20 de dezembro de 2009

ComCiência, outro update

Esqueci de deixar por aqui os links para a revista ComCiência deste mês de dezembro.

Trata-se de uma reedição do dossiê de maio, dedicado a Claude Lévi-Strauss, com alguns plus a mais, como diria o outro. Os tais bônus são uma ótima matéria da Fernanda Vasconcelos sobre a repercussão da morte do Lévi-Strauss na mídia, e mais duas colaborações minhas (além da matéria para a edição original): a resenha do excelente livro-entrevista “De Perto e de Longe” e uma entrevista com o José Carlos Reis, que se dedica à história da história, e já havia parado pra discutir o impacto do estruturalismo de Lévi-Strauss na historiografia.

Se alguém quiser comentar algo sobre essa edição da revista, a caixa de comentários deste post está disponível.

Calorosos abraços a todos os (ex-)amigos e ex-leitores do blog!

7 de dezembro de 2009

Lévi-Strauss e a descrença, o mistério, e a ciência

Com licença, outra interrupção na hibernação.

Às vezes, alguém diz uma coisa que nos parece uma maravilha porque é uma novidade ou uma maneira original de encarar um antigo problema, com a qual jamais havíamos nos deparado.

Noutras, palavras ditas por outros caem maravilhosamente nos nossos ouvidos porque expressam exatamente uma convicção que consideramos muito pessoal, muito nossa. Não é novidade, não consideramos aquilo original. É a satisfação da identificação plena.

Tive que transcrever aqui um exemplo do segundo caso, que li na página 16 de “De Perto e de Longe”, livro que é uma entrevista de Claude Lévi-Strauss com Didier Eribon.

O senhor nunca foi perturbado pelo sentimento religioso?

Se por religião você entende uma relação com um Deus pessoal, nunca.

Esta descrença desempenhou um papel na sua evolução intelectual?

Não sei. Na adolescência, eu era muito intolerante quanto a esse assunto; hoje, depois de ter estudado e ensinado história das religiões – todos os tipos de religião – tornei-me mais reverente do que quando tinha dezoito ou vinte anos. E depois, mesmo continuando surdo às respostas religiosas, cada vez mais sou invadido pelo sentimento de que o cosmos e o lugar do homem no universo ultrapassam e ultrapassarão sempre nossa compreensão. Acontece que me entendo melhor com os crentes do que com os racionalistas empedernidos. Pelo menos os primeiros têm o sentido do mistério. Um mistério que, a meu ver, o pensamento parece constitucionalmente incapaz de resolver. É preciso contentar-se com as mordidelas infatigáveis que o conhecimento científico dá em suas bordas. Mas eu não conheço nada mais estimulante, mais enriquecedor para o espírito, do que tentar seguir esse processo – como profano; permanecendo consciente de que cada avanço faz surgir novos problemas, e de que a tarefa não tem fim.

12 de novembro de 2009

ComCiência, update

A Revista ComCiência está com nova edição. Link direto pro meu texto, a quem interessar, aqui.

O mundo inteiro sabe e até já deve ter esquecido que o Lévi-Strauss foi dessa pruma melhor. Está prevista uma edição especial sobre ele para o mês que vem. Será uma reedição do especial de maio, com alguns bônus. Vai pintar por lá, ao que tudo indica, uma entrevista que fiz com o historiador José Carlos Reis. Provavelmente, faço também uma resenha de alguma obra do Lévi-Strauss. Passo o link aqui, quando sair.

Vou voltar pra caverna. See ya.

25 de outubro de 2009

Tchau

Este blog entrará em hibernação por tempo indefinido. Talvez por eras e eras geológicas. Ou pra sempre.

10 de outubro de 2009

Mensageiro das estrelas


Saiu a edição de outubro da Revista ComCiência, do Labjor/Unicamp e SBPC. E com mais um texto meu. Desta vez, exploro um pouco os significados das observações telescópicas de Galileu Galilei: lá se vão 400 anos desde que o pisano apontou aquela engenhoca óptica pro céu e ajudou a moldar o mundo moderno.

No final do ano de 1609, Galileu Galilei apontou seu rudimentar telescópio para o céu e enxergou o cosmos mais longe e com maior nitidez do que qualquer outro ser humano havia, até então, imaginado. As observações do famoso acadêmico pisano, comunicadas no ano seguinte por seu livro Sidereus nuncius (Mensageiro das estrelas, em tradução livre), causaram uma miríade de reações contraditórias, de surpresa e encantamento a estranhamento e negação. Nos quatrocentos anos seguintes, a ciência se institucionalizou como ferramenta poderosa de conhecimento e intervenção sobre a natureza, a física seguiu a rota dos pioneiros passos do início do século XVII e invadiu as explicações de fenômenos celestes, e a própria atividade de observar os confins do espaço expandiu nosso universo com seguidas revoluções técnicas que culminaram nos atuais telescópios espaciais. Se procurarmos os alicerces desses desenvolvimentos, encontraremos dentre eles os eventos protagonizados por Galileu, suas observações e escritos, cujos significados para a ciência ainda hoje geram controvérsias e debates no meio acadêmico.
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Nesta edição, também, tem um artigo deliciosamente bem escrito por um amigo, Rodolpho Gauthier, único torcedor da Ferroviária de Araraquara (sem contar o roupeiro). Neste artigo, Rodolpho fala um pouco daquilo que é o tema de sua dissertação de mestrado, recém-defendida aqui mesmo na Unicamp: representações de alienígenas e discos voadores na imprensa brasileira do pós-guerra. Ou, na linguagem mais simples e atraente de seu autor, A invenção dos discos voadores. Neste artigo para a ComCiência, Rodolpho se pergunta: por que a crença em alienígenas?

Leituras saborosas, de lunáticos para lunáticos.

5 de outubro de 2009

Does dark matter matter?

Mera hipótese ad hoc?


Um texto, meu, de maio de 2007.

Notícia na Folha, via New Scientist, de hoje.

Existe mais matéria escura entre o céu e a terra do que sonha a nossa vã filosofia, ou nossa vã filosofia ficou gagá de vez?

4 de outubro de 2009

Imortalidade efêmera

Corro pro blog, às moscas, copiar uma passagem de Ptolomeu:

Mortal ainda que eu seja, efêmero, sim, se por um só momento
Ergo meus olhos para o domínio celestial estrelado da noite,
Já na Terra não mais estou; eu toco o Criador,
E meu espírito vivo bebe a imortalidade


Que está página 34 do livro Grandes Debates da Ciência, de Hal Hellman.

25 de setembro de 2009

O Pelé já está de olho

Segundo reportagem de Eduardo Arruda na Folha de hoje, o governo federal pretende criar um benefício previdenciário para os jogadores de futebol campeões em Copas do Mundo. O valor será, aproximadamente, de dez salários mínimos (teto da previdência) e beneficiará, de início, os ex-jogadores (e famílias) da Copa de 1958. Discute-se se o benefício poderá ser dado no cinquentenário de cada conquista.

Se for verdade, é uma das piores decisões de Lula nos seus quase oito anos de mandato – dessas que decepcionam profundamente. Quase gratuitamente, o governo arranha sua bem construida imagem de responsabilidade no trato com a coisa pública e dá de bandeja uma oportunidade para que tucanos e democratas (sic) bradem a plenos pulmões que o governo é assistencialista, que o estado está virando um elefante, enfim, que entoem em coro a cantilena liberal que todo mundo conhece bem.

Seja você liberal ou não, deve-se reconhecer que a coisa é um disparate. Tem que haver um bom motivo pra engordar os gastos da previdência social. Muita gente pode argumentar, com razão, que ganhar uma Copa do Mundo não torna esses cidadãos mais especiais do que o meu ou o seu avô. Não perante o estado. Não para receber uma polpuda aposentadoria enquanto a maior parte dos velhinhos vive com a miséria de um salário mínimo.

O problema, contudo, não é tão simples.

O futebol está profundamente enraizado na cultura brasileira e, por isso, não se deve subestimar o valor que os grandes jogadores têm para boa parte da nossa população. Isso basta para rebater quem venha com o argumento preconceituoso de que esses cidadãos foram apenas jogadores de futebol. Aliás, não vou ficar repetindo velhos bordões – verdadeiros, é verdade – sobre o fato de que o futebol move e comove milhões, que seus herois são herois de fato pois povoam o nosso imaginário, brilham em nossos sonhos, nos dão 90 minutos de sentido e costumam tornar essa nossa existência sem nexo em algo tolerável. De fato, muitos ídolos que viveram o auge esportivo numa época em que o futebol não era sinônimo de milhões na conta bancária merecem ter cuidados e consideração social que não vêm recebendo. Não devem ser jogados às traças, esquecidos, experimentando a decadência física, o ocaso da vida, ao mesmo tempo em que testemunham o esquecimento de quem são, de quem foram, de como gostariam de ser lembrados. É uma dupla morte. Se temos alguma consideração por essas pessoas, precisamos evitar que isso ocorra.

O que torna esse benefício um verdadeiro absurdo, no entanto, não é apenas o fato de que o estado está assumindo para si uma atribuição que deve ser da sociedade (cuidar de seus herois). Mais do que uma categoria privilegiada de cidadãos, o estado está criando uma categoria privilegiada de herois. A começar dentro do próprio futebol: o que dizer de todos aqueles craques que marcaram a história do futebol brasileiro mas que - por ironias do destino que a seleção de 1982 conhece muito bem - não conseguiram conquistar aquele pequeno torneio de meia dúzia de jogos? Nessa categoria temos lendas como Domingos da Guia e Leônidas da Silva. O que dizer de Canhoteiro e Julinho Botelho, craques que não acabaram indo para a Suécia em 58? As famílias dessas pessoas, mencionadas no mesmíssimo fôlego dos campeões daquela Copa, não merecem o mesmo benefício do estado, caso seja concedido? O que dizer, então, de outros esportistas historicamente importantes? Maria Esther Bueno, a família de João do Pulo e de Adhemar Ferreira da Silva também devem receber uma aposentadoria? Por que não, então, amparar também antigos artistas esquecidos? É óbvio que não estou defendendo que o estado deveria amparar todo ex-boleiro ou esportista ou artista abandonado. É o contrário.

Que se traga para discussão o desamparo, ótimo. Que se chame a atenção para esse problema, que o estado tome iniciativas para ajudar a lembrar dos herois esquecidos e tome parte em campanhas para arrecadar ajuda, nada a reclamar. Que o estado chame para si toda essa responsabilidade, e arcando com ela com o meu e o seu dinheiro, isso é censurável. Que se transforme esse dinheiro, pelo menos, em Bolsa Família.

Se esse tipo de coisa passar, imagine você, em 2044 vamos começar a sustentar o Mauro Silva, o Dunga, o Jorginho, o Mazinho, o Taffarel. Ah, não! Seria melhor dar toda a grana pro Baggio, logo.

17 de setembro de 2009

O narcisismo, por Contardo Calligaris

Contardo Calligaris na Folha de hoje (continua aberta a nova versão digital do jornal):

[…] o uso do não e do sim permitem o diálogo humano. Mas é um diálogo que (sejamos otimistas) nem sempre tem a ver com as questões que estão sendo discutidas: ele tem mais a ver com uma necessidade subjetiva: digo “não” para me separar do outro ou digo “sim” para obter dele um olhar agradecido. Nos dois casos, tento apenas alimentar a ilusão de que existo.

14 de setembro de 2009

Beirut, 11/9

Acho que eu nunca assisti a um show com um sorriso tão grande no rosto.

8 de setembro de 2009

Besta

Why do we always talk about things like this
Why do we always haunt each other down
Why do we always smoke those cigarettes
And drink a lot of wine
I know the kind of beast that Ive become
I know I dont always show my gratitude
I dont always shut it when Im spoken to
And I dont understand the things that you say. Anymore
I know it doesnt show that I love you
I know that I dont always like when children laugh
And I dont give a damn about your 14 year old
But who am I trying to fool by acting this way
I need a lot of wine
I know the kind of beast that Ive become

Nina Kinert, Beast

7 de setembro de 2009

Mês 9

Setembro está um prato cheio pra quem gosta de sci-fi: 9 e District 9.

Enquanto os filmes não chegam por aqui, o Hermenauta chamou a atenção para a relação entre AI e dilemas morais inspirado no que deve vir com 9, do Tim Burton; no Primate Diaries, tem uma bem escrita análise antropológica sobre District 9, que deve ser um filmaço.

31 de agosto de 2009

A ciência segundo Carl Sagan

Este meu artigo foi retirado do ar temporariamente pois utilizei-o como base de meu projeto de mestrado. :)

29 de agosto de 2009

O triunfo da irracionalidade

O bate-boca sobre o sistema de saúde nos Estados Unidos na visão de Johann Hari, do britânico The Independent: o triunfo da irracionalidade.

Brilhante artigo.

Via Revista Fórum

28 de agosto de 2009

Saramago, o Mecânico

Indicado pelo Gomes, vai aqui um trecho do texto do Caderno do Saramago sobre a senhora cagada que o gênio luso (sem qualquer tipo de piadinha, ora pois) cometeu em sua juventude como mecânico. Depois daquilo, largou mão de dirigir, foi ser escritor. Fez um bem danado pra humanidade. Como poderia um bom mecânico que não tivesse talento para a escrita descrever, de maneira tão natural e engraçada, a peripécia de se encher um radiador mal montado?

Desenrosquei pois o tampão e comecei a deitar para a boca do radiador a água com que tinha enchido o velho regador que para esse e outros efeitos havia na oficina. Um radiador é um depósito, tem uma capacidade limitada e não aceita nem um mililitro mais do que a quantidade de água que lá caiba. Água que continue a deitar-se-lhe é água que transborda. Algo de estranho, porém, se estava a passar com aquele radiador, a água entrava, entrava, e por mais água que lhe metesse não a via subir dançando até à boca, que seria o sinal de estar acabado o enchimento. A água que já vertera por aquela insaciável garganta abaixo teria bastado para satisfazer dois ou três radiadores de camião, e era como se nada. Às vezes penso que, sessenta e muitos anos passados, ainda hoje estaria a tentar encher aquele tonel das Danaides se em certa altura não me tivesse apercebido de um rumor de água a cair, como se dentro da oficina houvesse uma pequena cascata. Fui ver.

26 de agosto de 2009

Estranhamento

Eis a mais fantástica introdução que eu já vi para uma crítica musical:

We used to listen to music in an entirely different way. There was once a time when music was organized into 45- to 75-minute chunks-- often a few standout tracks padded with a lot of mediocre filler, but occasionally designed so that the parts built up a larger structure. Used to be, people would sit down and listen to that lengthy piece of music from front to back in one sitting, resisting the urge to jump to their favorite parts or skip over the instrumental interlude that served as grout between two fuller compositions. These antiques were called CDs. Here's a story about the last of its kind.

Vejam agora como Jonathan Swift imagina um relatório de dois pequeninos seres sobre um objeto, para nós, muitíssimo familiar. O objeto de Gulliver tinha

uma grossa corrente de prata, com uma maravilhosa espécie de engenhoca na ponta. Mandamos que tirasse aquilo que estava pendurado na corrente: era um globo feito metade de prata, metade de um metal transparente. Pelo lado transparente vimos certas figuras esquisitas traçadas num círculo; julgamos que lhes poderíamos tocar, mas os dedos foram retidos por uma substância luminosa. Ele levou essa engenhoca aos nossos ouvidos; ela fazia um barulho incessante, semelhante ao de um moinho d’água. E conjecturamos que, ou é qualquer animal desconhecido, ou, então, o deus que ele adorava; mas esta última hipótese é mais verossímil, porque nos afirmou, (se nós assim o compreendemos, pois se exprimia muito imperfeitamente), que raramente fazia qualquer coisa sem que o consultasse; chamava-lhe o seu oráculo, e dizia que designava o tempo para todas as ações da sua vida.

Quem tiver interesse em saber mais sobre esse “procedimento literário”, pode ir direto aonde eu o descobri: aqui, e também, aqui.

25 de agosto de 2009

Pêlo em ovo

Piada do Jorge Pontual no Twitter: “Se você receber um email intitulado: ‘Fotos nuas de Dilma Roussef’. Não abra!!! Pode realmente conter fotos de Dilma Roussef nua”.

Engraçada. De baixo nível, convenhamos. Mas engraçada.

Agora vem o pessoal do MSH (Movimento dos Sem-Humor) e começa a achar pêlo em ovo. Aqui, também.

Uma internauta, de apelido “Dani”, comentou no blog da Marjorie o seguinte: “Querida, Sou Brasileira, 30 anos, formada, trabalho, acho a Dilma feia e amei a tiradinha do Jorge Pontual. Sou sexista? Não voto em mulher por ser mulher, aliás, voto em competência e inteligência. Por Favor, antes de procurar pelo em ovo, se preocupe com o que estão fazendo com o dinheiro do povo.”

E a Marjorie: “não, você não é sexista simplesmente por achar a Dilma feia. Mas existe uma grande diferença entre ser uma pessoa comum que comenta isso no boteco e ser um jornalista renomado que decide publicar isso. Principalmente, se levarmos em conta que os candidatos homens não são tratados dessa maneira pelos jornalistas. E que a baixa participação feminina na politica brasileira se deve, entre outros motivos, ao fato de que muitas pessoas não levam as candidatas tão a sério.”

Bem-vindos à Fantástica Fábrica de Argumentos Rasteiros.

Eu, então, comentei na mesma linha da Dani:

Foi bastante baixo, o nível. Preconceito estético. Aquele velho problema dos padrões de beleza. Mas só.

Suponha que a Lilian Witte Fibe diga que “se você receber um e-mail que diz ter fotos do Boris Casoy nu, não abra! Pode realmente conter fotos do Boris Casoy nu”.

É sexista?

De novo, vendo pêlo em ovo, Marjorie.

A Marjorie:

eu prefiro uma campanha a favor do respeito a todos, feios ou bonitos. Em vez das pessoas ficarem se ridicularizando mutuamente, feito crianças do pré.

Se a Lilian falasse isso do Boris Casoy, não seria sexista (porque, oi, contexto, meu filho! A sociedade é machista. São as mulheres que são tratadas como se tivessem obrigação de ser bonitas antes de qualquer outra coisa, não os homens). Mas seria uma extrema falta de respeito. E eu condenaria da mesma maneira, afinal, é um comportamento que não cabe para um(a) jornalista.

E se você acha que eu só faço ver pêlo em ovo, não sei o que está fazendo aqui, sinceramente. Não se auto-flagele. Há milhões de blogs internet afora. Procure um que combine contigo.

Ah, o respeito.

Rrrrrespeito! Onde já se viu falar assim dos outros? Vai lavar a boca com sabão, Jorge Pontual! Principalmente por ter a profissão de jornalista! E quem vier aqui desmontar meus argumentos que vá pra outro blog!

Estamos falando aqui do horrível e velho politicamente correto, e da boa e velha falta de consistência lógica numa argumentação.

A piada do Jorge Pontual pode ser censurável sob diversos aspectos, menos o sexista.

A discussão não deve parar por aí.

E tem uma última: daqui a pouco, neguinho (meu deus, que medo de ser patrulhado aqui!) o pessoal tem que consultar livro de boas maneiras politicamente corretas para ver se pode ou não dar risada de uma piada qualquer. A fazer uma, então, ninguém vai se atrever.

Quem conseguir imaginar isso aí ganha uma cena inesquecível

I think I know the answer
I stumbled on and all the world fell down
And all the sky went silent
Cracked like glass and slowly
Tumbled to the ground

Zero Chance, Soundgarden, 1996

Tempo!

As aulas voltaram, a pós também. Algumas avaliações pela frente. Não gosto de ser avaliado. Não quando estou despreparado.

17 milhões de leitores, vocês serão agraciados com um mês de folga. Mas passem por aqui, de repente posto alguma banalidade.

18 de agosto de 2009

É dia 11 de setembro

Um dia pra celebrar a arte, a esperança, a vida. Beirut, São Paulo, Via Funchal, dia 11 de setembro de 2009.

17 de agosto de 2009

Patrulhagem, carolices e picuinhas do mundinho blogueiro

Atenção: leitores interessados em coisas interessantes, fujam desse post.

A Marjorie Rodrigues tem um blog muitíssimo bem escrito. É um bom blog. Quem o lê sempre é a minha mulher. Fermenta a sua imaginação feminista. Dia desses aqui em casa, em mais uma discussão estéril sobre a problemática sem solucionática que envolve gêneros sexuais humanos, foi-me indicado um texto da Marjorie sobre o que o Marcelo Tas escreveu acerca do litígio da Juliana Paes contra o Zé Simão, que acabou proibido pela justiça de tocar no nome da atriz.

Enfim, o texto da Marjorie é muito ruim. Sua pretensa desconstrução crítica do texto do Tas é paupérrima. Cheia de falácias lógicas. Ad hominen, declive escorregadio, falácia de omissão. Fiquem à vontade, o menu é grande. A coisa não se sustenta. E pior: além de ser uma argumentação pobre, trata-se de uma patrulhagem das brabas. Tão carola com seu credo quanto uma reunião da TFP ou o comitê do partido comunista norte-coreano. Vejam por vocês mesmos.

Não resisti e deixei algumas palavras na caixa de comentário dela:

Essa carolice feminista me dá ânsia de vômito. Esse texto é coisa de patrulha. Quem sabe, se você estivesse no meio da contra-reforma, mandaria gente pra fogueira. Ou talvez mandaria pra Sibéria alguém que discordasse da doutrina oficial do partido. Só que nasceu num contexto diferente e se aferra a doutrina diferente

O comentário me rendeu uma mui honrosa indicação a Top Troll, ao lado de coisas ultra ofensivas, num post até bem humorado. Deixei outro comentário: “É uma honra”. Meio irônico, meio sério, pois é um bom blog. Fui citado lá. É uma honra. Votei em mim mesmo.

Meu comentário não apareceu. Depois, fui ver, nem o meu comentário original apareceu no lugar onde foi postado. Foi citado apenas em parte (como aí em cima) para ser ridicularizado. Aí vejo que a autora do blog respondeu à minha mulher (que concorda com ela) desse jeito:

gente, tô chocada aqui com os trolls serem amigos ou conhecidos das leitoras!

Bom, acho que o que falta para o seu marido é reconhecer que a sociedade dá a ele um privilégio, apenas por ser homem. Um privilégio de nascimento. Não é culpa dele individualmente — é a estrutura de poder da sociedade. Mas é lógico que isso é chato de se reconhecer. É chato a gente reconhecer que o nosso modo de vida, na outra ponta, prejudica os outros. É mais fácil a gente virar a cara para o outro lado. Fingir que não vê, fingir que não sabe. Mas, felizmente, sempre tem gente para chamar atenção para aquilo que vc não quer ver: “olha, vc tem privilégio. Olha, isso não é justo. Olha, vc precisa rejeitar esse privilégio e lutar com a gente”.

E aí as pessoas se sentem mei’ perseguidas. Pq não querem reconhecer ou abrir mão do privilégio. Querem simplesmente continuar vivendo suas vidinhas. No post do I Choose my Choice, teve um cara que fez um comentário ÓTIMO sobre isso. Ele disse algo mais ou menos assim: “as pessoas ficam: “buááá, eu não posso mais fazer piada de preto em paz? Vc tem que me lembrar que isso é racista? Buááá, me deixa socar uma pra esse gangbang em paz, preciso lembrar que a mulher ali mto provavelmente está sendo explorada?”. E por aí vai.

A gente tá cutucando a ferida. Toda vez que alguém diz “mimimi, estou me sentindo patrulhado”, eu penso: “missão cumprida”. Porque a gente tá aqui pra isso mesmo. Pra incomodar. Pra dizer que não basta virar o rosto e fingir que as coisas não existem. Ora, na prática, eu não posso fazer nada com o seu marido. Eu não posso puni-lo, não posso impedi-lo, não forçá-lo a nada. Nem quero. Na prática, ele continua tendo o seu privilégio, a sociedade continua machista. O lado mais fraco da corda SOU EU! Mas, se ELE se sente patrulhado, se ele se sente tão incomodado, é porque ele sabe que tem algo errado e não quer ser chamado a atenção para isso.

Eu comecei a ficar indignado. Quanta arrogância. Postei isso aqui, esperando não ser censurado:

Além de patrulheira não tem senso de humor e censura comentários?

Meu comentário, neste post, foi: "É uma honra." Recebi a indicação com bom humor. Votei em mim duas vezes (minha mulher, mais uma). Só que meu comentário não foi publicado. Acabei de ver que também não publicou meu comentário "troll".

Só corrobora aquilo que eu disse. Carolice sem tamanho. Patrulha. Não censure este aqui, pelo menos como direito de resposta. Coloquei meu nome e sobrenome, que você citou junto com meu comentário, mas que nem sequer indicou de onde veio, a qual post foi destinado. E também não citou na íntegra.

No post sobre Tas/Simão/Juliana (que é de onde veio o meu comentário), você enxerga pêlo em ovo, Marjorie. Seu filtro é tão forte, sua percepção da realidade é tão enviesada pelo posicionamento sexista, que em muitas coisas que não têm teor necessariamente sexista, mas que tratam de sexo e diferença de gênero, você identifica machismo e joga as pedras. E isso é o espírito de patrulha. Você o tem tanto quanto esquerdistas dogmáticos, cristãos e muçulmanos fervorosos, direitistas anaeróbicos. Reitero o que disse: a minha impressão é que, se você estivesse do outro lado, seria a primeira a "vigiar e punir".

Desça do pedestal e nunca assuma que você percebe a realidade de um ponto de vista superior a algum interlocutor, mesmo que você o considere um troll. Você o fez num comentário acima: "Bom, acho que o que falta para o seu marido é reconhecer que a sociedade dá a ele um privilégio, apenas por ser homem. Um privilégio de nascimento. Não é culpa dele individualmente — é a estrutura de poder da sociedade. Mas é lógico que isso é chato de se reconhecer. É chato a gente reconhecer que o nosso modo de vida, na outra ponta, prejudica os outros. É mais fácil a gente virar a cara para o outro lado."

É incrível como pode tirar essas conclusões apenas por meio de uma crítica ácida a um post seu. Sua postura é tão arrogante que me subestima completamente. Está tão, tão ciosa de seu filtro, de seu feminismo, que não enxerga o real problema que eu apontei: o problema é a carolice, não o feminismo. O problema é a patrulha, não textos inteligentes e desconstruções críticas. Com minhas limitações humanas, eu enxergo as "estruturas de poder" que me cercam, que me garantem privilégios por ser homem e me excluem por outros motivos. Adoro o jornalzinho feminista que circula na Unicamp, do PAGU. Estudo história da ciência e penso que um dos pontos nevrálgicos da coisa, que me dei conta há pouco tempo, é o bloqueio formal à atividade científica para as mulheres até bem pouco tempo atrás, e a contribuição silenciosa das mulheres durante séculos. Gosto das ideias da Donna Haraway, de suas posições intelectuais e políticas. Me identifico completamente com causas feministas, gays, negras. Não tenho problema nem com alguns radicalismos. Mas detesto quem enxerga pêlo em ovo, só porque se encaixa com seu filtro da realidade, como faz a Julia Kristeva em sua análise sobre a física de fluidos. Algo sem pé nem cabeça.

Selecionar e encaixar dados da realidade para satisfazer nossos modelos teóricos é mais fácil do que você pensa. É o que você fez no post sobre o Tas. Algo bem rasteiro. Não tão grosseiro quanto o que a Kristeva faz com a ciência, mas bem rasteiro. Coloca ideias na cabeça do Tas que não transparecem naquilo que o cara escreveu, nem nas entrelinhas. Reitero: não curto o Zé Simão (é copy and paste, mesmo). O Tas, pra mim, não cheira nem fede.

O feminismo, como ferramenta intelectual de ativismo e de desconstrução crítica da realidade, é e sempre foi necessário, legítimo, merece toda a propagação do mundo. A sua carolice, como aparece no post sobre o Tas, continua me dando ânsia de vômito. O duro é que você anda fazendo escola aqui em casa.

Espero que você não censure este, pelo menos este, comentário.

É uma honra, novamente, ser indicado como troll.

VOTEM EM MIM!

E não é que a babaca censurou? Justificou ainda mais a postura de patrulheira, de carola, de mané mesmo. Sente-se a justiceira do cyberespaço, a defensora do lado mais fraco, a ativista, aberta ao diálogo, mas não passa de uma autoritária fechada ao contraponto.

Começo a perceber que esse negócio de blogar é meio ridículo. Fala-se aos convertidos, somente. Exclui-se o outro. A não ser os blogs grandes, estes nossos amadores não suscitam debate porra nenhuma. Fica cada um com seu cordão de carolas puxa-saco, deusolivre. Se bobear, este blog aqui aproveita a deixa do Idelber e do Dória pra embarcar junto. Deu no saco.

16 de agosto de 2009

Foda-se o futebol

Entrei em licença-torcedor. Não vou ao campo ver a Ponte. Não assisto jogo de time nenhum na TV.

O futebol aqui no Brasil é uma merda.

Gum é um zagueiro da Ponte. Ainda é, daqui a pouco sai. É um zagueiro bem mediano. Mas “bem mediano” é, para os padrões da Ponte nos últimos cinco anos, um craque. Então, a merda é a seguinte: o Fluminense ficou encantado com o futebol deste Baresi dos trópicos e decidiu levá-lo daqui para a série A, com uma oferta de pagamento em 8 (oito) vezes. Vejam bem, caros 17 milhões de leitores, o Fluminense perguntou se a Ponte aceitava Mastercard, sem juros no cartão ou cheque pré-datado, e a Ponte negou, claro. Mas o Gum ficou tão animadinho com a história toda que forçou a saída. Disse que não tinha mais cabeça para pensar no jogo contra o Bahia. E não jogou mesmo. Voltou para casa antes de todo mundo.

Renato foi um dos melhores jogadores do time vice-campeão paulista em 2008. Jogou um futebolzinho insosso no segundo semestre e acabou sendo negociado com um time da Arábia Saudita. A Ponte cometeu a suprema cagada de aceitar pagamento em três vezes, sem juros. Tomou no nariz. Recebeu a primeira parcela, mas não viu a cor do resto do dinheiro. O contrato de venda previa que o jogador retornaria à Ponte caso o restante do pagamento não se concretizasse. O principal site da torcida até fez um wallpaper meloso, baba-ovo: “Renato, volta, a camisa 10 é sua”. Renato, então, voltou para o Brasil. Para o Grêmio. Andou treinando por lá enquanto um imbróglio jurídico se desenrolava. A justiça trabalhista determinou que Renato voltasse para a Ponte. A CBF obedeceu, a princípio, negando a inscrição do meia(boca) ao Grêmio. Agora, sabe-se lá cedendo a quais pressões políticas, a maldita CBF autorizou a entrada de Renato no time gaúcho. E a Ponte, agora, é quem pode se foder. A coisa é bem conhecida, mas continua absurda: time de futebol nenhum pode recorrer à justiça comum para resolver suas pendengas. Como assim, compadre? Quer dizer que as federações futebolísticas vivem num outro mundinho apartado da nossa realidade? Pelo amor de João Havelange!

Enquanto isso, qualquer bom jogador que aparece no time acaba indo ou pro Corinthians, ou pra algum time da aristocracia ludopédica brasileira. Que são apenas trampolins para a NBA Europa. Os torcedores de time grande sentam em cima da glória de um Campeonato Brasileiro, uma Copa do Brasil, até uma Libertadores, achando que estão curtindo algum tipo de coisa diferente do que quem torce para a Ponte, Guarani, Figueirense, Vila Nova, Remo, Tuna Luso, Íbis. Todo mundo é pária aqui, manés!

A Globo passa jogos do Corinthians em vez das finais da Libertadores, com volume de som editado para a torcida do Timão visitante parecer mais forte, mais louca, mais fiel que as outras. Às vezes, dá atenção a um outro grande, usando os mesmos artifícios para promover a identificação entre o telespectador e o seu time. Os jogadores ficam ouriçadinhas, louquinhas, maluquinhas só de ouvir as propostas do pimps europeus. O próprio Corinthians, que vinha tendo um time interessante de se assistir, um belo acompanhamento para cervejas e pipocas, foi desmontado. Virou uma chatice.

Pior: nem pra secar o Guarani dá mais. Tenho dó, vai perder o estádio, que já foi um belo estádio, patrimônio histórico, e a torcida míngua mais rápido do que a da Ponte. Me peguei pensando que seria muito bom que ambos os times subissem, que ambos estivessem bem. Foi aí que eu percebi que não tinha mais saco para futebol. Não pra esse futebolzinho sem-vergonha aí.

Desisto.

14 de agosto de 2009

Blast!

Ontem, Stephen Colbert entrevistou o cosmólogo Mark Devlin, com as perguntas cretinas de sempre. À afirmação citada abaixo, no player, Colbert retrucou: podemos dar Viagra à nossa galáxia? Devlin explicou que o Viagra vai vir daqui a alguns bilhões de anos, quando a Via Láctea e Andrômeda colidirão, o que vai despertar um novo frenesi de formação de estrelas (aliás, a cosmologia moderna diz, e o Hubble foi capaz de provar, que colisões de galáxias são coisas corriqueiras).

The Colbert Report Mon - Thurs 11:30pm / 10:30c
Mark Devlin
www.colbertnation.com
Colbert Report Full Episodes Political Humor Meryl Streep

Devlin estrela um documentário sobre o projeto científico que ele próprio encabeça, o BLAST (Balloon-borne Large-Aperture Submillimeter Telescope), que investiga galáxias muito distantes (7-10 bilhões de anos-luz) usando um telescópio levado a altas altitudes por uma espécie de balão meteorológico.

Perdão pelo trocadilho, mas esse documentário deve ser um estouro.

10 de agosto de 2009

O futuro é o que sempre foi (?)


A nova edição da ComCiência está, finalmente, online. Na seção de resenhas, uma minha e uma do Rubens Zaidan, o glorioso Rubão, jornalista tarimbado, meu colega de classe e de grupo de trabalho no Labjor. Ele deixa um gravador ligado durante as aulas, e eu aposto que já deve estar de saco cheio de ouvir a minha voz. Falo muito em sala de aula. Às vezes indignado, discutindo, brigando. Pros outros colegas, deve ser um porre. Mas eu gosto de alunos que falem. Sou um aluno que fala.

A minha resenha fala sobre um livro espetacular, Futuros Imaginários: das máquinas pensantes à aldeia global, do cientista político inglês Richard Barbrook. Neste site, você pode baixar o livro gratuitamente, na íntegra. É copyleft aqui no Brasil. Vai aqui um naco da minha resenha:

Junto à corrida armamentista e espacial, uma outra disputa entre EUA e URSS era travada sem estardalhaço: a "corrida para inventar a Rede". A Central Intelligence Agency (CIA) havia chegado à conclusão alarmante de que os russos estavam prestes a superar os Estados Unidos no desenvolvimento de máquinas e programas, construindo uma rede de computadores que operasse a defesa aérea de Moscou em 1956. Barbrook mostra que a disputa não era apenas pela construção da grande rede, mas, principalmente, pelos fundamentos que a guiariam e as possibilidades de reorganização social que ela abriria. Sob o reformismo de Kruschev, cientistas da computação russos passaram a ver na ideia de rede uma redenção libertária que verdadeiramente fizesse jus aos ideais comunistas da revolução de 1917, sufocados por Stalin. Mas essa espécie de mcluhanismo marxista logo foi esmagada pela volta do autoritarismo ao poder. Com o fim do reformismo e a desventura do projeto libertário da rede russa, a União Soviética acabou entregando o jogo do futuro imaginário de bandeja para o outro lado.

Nos EUA, o governo exigiu que se inventasse a internet antes que os russos o fizessem. O objetivo era garantir o controle e hegemonia do país sobre a profetizada sociedade da informação. Nas entrelinhas do discurso da Uniesfera, o que não podia ser claramente dito: a aldeia global seguiria o modelo apontado pelos Estados Unidos. O projeto era financiado pelo Departamento de Defesa e tinha também uma clara função militar: manter o controle e as estruturas de poder com uma rede que sobrevivesse a um ataque devastador. No entanto, a arquitetura da internet foi toda projetada nos moldes de um comunitarismo acadêmico-científico, cuja produtividade precisa do compartilhamento, e não da propriedade comercial do conhecimento. Essa estrutura aberta, descentralizada, era financiada pela estrutura hierárquica e autoritária dos militares.

Esse aparente paradoxo é desvendado de maneira brilhante por Barbrook e constitui o grande mérito de Futuros imaginários. Para ele, como para os líderes mais sensatos das duas superpotências, a Guerra Fria nunca seria decidida pela força bruta. A “força suave” da disputa no campo cultural, simbólico, poderia ser uma arma mais devastadora do que uma bomba atômica. O embrião da internet da década de 1960 era um produto do que Barbrook chama de “esquerda da Guerra Fria”, formada por intelectuais americanos originalmente de esquerda, muitos ex-trotskistas. Com a histeria anticomunista e a radicalização do debate, o marxismo passou a ser sinônimo de stalinismo, ser de esquerda era ser antipatriótico. A “esquerda da Guerra Fria” passou a defender uma alternativa tanto ao liberalismo econômico quanto ao stalinismo, pregando um capitalismo do bem-estar social. Com o Partido Democrata no poder, essa “esquerda” começou a atuar com muita eficiência como “força suave” contra o comunismo, denunciando as falhas do sistema soviético e acolhendo o mcluhanismo de braços abertos.

Feridos pelas críticas da contracultura nos anos 1970, esses intelectuais penderam para o neoliberalismo. Se para a contracultura a internet era um embrião do “comunismo cibernético”, para os novos liberais ela seria a epítome da sociedade da informação e do livre mercado. Porém, enquanto a prometida sociedade da informação vai sendo gestada, o poder fica nas mãos de uma nova elite: a classe do conhecimento e da inovação tecnológica, cuja morada é o Vale do Silício. Como há quarenta anos, o futuro computadorizado está logo ali, mas nunca vai chegar.

Leia mais >

Sail to the moon


I sucked the moon
I spoke too soon
And how much did it cost?
I was dropped from
Moonbeams
And sailed on shooting stars

Maybe you'll
Be president
But know right from wrong
Or in the flood
You'll build an ark

And sail us to the moon
Sail us to the moon
Sail us to the moon

_________________


O nome do meu avô paterno era Haraldo Sergio Albergaria Pereira. Depois que o senhor Haraldo decidiu superar a perda trágica da mulher e da criança ainda em gestação, casou-se novamente e teve mais quatro filhos, além dos três do primeiro casamento. O mais novo é tão novo que foi, na minha infância, a figura de um irmão um pouco mais velho e não a do um tio, que é o que ele é. Depois a vida se encarregou de jogar as "duas famílias" cada uma prum canto. Não sei exatamente o porquê. E descobri agora que meu tio Nê, que carrega o nome do meu vô, fotografa como poucos. Ele gosta de fotografar a Lua e, como eu, estou certo que sente um claro fascínio pelas coisas que envolvem o espaço. A belíssima fotografia acima é dele, claro.

"Acho que você andou assistindo muito filme de ficção científica"

Rastros de uma história violenta
(foto de um certo Haraldo A. P. Filho)

Só para confirmar a ideia de que o Sistema Solar é uma pancadaria digna de Buddy Spencer e Terence Hill, há uns quinze dias Júpiter levou uma pancada similar à de 1994, causada pelo cometa Shoemaker-Levy. Ninguém, nos programas de levantamento de asteróides, detectou o bicho dessa vez. A descoberta foi feita por um astrônomo amador. O que levantou uma certa desconfiança nos Estados Unidos: será que a NASA está fazendo o trabalho direito?

Talvez em resposta a isso, o JPL (Laboratório de Propulsão a Jato) da Caltech colocou online, no último dia 6, o site Asteroid Watch. O levantamento amplo de objetos como asteróides e cometas que vagam pelo sistema solar e às vezes entram em sua parte interna (exatamente onde estamos) é umas das coisas mais importantes que a ciência espacial pode fazer. A maioria das pessoas descarta esse tipo de coisa como viagem de fã de sci-fi que leva filmes como Impacto Profundo muito a sério. Podem estar todos os nossos pobres pescocinhos, neste exato momento ou, mais provavelmente, em algum ponto da história das gerações futuras, na linha de tiro de um asteróide ou um cometa. Eu não consigo achar muitas outras coisas que sejam tão importantes e que deveriam estar no centro das agendas científicas.

8 de agosto de 2009

Les Chants Magnétiques

Mais conhecido como Magnetic Fields, Les Chants Magnétiques é o quinto álbum de Jean Michel Jarre, lançado em 1981. Dos que eu conhecia até agora, é o terceiro. Está aqui, na íntegra, a quem possa interessar.

(Se o Sr. Jarre ou algum procurador se sentir ofendido pela distribuição gratuita, favor contactar-me para apagar o link, o que farei com o maior prazer, não sem antes fazê-lo(s) ouvir algumas coisas sobre a falta de publicação dessas obras aqui no Brasil, tornando o preço de importação proibitivo. Eu tenho esse disco em vinil e, portanto, detenho legalmente o direito de ouvir essa bagaça há, deixa eu ver… 20 anos!)

Les Chants Magnétiques é um dos favoritos da infância, redescoberto há pouco tempo, embora tenha pequenas passagens que eu não entendia quando tinha 8 anos e que continuo não entendendo. O miolo da longa primeira faixa é um mero intervalo entre a introdução e a terceira parte, brilhantes. Para a terceira faixa, o francês figuraça deveria nos indicar o quê ele estava fumando quando a compôs. A última é uma rumba bonitinha, legal demais, mas é um final tão excêntrico e fora de órbita que me permanece um místério completo. Vamos ao que interessa.

A segunda faixa é uma obra-prima dos primórdios da música eletrônica como arte pop. Típico Jarre. Vendeu dezenas de milhões de discos pois, além de grande artista e compositor, sempre teve um afinadíssimo ouvido comercial. Hoje, não tocaria numa rádio nem a porrete, mas em 81 chegou a #6 nas paradas britânicas com a brincadeira.

A número quatro é uma mistura de melancolia e esperança que parece ser uma marca registrada de Jarre. Essas duas palavras, melancolia e esperança, mesmo que, juntas, pudessem dar forma a um terceiro sentimento, não seriam o suficiente para Les Chants Magnétiques IV. Leonard Bernstein tinha razão: a música pode nomear o inominável e comunicar o inconhecível.

A primeira parte da faixa de abertura tornou-se uma das mais conhecidas da carreira de Jarre, obrigatória em qualquer show. É ótima essa primeira parte, de fato, seguida de uma chapação pelas galáxias do espaço sideral que culmina na seção mais genial de todo o disco. Quando eu punha a bolacha no meu três-em-um Phillips e queria ouvir exatamente essa música, procurava pela parte menos escura, mais pro fim da faixa, e tacava lá a agulha. Com cuidado. Se bobeasse, dava aquele zzzzziiipp que doía na alma. Sorte que eu havia treinado bastante com Thriller, do Michael Jackson. Ele não sobreviveu. O disco, não o Michael. Quer dizer, bem, deixa pra lá. Tá aqui embaixo este que é o trecho mais brilhante de todos os campos magnéticos:

Uma coisa que eu nunca tinha me ligado: de um lado da capa do vinil está escrito “Les Chants Magnétiques”, do outro, “Magnetic Fields”. Sempre pensei que se tratava de mera tradução. Qualquer ignorante em francês, como eu, sabe que campos não é chants, mas champs (Champs Élysées!), mas passei batido nessa por 20 anos! O título em francês contém uma ambiguidade legal, pois chants e champs são palavras homófonas. Em inglês, ou em qualquer outra língua, perde-se a possibilidade de jogar com “campos magnéticos” e “canções magnéticas”.

Quem sabe eu me animo, mais tarde, a fazer um post sobre Rendez-Vous.

Atualização:

Achei esse vídeo raro dos concertos na China, também em 81, que deram origem a um álbum ao vivo, clássico, do Jarre. Não sei vocês, mas eu vejo em cada segundo aí a expectativa de um futuro, a esperança de profetizar um porvir mecânico, robótico e computadorizado. O futuro de 1981:

(batera moendo)

7 de agosto de 2009

Tudo certo com o Kepler

O telescópio espacial Kepler, cujo objetivo é caçar planetas extrasolares rochosos, deu uma amostra de suas capacidades, hoje. Para testá-las, o pessoal da NASA examinou um exoplaneta já conhecido, HAT-P-7b, um “Júpiter quente”. A órbita desse gigante gasoso é tão próxima ao seu sol, que leva apenas 2,2 dias para ser completada. O Kepler conseguiu distinguir algumas coisas sobre a atmosfera do planeta, inclusive sua temperatura diurna: 2377 ºC. Segundo a NASA, essa descoberta “demonstra que Kepler tem a precisão para descobrir planetas do tamanho da Terra”.

Começou a era da caça às outras Terras.

SETI no Colbert Report

O radioastrônomo Seth Shostak, do programa SETI, lançou há uns três meses o livro Confessions of an Alien Hunter: A Scientist's Search for Extraterrestrial Intelligence e foi apresentá-lo no Colbert Report, possivelmente o melhor programa de humor televisivo do Sistema Solar. Pense numa fusão de Diogo Mainardi com Reinaldo Azevedo, dê-lhe bastante senso de humor e terá Stephen Colbert, a caricatura de um apresentador ultra-reacionário. Entrevistando Seth, ele arruina, como de praxe, qualquer possibilidade de sabermos alguma coisa de interessante sobre o entrevistado, com coisas do tipo:

Colbert: Eles podem não existir, e nesse caso sua vida não tem sentido! Você pode estar mijando contra o vento.

Shostak: Dentre um trilhão de planetas, muitos serão inúteis, mas alguns podem ser algo como a Terra, a não ser que isso aqui seja um milagre. Se você acha que isso aqui é um milagre…

Colbert: (interrompendo) Eu acho sim que isso aqui é um milagre! Criado por Deus em seis dias, amigo. Isso é o que eu chamo de milagre!

Ou, melhor ainda:

Colbert: Como vocês fazem para buscar os ETs?

Shostak: Usamos grandes antenas. Nós fazemos o que a Jodie Foster fez no filme “Contato”.

Colbert: Representar? Representar e tentar ser atraída por Matthew Mcconaughey?

The Colbert Report Mon - Thurs 11:30pm / 10:30c
Seth Shostak
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Colbert Report Full Episodes Political Humor Tasers

É interessante notar que algumas das críticas jocosas de Colbert são feitas a sério por parcela considerável da comunidade científica. A última bolacha do pacote da divulgação científica, Michio Kaku, considera a ideia por trás do SETI algo bobo. A equação Drake não apenas é alvo de desconstruções críticas implacáveis como já virou piada. O SETI depende de uma grande carga de romantismo e idealismo, pra não dizer de devaneios da imaginação de seus criadores, Carl Sagan entre eles.

Mas, pensando bem, e daí? A ciência nunca deve ter totalmente os pés no chão. Ela se alimenta de sonhos. Já fui mais entusiasmado com o SETI, mas é impossível deixar de ser simpático ao programa. Continuemos torcendo para que o SETI não permaneça apenas uma bela ficção.

Edit 22h: teve gente que achou que o Colbert fala essas coisas a sério, que é um reaça de verdade. Colbert, na verdade, personifica uma sátira a alguns jornalistas reacionários (principalmente, Bill O´Reilly) da mídia de direita nos EUA, como a Fox News.

2 de agosto de 2009

Rodrigo y Gabriela

Descoberta desta manhã de domingo:


A história da dupla, segundo a Wiki: são da Cidade do México, onde formaram a banda Tierra Acida. Insatisfeitos com a cena musical na terra natal, os dois zanzaram pela Europa e se estabeleceram em Dublin. Alcançaram o sucesso. Abriram show em Wembley pro Muse, apareceram no Jools Holland, ganharam espaço na MTV americana, foram tocar no Letterman.

Tierra Acida era uma banda de thrash metal. Entre as influências listadas por estes dois grandes instrumentistas, estão Metallica, Megadeth e Slayer. Do Metallica, tocam Master of Puppets, Battery, One e a obra-prima do baixista Cliff Burton, Orion, uma das músicas mais bonitas já feitas, que você vê abaixo.



(clique aqui para o áudio da versão completa, em todo o seu esplendor)

Cliff teria ficado absolutamente extasiado.

21 de julho de 2009

Homens na Lua, homens na Terra, por Michael Collins


Little by little, they grew closer, steady, as if on rails, and I thought 'What a beautiful sight,' one that had to be recorded. As I reached for my Hasselblad, suddenly the Earth popped up over the horizon, directly behind Eagle. I could not have staged it any better, but the alignment was not of my doing, just a happy coincidence. I suspect a lot of good photography is like that, some serendipitous happenstance beyond the control of the photographer. But at any rate, as I clicked away, I realized that for the first time, in one frame, appeared three billion earthlings, two explorers, and one moon. The photographer, of course, was discreetly out of view.


Mais, aqui.

10 de julho de 2009

Futuros do passado

Com vocês, o Autotutor:


No blog do Tiago Dória, um link fantástico: um arquivo dos futuros imaginados desde 1870. Eu estou começando a sentir a aquela euforia da ignorância, prestes a conhecer alguma coisa interessante (e imagine só as possibilidades de análise que coisas como esse Autotutor podem proporcionar).
Amanhã, ou depois de amanhã, sai a minha resenha de Futuros Imaginários. Lido em boa hora.

9 de julho de 2009

McNamara e a cegueira moral, por Noam Chomsky

Em 1995, Robert McNamara publicou pela primeira vez seu mea culpa pelo desastre da guerra do Vietnã. In Retrospect reconhece "erros terríveis" que deveriam ser explicados para as "futuras gerações", mas defende que esses erros não eram de ordem moral e intencional. Ele, McNamara, e todos os outros responsáveis pela guerra das administrações Kennedy/Johnson, teriam agido "sob a luz dos princípios e tradições desta nação". Naquele mesmo ano, Chomsky reagiu de maneira ácida:



Actually, he's correct about the values. If somebody tries to disobey us, our values are that they have to be crushed and massacred. Those are our values. They go back hundreds of years, and those are exactly the values they acted upon.

[...]

There's only one criticism that he sees, or that any of his critics see, or even his supporters, the whole range of discussion, including people who were very active in the peace movement, I should say. I've been shocked by this, the people who are active in the peace movement who are saying, "We're vindicated because he finally recognized that we were right. It was an unwinnable war."

What about the maybe, if you count them up, four million Indochinese that died, something on that order? What about them? Actually, he has a sentence or two about them, and even that sentence is interesting. He talks about the North Vietnamese who were killed. An interesting fact about the book -- and you can't blame him for this, because he's just adopting the conventions of the culture that he comes from, he's completely uncritical and couldn't think of questioning it -- throughout the book the "South Vietnamese" are the collaborators whom we installed and supported. He recognizes that the population was mostly on the other side, but they're not "South Vietnamese." The attack on them doesn't appear.

[...]

On the bombing of the North, there was meticulous detailed planning. How far should we go? At what rate? What targets? The bombing of the South, at three times the rate and with far more vicious consequences, was unplanned. There's no discussion about it. Why? Very simple. The bombing of the North might cause us problems. When we started bombing the North, we were bombing, for example, Chinese railroads, which happened to go right through North Vietnam. We were going to hit Russian ships, as they did. And there could be a reaction somewhere in the world that might harm us. So therefore that you have to plan for. But massacring people in South Vietnam, nothing. B-52 bombing of the Mekong Delta, one of the most densely populated areas in the world, destroying hospitals and dams, nobody's going to bother us about that. So that doesn't require any planning or evaluation.

Not only is it interesting that this happened, but also interesting is the fact that no one noticed it. I wrote about it, but I have yet to find any commentator, scholar, or anyone else, who noticed this fact about the Pentagon Papers. And you see that in the contemporary discussion. We were "defending" South Vietnam, namely the country that we were destroying. The very fact that McNamara can say that and quote Bernard Fall, who was the most knowledgeable person, who was utterly infuriated and outraged over this assault against South Vietnam, even though he was a hawk, who thought Saigon ought to rule the whole country -- you can quote him and not see that that's what he's saying -- that reveals a degree of moral blindness, not just in McNamara, but in the whole culture, that surpasses comment.

Mais da interessantíssima entrevista com Chomsky sobre a guerra do Vietnã, aqui.

A "nossa" galáxia

Um comentário: chamamos "isso" de "nosso". Nosso por quê? "Nós" é que somos "disso", e não o contrário.

William Castleman, o autor da sequência, explica:

The time-lapse sequence was taken with the simplest equipment that I brought to the star party. I put the Canon EOS-5D (AA screen modified to record hydrogen alpha at 656 nm) with an EF 15mm f/2.8 lens on a weighted tripod. Exposures were 20 seconds at f/2.8 ISO 1600 followed by 40 second interval. Exposures were controlled by an interval timer shutter release (Canon TC80N3). Power was provided by a Hutech EOS203 12v power adapter run off a 12v deep cycle battery. Large jpg files shot in custom white balance were batch processed in Photoshop (levels, curves, contrast, Noise Ninja noise reduction, resize) and assembled in Quicktime Pro. Editing/assembly was with Sony Vegas Movie Studio 9.

Via Blog do Tas

8 de julho de 2009

Apocalypse please

Você, que não tem dinheiro pra pagar Sportv, também achou que finalmente iria assistir um jogo da Libertadores? Achou, como eu, que iria assistir à FINAL da Libertadores? Pensou que a infâmia de Bragantino x Corinthians sendo transmitido em detrimento da FINAL da Libertadores, no ano passado, havia sido reconhecida e superada?

Pois é. Fiquemos com Fluminense x Corinthians.

Nessas horas eu me pergunto por quê a Skynet ainda não acordou e mandou uma bomba H nos seguintes endereços:

Rua Von Martius, 22 - Jardim Botânico
Rua Lopes Quintas, 303 - Jardim Botânico
Estrada dos Bandeirantes, 6900 - Curicica

E uma no Parque São Jorge também, por que não?

7 de julho de 2009

A Linha McNamara

O sonho da vigilância em tempo real

Enquanto minha resenha de Futuros Imaginários, de Richard Barbrook, ainda não é publicada junto com a próxima edição da ComCiência, deixo aqui um trecho interessante sobre a guerra do Vietnã no contexto das utopias tecnológicas da Guerra Fria, que são o tema principal do livro. É uma amostra da racionalidade industrial de Robert McNamara aplicada à guerra:

Em sua luta contra o comunismo vietnamita, o exército dos Estados Unidos se deparava com um problema inesperado: medir seu progresso no campo de batalha. [...] O grande problema era como estimar o resultado das ofensivas no interior. Incapaz de medir ganhos territoriais, o exército dos Estados Unidos decidiu então focar no número de combatentes inimigos mortos em cada operação: a 'contagem de corpos' (body count). Com esse dado, seus analistas poderiam programar computadores para calcular qual lado infligia o maior dano ao seu oponente: o 'índice de mortandade' (kill ratio). O exército dos Estados Unidos possuiam agora a medida matemática da vitória. [...]

Enquanto trabalhou para a Ford nos anos 1950, McNamara melhorou drasticamente a eficiência administrativa ao usar computadores para produzir estatísticas detalhadas sobre as diferentes atividades da empresa: 'análise de custo-benefício'. Em seu novo emprego como ministro da defesa, ele incitava o exército dos Estados Unidos a aplicar esse método de alta tecnologia para fabricar carros à tarefa de lutar em guerras. Felizes em colaborar, generais tornaram-se administradores da era do computador. No Vietnã, o exército dos Estados Unidos mataria comunistas de maneira tão eficiente quanto a Ford fabricava carros em casa.


Nada, no entanto, havia conseguido aplicar um golpe mortal contra os vietcongues. Barbrook continua (notem, de passagem, a fina ironia de "bala mágica"):


Em 1967, o governo Johnson acreditava que finalmente encontrara sua bala mágica. Uma equipe multidisciplinar de cientistas criou um plano para construir uma impenetrável barreira de alta tecnologia para separar as duas metades do Vietnã: a linha McNamara. Nessa versão militar do Panóptico informacional, milhões de sensores eletrônicos - intercalados com minas e armadilhas - seriam instalados ao longo das fronteiras do estado ao sul. Robôs móveis patrulhariam os céus. Computadores colheriam e classificariam os dados dos dispositivos de vigilância da barreira. [...]

Dentro de poucos minutos de detecção das forças inimigas por seus sensores ADSID, os Systems/360 da IBM calculariam sua localização e despachariam bombardeiros B-52 para destruí-los. [...]

Em 1972, mesmo após cinco anos de testes e refinamentos, a Linha McNamara falhou em detectar um grande número de barulhentos tanques vietnamitas e outros equipamentos pesados que moviam para baixo as rotas de abastecimento do norte para lançarem uma ofensiva no sul. [...] Muito antes desse fiasco constrangedor acontecer, os custos da ocupação tornaram-se insustentáveis para o império estadunidense.



Mais sobre a Linha McNamara, aqui, aqui e aqui.

6 de julho de 2009

Sympathy for the devil

Lição número 1 da vida de Robert McNamara: sinta empatia pelo inimigo. A crise dos mísseis na visão do "arquiteto da guerra do Vietnã", abaixo.






Robert Strange McNamara, o odiado secretário de defesa dos Estados Unidos durante os governos Kennedy e Johnson, morreu hoje, aos 93 anos.

Chamado por Chomsky de "narrow technocrat", McNamara tinha ideias que talvez estivessem no oposto do que considero certo e bom pro mundo. Um "inimigo". Mesmo assim, é impossível não simpatizar com aquele velho e também aprender com as lições de sua vida.

No documentário Fog of War (torrent aqui), de 2004, McNamara reconhece erros, faz autocrítica, deixa entrever a culpa: "estávamos agindo como criminosos de guerra", diz sobre os bombardeios incendiários ao Japão, que ajudou a planejar. Projetou a guerra com a mesma racionalidade meticulosa e aposta na tecnologia que aplicou na ressurreição da Ford. "Uma vida para o complexo industrial-militar americano", poderia ser o subtítulo para uma biografia. Trabalhou duro, com muita eficiência, pela hegemonia americana na disputa da Guerra Fria.

Fog of War é dirigido por Errol Morris (que também fez o clássico A Brief History of Time, sobre a vida e as ideias de Stephen Hawking). Quando lançado, serviu de alerta para as decisões erradas da administração Bush sobre o Iraque. Significava um recado daquele experimentado senhor: "olhem aqui, criançada, isso não vai dar certo; eu já passei por isso, vocês vão fazer cagada; não se iludam com essa história de guerra tecnológica, racional, asséptica". A última lição de McNamara, que ele aprendeu às custas do próprio insucesso: a guerra não é inteiramente compreensível, racionalizável. Estamos sempre sob a 'névoa de guerra' que nos impede de enxergar adiante.

Talvez tenha sido um Adolf Eichmann com muito mais brilho e autoconsciência. "A lot of people think I´m a son of a bitch", reconheceu. Não se sabe como será lembrado. Merece respeito e empatia.

27 de junho de 2009

A demarcação da pseudociência

Uma coisa recorrente em obras de divulgadores da ciência como Richard Dawkins e Carl Sagan é o ataque à pseudociência. Tentam alertar para um perigo das sociedades modernas: aquilo que parece ser ciência pode ser uma impostura. Em linguagem clara: você pode estar levando um Porsche com motor de Fusca e lataria de plástico.

Foi mais ou menos o que aconteceu recentemente com minha mãe. Crente de que havia encontrado a solução definitiva para meu notório problema de ronco e apneia do sono, ela não titubeou em gastar 50 reais na compra de um novo “aparelho hi-tech anti-ronco”, o No Ronco. O aparelho promete acabar com o ronco ao “enrijecer os nervos da faringe” com uma “pressão no septo nasal” levada a cabo por “dois chips eletromagnéticos que emitem ondas magnéticas”, eliminando assim o ronco com uma “taxa de eficiência superior a 90%”. A bula afirma que o No Ronco é “confeccionado com as maiores e mais inovadoras tecnologias do mercado” e que seu “chip” é “sintetizado com elementos raros da natureza”.

Não é preciso ser um cientista para perceber que há algo de errado nessas promessas, que “maiores e mais inovadoras tecnologias” casadas num “chip” fabricado com “elementos raros da natureza” só podem ser uma coisa: conversa fiada de vendedor. Desmontado o “aparelho”, percebe-se que os dois “chips” são simples e prosaicos imãs. No Ronco usa o jargão acadêmico, com referências a dois campos tecnocientíficos (a informática, na moda, e o eletromagnetismo, clássico referencial pseudocientífico), para sustentar promessas ilusórias. Não há dúvidas desde o primeiro momento em que se conhece o No Ronco: é um produto pseudocientífico.

No entanto, a detecção de pseudociência não vem sendo algo totalmente racionalizável. Passa mais pelo faro – a dita intuição – do que por passos racionais e lógicos. Como o bolso de minha mãe bem sabe, é necessário responder às indagações: o quê, de fato, é a pseudociência? Como estabelecer critérios inequívocos para saber o que é e o que não é pseudociência? Qual a linha demarcatória?

Pseudociência é todo discurso, saber ou crença, que se disfarça de ciência para conseguir credibilidade (fiquemos com essa definição, por enquanto). Apesar de todos os ataques céticos, a ciência ainda tem muita credibilidade na nossa sociedade. Quantos anúncios não vêm acompanhados da chancela de "cientificamente comprovado" ou similares para atestar que seus produtos são confiáveis? Por quê os autores de livros de auto-ajuda e boçalidades semelhantes têm a necessidade de acompanhar seus nomes dos títulos de "MD" ou "PhD"? A intenção é clara. A ciência se tornou, há muito, base para decisões públicas e ainda é considerada, em inúmeras direções, nossa maior fonte de conhecimento seguro sobre o mundo. Sua roupa, pelo menos, ainda vende. E muito.

O problema maior de se definir critérios que demarquem a pseudociência é que isto se desdobra numa questão ainda mais complicada: quais seriam, então, os critérios para demarcar a própria ciência? A demarcação e identificação do que é científico ocupou filósofos e epistemólogos durante séculos, desde a emergência da ciência moderna, sem que se chegasse a um acordo. Um breve catálogo das principais vertentes na filosofia da ciência que arriscaram propor critérios gerais para a definição de ciência – só no século XX – dá conta de demonstrar o tamanho do problema: os positivistas do Círculo de Viena e a ênfase na possibilidade de se verificar uma proposição empiricamente; Karl Popper e a ideia de que uma teoria só é científica se abre a possibilidades de ser refutada por observações ou experiências que fiquem nas raias do concebível; Thomas Kuhn e a imagem da ciência normal, em que a prática científica mais comum é identificada com a resolução de problemas dados por um paradigma teórico que só de vez em quando é desafiado pelas anomalias que surgem nas pesquisas; Imre Lakatos e o critério de progressividade, em que estamos diante de ciência quando um programa de pesquisa cria novas teorias que vão substituindo as velhas pela capacidade de previsão e maior embasamento empírico; e Robert Merton e seu ethos científico, com imperativos institucionais como o universalismo, o ceticismo organizado, o senso de comunidade e o desinteresse pessoal. Não há consenso entre estas diferentes demarcações. Quando muito, há uma certa convergência em certas questões específicas.

Como afirma o filósofo Sven Ove Hansson, em texto sobre a pseudociência na Stanford Encyclopedia of Philosophy, é paradoxal que haja tamanho consenso quando o assunto é meramente identificar os campos que devam ser considerados ciência, e ao mesmo tempo tanta dificuldade para encontrar critérios gerais que demarquem com clareza o que é ciência e o que não é.

Da mesma forma, é bastante comum encontrarmos convergência em opiniões na comunidade científica - e não somente dentro dela - que classificam o criacionismo, a astrologia e a homeopatia, por exemplo, como pseudociências. A divergência está no porquê disso tudo ser pseudociência. As possíveis respostas esbarram primeiro no problema muito comum de se misturar pseudociência com anticiência, e mesmo pseudociência com todos os discursos alheios ou estranhos ao discurso científico. Basicamente, como já dito, por pseudociência entende-se um saber ou crença que, não sendo científico, passa por ciência, veste sua roupa e emula suas maneiras na tentativa de criar uma impressão de ser científico. Apesar de muito útil, este é um critério problemático: a homeopatia oscila entre colocar-se como anticiência e como ciência. O mesmo ocorre com a astrologia – atualmente, com maior tendência a se considerar realmente não-ciência ou anticiência. A questão é que não há um corpus pseudocientífico coerente em oposição ao corpus científico mais ou menos definido. E, pior, em alguns casos aquilo que pode ser identificado como ciência mal-feita (ou seja, experimentos mal conduzidos, teorias logicamente mal elaboradas, etc.) tende, em alguns casos, a ser confundido com pseudociência. A única forma de separar o joio do trigo, neste caso, seria saber se, por trás de conclusões estranhas à ciência originadas de incompetência ou distorções propositais, há uma doutrina não-científica mais ou menos coerente tentando se passar por ciência.

O que torna a tarefa demarcatória entre ciência e pseudociência algo extremamente complexo (para alguns, impossível) é que a linha divisória varia com o tempo. É histórica. Se o próprio conhecimento científico é um fenômeno histórico, como, então, estabelecer critérios universalmente aceitos para o que é científico e o que só parece sê-lo? Ainda não há respostas. O que é certo, principalmente para aqueles que algum dia foram lesados por falsas promessas fabulosas vestidas de jaleco branco e com um tubo de ensaio na mão, é que ainda é necessário encarar o problema filosófico e epistemológico de se definir o que é ciência e pseudociência, mesmo que para isso se reconheça buscar estabelecer um critério imperfeito e limitado, fruto de seu tempo.


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Este texto é uma adaptação de um outro post, só que um pouco mais formal e ao mesmo tempo mais didático e mais "jornalístico", conforme as exigências da disciplina do Prof. Marcelo Knobel, do Labjor/Unicamp.

12 de maio de 2009

Lévi-Strauss aos 101


Acabou de sair a edição de maio da revista ComCiência, do Labjor/Unicamp e SBPC. Esse mês o tema é a vida e a obra do antropólogo Claude Lévi-Strauss, o pai do estruturalismo que, hoje, dizem alguns, está fora de moda.
Minha matéria é um esboço de resposta à pergunta que fiz na reunião de pauta: qual a consequência epistemológica da noção de estrutura de Lévi-Strauss para as ciências?
Em poucas linhas, cheguei à seguinte conclusão: no fundo, Lévi-Strauss rejeita a possibilidade de avanço do conhecimento, ideia-chave da ciência moderna. Se tanto a ciência quanto o pensamento ameríndio se baseiam sobre as mesmas estruturas universais da mente humana, então as descobertas científicas nada mais são do que flutuações de uma equação, a mente, reflexo da natureza humana, do nosso caráter animal e orgânico. A humanidade compartilha uma razão, capaz de conhecer o mundo, muito mais profunda do que a razão iluminista. É uma ideia muito bonita, escrupulosamente construída e examinada, da qual discordo humildemente.
Lévi-Strauss não é o responsável, mas deu origem ao pós-estruturalismo, que está dentro do conceito vago de pós-modernismo. O relativismo radical bebe dessa fonte, mas às vezes disfarça.

Abaixo, deixo um trecho do meu texto, que explica isso tudo um pouco melhor:

A valorização do “científico”, por Lévi-Strauss, é ambígua, ou pelo menos abre um leque interpretativo bastante amplo sobre o valor da ciência. Por um lado, sua própria abordagem, em si mesma, pressupõe um forte modelo científico. José Carlos Reis afirma que “o estruturalismo impõe às ciências humanas a hegemonia das matemáticas e da lógica das ciências naturais”, tese que coincide com a de Mauro Almeida, para quem “o estruturalismo de Lévi-Strauss contribuiu para trazer às ciências humanas de maneira mais sistemática e autoconsciente o uso de modelos para representar fenômenos. O que Lévi-Strauss ensinou é que discernimos regularidades, leis, padrões, enfim ‘estruturas’ construindo tais modelos. Esse modo de fazer ciência era bem conhecido na física, e mesmo na biologia”. Por outro lado, o estruturalismo antropológico de Lévi-Strauss dá uma tremenda ferroada na ciência. Um dos pressupostos fundamentais da ciência moderna é o da possibilidade do avanço do saber. Desde seus pais fundadores do século XVII, a ciência moderna joga com a necessidade de avançar o conhecimento humano progressivamente além, mais profundamente, mais detalhadamente, com maior potencial de alteração da realidade e de controle da natureza para a felicidade humana. Por isso, de maneira geral, a ciência lida com a ideia de mudança histórica, de superação e abandono de teorias e modelos por outros que expliquem melhor e mais detalhadamente a realidade, num processo impulsionado pelos seres humanos como agentes da história. Lévi-Strauss faz um ataque claro à história e ao homem do sonho iluminista como o agente da mudança social e da sua própria liberdade. Como afirma Reis, do ponto de vista de Lévi-Strauss, “o intelecto humano é permanente e se impõe sobre a mudança histórica. As normas sociais têm uma estrutura lógica, que as mudanças históricas não abolem. A busca da inteligibilidade parte da história para aboli-la em ordens naturais permanentes, profundas. O espírito humano é sempre idêntico a si mesmo e predomina sobre o social e o histórico. Por isso, a antropologia não diferencia o ‘selvagem’ e o ‘civilizado’, pois têm a mesma estrutura lógico-intelectual, que torna irrelevante a sua aparente diferença histórica”. A conclusão seria, portanto, que a ciência moderna, fenômeno histórico característico a um determinado tempo e espaço, não difere fundamentalmente de outros saberes, mitológicos ou mágicos, todos estruturados de acordo com uma lógica universal do intelecto humano. As conquistas científicas do nosso tempo não significariam, pois, conhecimento melhor ou mais profundo: não haveria avanço do saber.

O estruturalismo de Lévi-Strauss experimentou seu auge de aceitação acadêmica nos anos 1950 e 60. Nas duas décadas posteriores, as críticas à antropologia estrutural deram origem a um movimento que procurou superá-la: o pós-estruturalismo. Vagamente identificados como pós-modernos, os pensadores pós-estruturalistas, em diversas áreas, tendem a recusar justamente as mais ambiciosas ideias de Lévi-Strauss: as estruturas universais, imutáveis, do pensamento humano. Se o estruturalismo de Lévi-Strauss recusava a racionalidade iluminista para encontrar uma outra onde menos se esperava, o pós-estruturalismo recusa qualquer racionalidade que governe o mundo. Os pós-estruturalistas “não buscam mais verdades históricas nem aparentes e nem essenciais, nem manifestas e nem ocultas. Eles recusam essências originais e fundamentais que se deveria reencontrar e coincidir.”, diz José Carlos Reis. Conclusão implícita em Lévi-Strauss, a recusa do acúmulo progressivo do saber, do avanço da ciência, torna-se explícita e radical no pós-estruturalismo. Nega-se qualquer acúmulo e qualquer avanço científico gerados racionalmente pela consciência do ser humano. 

Hoje, no meio intelectual, há uma guerra aberta acerca da ciência, sobre como ela funciona, qual o valor que damos a ela, o quê lhe devemos e o quê ela nos deve. De forma simplificada, pode-se dizer que há duas grandes tendências. De um lado, pós-modernos e pós-estruturalistas se aproximam de um relativismo epistêmico radical, hostil à ciência moderna, negando mérito à racionalidade ao mesmo tempo em que anulam o ser humano como sujeito consciente de poder mudar a história. De outro, os mais diversos e díspares herdeiros do Iluminismo procuram desafiar as correntes céticas, denunciando suas conclusões relativistas como reflexos de uma opção política de aceitação e assimilação do mundo pós-1989, o de um único sistema socioeconômico – que apareceria então como estrutura naturalizada e inquestionável: daí a recusa da mudança histórica que a ciência e a racionalidade podem proporcionar.


De onde você vem?