3 de março de 2008

Sobre tortas e degolas

Os dias têm sido dos filmes. Parte da coceira que me deu nos dedos pra voltar a bulir este velho teclado cheio de cabelos e manchas pré-históricas veio do monte de filmes assistidos nesse fevereiro de 2008. Fiquemos pelos novos, por enquanto. Primeiro, talvez o melhor deles, Sweeney Todd.


O Barbeiro Demônio, sua cúmplice, as tortas e, ao fundo, o trânsito de carnes.


Foi difícil sair da sala e não avaliar a vingança melodiosa de Sweeney Todd, o Barbeiro Demônio, como o melhor filme que Tim Burton já fez. Inevitável, portanto, repetir aqui o que grande parte da crítica já disse: música sensacional, direção e produção impecáveis e atores tinindo. Boa parte do mérito do filme está nas atuações. Johnny Depp só não levou o Oscar porque Daniel Day-Lewis estava no páreo, e a escolha da mulher do diretor, Helena Bonham Carter, para companheira de degolas do barbeiro passa longe de qualquer suspeita de nepotismo. A maioria dos coadjuvantes fica à altura do casal protagonista. Um inesperado Sacha Baron Cohen, quer dizer, Borat, surge como um barbeiro italiano charlatão. O grande vilão, um juiz que acaba com a primeira vida de Todd, fica a cargo de Hans, aquele alemão que explodiu o Nakatomi Plaza (o nome do ator é Alan Rickman, mas eu só fui saber disso agora pois existe o IMDb, e não é isso que vai me fazer ver esse cara como outra coisa a não ser Hans, o ladrão malvado e querido que só parou por causa de John McClane). Até mesmo um ator infantil (que não é Halley Joel-Osment) saiu-se com uma atuação convincente. A maionese só desanda, ou melhor, o sangue só coagula quando entra em cena um coadjuvante e insosso casalzinho jovem, que destoa do resto a ponto de causar náuseas e constitui o único ponto fraco do filme.

A fotografia é dessas que cativam os apreciadores de um climão dark a la Drácula de Coppola. E o senso de humor que Sweeney Todd transpira é dos melhores, negro, retinto, um improvável festival de gargantas cortadas e enxurradas de sangue que provocam riso, sem contudo soar a venda deliberada de comédia para o público. A melhor e mais memorável cena acontece quando o barbeiro e sua cúmplice resolvem juntar a fome com a falta de escrúpulos e entrevêem um futuro brilhante ao observar um espetáculo de possíveis carnes para recheio de tortas transitando inadvertidamente pelas ruas de Londres. A receita não tem segredo mas dá muito certo: reduza os homens a mero gado, determine a qualidade da carne pela posição social dos manés e, voilá, surgirá uma levíssima e impagável crítica social. Obviamente, o destino cobra com juros os pecados do barbeiro e de sua companheira no final, mas nada que apague a ultrajante e deliciosa comicidade proporcionada por suas imoralidades.

4 comentários:

Sasqua disse...

Interessante. Vejamos quando chega na terra onde peixe pára.

Vanessa disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Vanessa disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Vanessa disse...

Vale ressaltar, Dan...

Filme fantástico. Um misto de drama, romance, suspense e uma pitadinha de terror.

Doce, porém nem chegando perto de um mousse de maracujá com chocolate, há mais amargura no filme.
Sombrio. Mas até era esperado tratando-se de Burton.

Ah, você se esqueceu de falar da coloração da película...
Basicamente monocromático, utilizando cores fortes e quentes somente quando Sweeney recorda seu feliz passado.

Sangue não falta, inclusive o famoso "sangue nos zóio".

A trilha sonora é linda. Uma das músicas, inclusive, com uma belíssima mensagem, uma verdadeira crítica social. Faz-nos rir!

De onde você vem?