano charlatão. O grande vilão, um juiz que acaba com a primeira vida de Todd, fica a cargo de Hans, aquele alemão que explodiu o Nakatomi Plaza (o nome do ator é Alan Rickman, mas eu só fui saber disso agora pois existe o IMDb, e não é isso que vai me fazer ver esse cara como outra coisa a não ser Hans, o ladrão malvado e querido que só parou por causa de John McClane). Até mesmo um ator infantil (que não é Halley Joel-Osment) saiu-se com uma atuação convincente. A maionese só desanda, ou melhor, o sangue só coagula quando entra em cena um coadjuvante e insosso casalzinho jovem, que destoa do resto a ponto de causar náuseas e constitui o único ponto fraco do filme.
A fotografia é dessas que cativam os apreciadores de um climão dark a la Drácula de Coppola. E o senso de humor que Sweeney Todd transpira é dos melhores, negro, retinto, um improvável festival de gargantas cortadas e enxurradas de sangue que provocam riso, sem contudo soar a venda deliberada de comédia para o público. A melhor e mais memorável cena acontece quando o barbeiro e sua cúmplice resolvem juntar a fome com a falta de escrúpulos e entrevêem um futuro brilhante ao observar um espetáculo de possíveis carnes para recheio de tortas transitando inadvertidamente pelas ruas de Londres. A receita não tem segredo mas dá muito certo: reduza os homens a mero gado, determine a qualidade da carne pela posição social dos manés e, voilá, surgirá uma levíssima e impagável crítica social. Obviamente, o destino cobra com juros os pecados do barbeiro e de sua companheira no final, mas nada que apague a ultrajante e deliciosa comicidade proporcionada por suas imoralidades.
4 comentários:
Interessante. Vejamos quando chega na terra onde peixe pára.
Vale ressaltar, Dan...
Filme fantástico. Um misto de drama, romance, suspense e uma pitadinha de terror.
Doce, porém nem chegando perto de um mousse de maracujá com chocolate, há mais amargura no filme.
Sombrio. Mas até era esperado tratando-se de Burton.
Ah, você se esqueceu de falar da coloração da película...
Basicamente monocromático, utilizando cores fortes e quentes somente quando Sweeney recorda seu feliz passado.
Sangue não falta, inclusive o famoso "sangue nos zóio".
A trilha sonora é linda. Uma das músicas, inclusive, com uma belíssima mensagem, uma verdadeira crítica social. Faz-nos rir!
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