30 de março de 2009

Teoria dos jogos e a biologia

Abaixo, trecho de artigo de João Azevedo Fernandes sobre a interessante contribuição da teoria dos jogos para a compreensão de comportamentos "altruistas" de seres vivos que à primeira vista desafiam a "luta pela existência" da seleção natural darwiniana.


20. Axelrod e Hamilton estudaram a evolução da cooperação através do jogo conhecido como Dilema do Prisioneiro. Dois prisioneiros A e B são convidados a delatar o companheiro em troca da liberdade. As situações possíveis são as seguintes (os valores são arbitrários):

a) o prisioneiro A delata e o B não: A recebe 5 e B 1;

b) A não delata e B sim: A recebe 1 e B 5;

c) Os dois delatam: ambos recebem 2;

d) Nenhum dos dois delata: ambos recebem 3.

21. O melhor para A é delatar. Se B não delatar ele recebe 5, se B delatar recebe 2. Se A for solidário e não delatar poderá ser traído por B e receber apenas 1: assim delatar é sempre o melhor lance quando o jogo ocorrer apenas uma vez. Ora, no mundo real é extremamente comum que as interações entre dois indivíduos se repitam, o que leva a um Dilema do Prisioneiro com várias rodadas. Quanto mais avançamos na direção dos animais mais complexos estas interações tornam-se necessariamente mais ricas, já que estes - especialmente os primatas - tem uma memória muito desenvolvida e grande capacidade de processar informações, o que permite o reconhecimento de outros indivíduos e a possibilidade de punição a possíveis "trapaceiros" . A seleção natural deve favorecer indivíduos engajados em atos de altruísmo se e somente se os indivíduos beneficiados retribuírem, excluindo os trapaceiros de outros atos altruístas.

22. Ao realizar simulações de várias estratégias em computador, Axelrod descobriu que a única ESS possível em um Dilema do Prisioneiro de duração indefinida é a mais simples de todas: a "olho por olho" (TIT FOR TAT; não seria inútil lembrar a semelhança deste resultado com a estratégia Retaliator de Maynard Smith e Price).

23. A estratégia "olho por olho" permite, com várias rodadas, que se leve o Dilema do Prisioneiro ao melhor resultado possível para ambos os jogadores: a recompensa pela cooperação mútua. É assim que o altruísmo recíproco tornou-se um fator fundamental na evolução dos seres vivos, notadamente naquelas espécies com grandes cérebros e complexas organizações sociais, e que por isso mesmo apresentam maior possibilidade de ter que conviver com trapaceiros ou qualquer indivíduo que tenha a capacidade de receber um benefício sem dar nada em troca. Axelrod e Hamilton lembram que a área do cérebro humano responsável pelo reconhecimento individual é altamente específica e extensa, o que mostra a importância que esta capacidade teve no curso da evolução de nossa espécie (cf. Cronin, 1995, p.453-61, para estudos que mostram como a mente humana está adaptada para o reconhecimento de "fraudes").

29 de março de 2009

E agora, José? Qual "narrativa sobre o real" você prefere que tente salvar sua vida?

Quadrinho achado no Hermenauta (não tenho idéia de quem seja o autor// edit: como informou o Hermenauta nos comentários abaixo, os quadrinhos são os Doonesbury, de Garry Trudeau):




Ah, mas nada tira das cabeças de boa parte do meio acadêmico de que a ciência é "apenas mais uma narrativa sobre o real, nem pior, nem melhor epistemologicamente do que outras narrativas". Ouvi isso de uma professora da Unicamp, do Departamento de Políticas Científicas e Tecnológicas do Instituto de Geociências. Numa sala de aula.

Avisa lá esse pessoal que o movimento da contracultura teve o seu papel, ótimo, lindo, mas já acabou. Move on. Avisa que não é necessário ser um Nixon para se defender a possibilidade e a necessidade de haver explicações melhores do que outras sobre a realidade.

28 de março de 2009

Trechos 5 - Dawkins e o relativismo radical

Richard Dawkins costuma ser contundente com seus adversários e às vezes peca por carregar demais na tinta. Mas o trecho abaixo acerta na mosca o tiro contra o zeitgeist acadêmico atual, essa "filosofia de salão elegante" que se transformou num dogma, verdade autoevidente inatacável do nosso tempo.

Muitas vezes pensamos que é inteligente dizer que a ciência não é mais do que nosso mito de origem moderno. Os judeus tinham Adão e Eva, os sumérios, Marduk e Gilgamesh, os gregos, Zeus e os deuses do Olimpo, os nórdicos, o Valhala. O que é a evolução, dizem algumas pessoas espertas, senão o nosso equivalente moderno dos deuses e dos heróis épicos, nem melhor nem pior, nem mais verdadeira ou mais falsa? Há uma filosofia de salão elegante chamada relativismo cultural que afirma, na sua versão radical, que a ciência não tem mais direito em afirmar a verdade do que o mito tribal: a ciência é apenas a mitologia favorecida por nossa tribo ocidental moderna. Uma vez fui provocado por um colega antropólogo e coloquei uma questão claramente, do modo que se segue: suponha que existe uma tribo, disse eu, que acredita que a Lua é uma cabaça velha lançada aos céus, pendurada fora de alcance um pouco acima do topo das árvores. Você afirma realmente que nossa verdade científica - que afirma que a Lua está a 382 mil quilômetros afastada e tem um quarto do diâmetro da Terra - não é mais verdadeira do que a cabaça da tribo? "Sim", disse o antropólogo. "Nós apenas fomos criados em uma cultura que vê o mundo de outro modo. Nenhum destes modos é mais verdadeiro do que o outro.
Aponte-me um relativista cultural a 10 quilômetros de distância [altitude] e lhe mostrarei um hipócrita. Aviões construídos de acordo com princípios científicos funcionam. Eles mantêm-se no ar e o levam ao seu destino escolhido. Aviões construídos de acordo com especificações tribais ou mitológicas, tais como os aviões de imitação dos cultos de carregamento nas clareiras das selvas ou as asas coladas com cera de abelha de Ícaro, não funcionam. Se você estiver voando para um congresso internacional de antropólogos ou de críticos literários, a razão pela qual você provavelmente chegará lá - a razão pela qual você não se esborrachará em um campo cultivado - é que uma multidão de engenheiros ocidentais cientificamente treinados realizou os cálculos corretamente. A ciência ocidental, com base na evidência confiável de que a Lua orbita em torno da Terra a uma distância de 382 mil quilômetros, conseguiu colocar pessoas em sua superfície. A ciência tribal, acreditando que a Lua estava um pouco acima do topo das árvores, nunca chegará a tocá-la, exceto em sonhos.

Richard Dawkins, O Rio que saía do Éden, pp. 40-1.

23 de março de 2009

Diário, anotações, 22 de março de 2009



(...)

Então eu gritei "PYRAMID SONG!", com a certeza de que nunca seria tocada. Thom Yorke ouviu meu apelo dentre 30 mil pessoas a 50 metros de distância e disse para os roadies: "bring me the piano! Danilo is asking me to play Pyramid Song, let´s do it, Ed". E foi tocada a mais bela Pyramid Song de todos os tempos.

(...)

Foi aí que o palco ficou todo vermelho, como havia ficado todo vermelho em Tóquio antes de que fosse tocada a primeira música do Radiohead que sequestrou meus neurônios. Phil Selway bateu duas vezes nos tons da bateria com aquelas baquetas de ponta gorda. Colin Greenwood deu outra dica tocando aquela linha de baixo e seu irmão Jonny, a da guitarra. E, desde então eu sabia, nada mais poderia impedir que a mais perfeita Optimistic fosse executada.

(...)

A música que começava a sair do violão de Thom Yorke, Exit Music, era a mais inesperada de todas as músicas da noite e a cada segundo dela eu sabia que se produzia um momento inesquecível, particularmente inesquecível, para duas pessoas que se abraçavam e se beijavam em outro plano sem olhar por um segundo sequer para o palco. Everything in its right place, in its right place, in its right place. É, Thom, você tem razão.
(...)
The head of state has called for me by name, but I don´t have time for him. It´s gonna be a glôôooôôoorius daaaay. Está sendo, obrigado. We are standing on the edge, Thom.
(...)
Creep, por fim, me lembrou que o show não era só pra mim e pra ela, mas para outras 29.998 pessoas naquele descampado. O que, também, não deixava de ser lindo.

___


Ah, qual o problema em, por duas horas e meia, ser romântico, sentir-se no centro do mundo? Dizem que Luis XVI, no dia 14 de julho de 1789, escreveu em seu diário: "Nada". Se eu também escrevesse um, registraria lá no dia 22/03/09: "Tudo".

22 de março de 2009

Trechos 4 - Radiohead!

É hoje. Daqui a pouco.

Os cinco vídeos que postei como contagem regressiva para o show de hoje foram retirados da apresentação de 5 de outubro do ano passado, na arena Saitama, em Tóquio. Para quem quiser baixar o show inteiro (4GB), aqui está o link para o torrent. Não é a melhor performance do Radiohead que já vi. Mas é a mais atual e bem gravada.

Antes de ir pro show, deixo a letra de Idioteque que, tenho certeza, vou ouvir lá. Pra mim, nenhuma outra poesia/música captou tanto o mundo quanto essa:

Who's in the bunker? 
Who's in the bunker?
Women and the children first 
And the children first 
And the children 
I laugh until my head comes off 
I swallow till I burst 
Until I burst 
Until I 

Who's in the bunker?
Who's in the bunker?
I have seen too much 
You haven't seen enough 
You haven't seen it 
I laugh until my head comes off 
Women and the children first 
And children first 
And children 

Here I'm allowed
Everything all of the time 
Here I'm allowed
Everything all of the time 

Ice age coming 
Ice age coming
Let me hear both sides 
Let me hear both sides 
Let me hear both 
Ice age coming
Ice age coming 
Throw them in the fire 
Throw them in the fire 
Throw them in the 

We're not scaremongering 
This is really happening 
Happening 
We're not scaremongering 
This is really happening 
Happening 
Mobiles quirking 
Mobiles chirping 
Take the money and run 
Take the money and run 
Take the money 

Here I'm allowed
Everything all of the time 
Here I'm allowed
Everything all of the time

Rádiocabeça 1 - (Optimistic)

This one´s optimistic
This one went to market:

you can try the best you can
if you try the best you can
the best you can is good enough
you can try the best you can
try the best you can
the best you can is good enough





É hoje.

21 de março de 2009

Rádiocabeça 2 - (Arpeggi/Weird Fishes)

Arpegios   ,     in the deepest ocean   ,     the bottom of the sea

.
.
.

                                                    your eyes
                                                       they turn me


É amanhã.

20 de março de 2009

Rádiocabeça 3 - (All I Need)

You´re all I need                                                       You´re all I need

You´re all I need

I´m in the middle of the picture
Lying in the reeds



19 de março de 2009

Rádiocabeça - 4 (Everything in its right place)

everythiiiiiing
everythiiiiiiiiing
everythiiiing
everythiiiiiiiiiiiiiiing 
                                                                                                    
                                                      in its right place
                                          in its right place
                                          in its right place

   yesterday i woke up sucking a lemon

                there are two colours in my head


what. what... what?

what was that you tried to say?



(clique em HD e veja o vídeo em 720p, tela cheia, pra chapar o côco)

18 de março de 2009

Rádiocabeça - 5 (There There)

Cinco músicas para o dia 22 de março de 2009. Uma por dia.

(sugestão: aperte a tecla HD e assista em tela cheia)

There There




in pitch dark
i go walking in
your landscape.
broken branches
trip me as i speak.
just because you feel it
doesnt mean it's there.
just because you feel it
doesnt mean it's there.

there's always a siren
singing you to shipwreck.
(don't reach out, don't reach out)
steer away from these rocks
we'd be a walking disaster.
(don't reach out, don't reach out)
just because you feel it
doesn't mean it's there.
(there's someone on your shoulder)
just because you feel it
doesn't mean it's there.
(there's someone on your shoulder)

there there

why so green and lonely?
heaven sent you to me.

we are accidents
waiting
waiting to happen.
we are accidents
waiting
waiting to happen.

15 de março de 2009

Hora do pesadelo

Apreciem uma originalíssima mistura de filme russo antigo sci-fi trash, animação e CGI em forma de videoclipe. Os soviéticos têm uma arma bioquímica nas mãos e não estão com medo de usá-la! Eis o clipaço novo do Metallica:


Metallica - All Nightmare Long
Go, go, go CCCP! Por essa você não esperava, Robert Macnamara!

Dois comentários:
1. A música é uma das melhores do Death Magnetic. Os riffs, as palhetadas, o vocal agressivo, o solo rápido, a bateria frenética, tudo nela é tradicional. O nome e a letra são ainda mais explícitos nessa busca pelas raízes: como reconhece o próprio James Hetfield, tenta-se resgatar as referências à mitologia do escritor H.P. Lovecraft, o papa das bandas de metal dos anos 80. Mas, inexplicavelmente, há algo que cheira a novidade. Talvez seja uma forma nova, original, de usar os clichês. Não é autoparódia, também não é mera autoreferência: é alguma outra coisa. O vídeo não poderia ser melhor tradução da música. Sensacional.
2. O final é genial. É como se REC tivesse sido gravado há 50 anos.
3. A representação da ciência e dos cientistas no vídeo é a reprodução de um dos lados dessa moeda durante a Guerra Fria: cientistas frios, cínicos, servos do complexo industrial-militar; a ciência é um cavaleiro do apocalipse. Alguém aí conhece obras relacionadas ou específicas sobre (história das) representações de ciência na arte russa ou americana durante a Guerra Fria? Por favor, quem souber, me dê dicas nos comentários.

Ciência por quê?

Dica de Carlos Fiolhais, do De Rerum Natura:


Why is Science Important? from Alom Shaha on Vimeo.

É um trabalho muito bem feito de divulgação científica. Alom Shaha, professor de ciências, ouviu diversos cientistas para tentar responder à questão que dá nome ao pequeno filme. De todas as respostas (que se complementam sem problemas), a do astrônomo Seth Shostak me soou especialmente simples, profunda e inteligente. Em tradução livre, fica mais ou menos assim:

A ciência é, simplesmente, nosso futuro. A maioria das pessoas pensa na ciência como aquilo que torna possível uma vida melhor. Ela certamente cumpre esse papel. Mas a ciência pode nos proporcionar mais do que la dolce vita. Ela pode transformar um acidente da evolução num pequeno planeta rochoso em um fato significativo do universo.

A última frase é lapidar, e não por acidente: Shostak é pesquisador do programa SETI, na Califórnia.

Estoque de embustes


Vocês que gostam de automobilismo de verdade vão rir pra não chorar. No seu (fraquinho) blog Voando Baixo, Rafael Lopes descreve como será a abertura da Stock este ano:

"A primeira corrida, no dia 29 de março, será disputada normalmente, inclusive com pit stop, até os 10 minutos finais, quando deverá começar a transmissão ao vivo da Rede Globo. Então, entrará o safety car (nesse caso, não será safety car, e sim pace car) na pista, todos os pilotos serão agrupados e será dada a bandeira verde."

WTF?

Rafael é empregado da Globo. Como ele repercute a própria notícia? "Será que a tática correta será economizar os pneus trocados durante o pit stop? E como fazê-lo sem perder posições? Uma nova variável no jogo tático..."

Haaaaaja coração!

via Blog do Gomes

PS: Por trás da Stock (ou Estoque, segundo o Flávio Gomes) estão os equívocos da CBA e os interesses da Globo que acabaram por quebrar o automobilismo de monopostos aqui no Brasil. Restou esse arremedo de categoria, depósito de refugos de carreira internacional, anabolizada por fabricantes farmacêuticos. As montadoras participam da brincadeira só de mentirinha. Por fora, os carros parecem diferentes: Chevrolets, Peugeots, Mitsubishis. São todos a mesma coisa, o mesmíssimo carro. Tudo é padronizado. As possibilidades de inovação são nulas e de acertos, limitadas.

A Stock é uma farsa. Nada mais significativo, portanto, do que esse reagrupamento para 10 minutos de TV ao vivo. Ou melhor, tem algo mais significativo do que isso, sim: o relatório de retorno de mídia da categoria, do ano passado. Confiram, por favor (tempo estimado de leitura: 0,171 segundos). Leram? Pois é. E o site oficial da Globo/Stock ainda disse que "essas e outras análises estão detalhadas no Retorno de Mídia 2008". Qual é a palavra mais engraçada dessa frase? "Essas", "outras", "análises" ou "detalhadas"?

Investidores, querem recuperar as perdas com a crise? Invistam na Stock. La garantia soy jo.

14 de março de 2009

Mas o sangue anda solto, manchando os papéis, documentos fiéis, ao descanso do patrão

Lei, Ordem e Progresso


Você viu Tropa de Elite? No cinema, todo mundo aplaudiu o Bope. Bandido bom é bandido morto! 
A solução para as drogas são leis mais duras. Maconheiro tem que ir em cana. Deus me livre meu filho se envolver com tóchico!
Tem bandido por aí porque as leis são muito brandas e a polícia é muito mole. Cadê a pena de morte? Cadê a prisão perpétua? Bom era o tempo do Coronel Ubiratan!
Os defensores dos "direitos humanos" se preocupam com bandidos. E os direitos humanos das vítimas?
Esses sem-terra são tudo um bando de vagabundo. Você viu que tem gente no MST que tem casa e carro? Como pode? Depois reclamam quando morre um ou outro invadindo a terra dos outros.
Esse país é uma vergonha mesmo. Só tem político corrupto! É mensalão, é dossiê...
Olha, pegaram um banqueiro envolvido com corrupção! Mas, também, que exagero... precisava algemar assim, fazer esse espetáculo todo? Essa polícia federal só quer holofote, viu!
Olha lá, mais um escândalo: o tal do delegado que prendeu o banqueiro parece que bisbilhotou meio mundo. Esse cara é perigoso! A gente corre o risco de viver num estado policial, uma nova ditadura! Ditabranda? (risos) Não, é sério. O delegado usou agentes secretos da Abin pra monitorar um monte de gente inocente. Onde isso vai parar? É dólar de Cuba, é espionagem, é conselho de imprensa... daqui a pouco taí o comunismo, confiscam a empresa, os carros...
Alá: o delegado fez o que fez a mando da presidência! Eu sabia que tinha o dedinho do Lula no meio (risos).
Aliás, a Veja dessa semana chegou? Quero ver o que o Reinaldo Azevedo tem a dizer.
O que? Ah, não se preocupe. Já disse que o contador vai dar um jeitinho na declaração esse ano. Todo mundo faz isso... além do mais, a gente já paga imposto demais!

13 de março de 2009

O Iluminado

Rubens Barrichello fez o melhor tempo dos testes com o velotrol da BrawnGP

Sempre torci pelo Barrichello. Nunca deixei de achar que ele era melhor do que Mika Hakkinen ou Jacques Villeneuve, dois campeões da era Schumacher a bordo de foguetes muito melhores que a concorrência. Foi, fácil, o melhor e mais talentoso companheiro de equipe que o alemão teve. Ganhou algumas corridas fantásticas, deu show em algumas outras em que não venceu. A maioria das vezes, se destacou na chuva. A chuva separa os bons dos excelentes.
Quem é aficionado sabe que Rubens Barrichello é um excelente piloto de Fórmula 1. Mas sabe, também, que ele tem a boca mais mole do que pneu de classificação e um péssimo senso estratégico com relação a sua imagem. Não parece ser um cara inteligente. Erra mais fora das pistas do que dentro. Sua lista de erros é extensa.
Quando Senna morreu, o então Rubinho sujeitou-se a carregar a cruz de redentor do povo brasileiro sobre quatro rodas. Sabia que era uma forma de monopolizar a atenção da Globo mídia, buscar patrocinadores fortes, conseguir vaga nas grandes equipes. Só não parecia saber que o risco de o tiro sair pela culatra era enorme. Um piloto esperto, na situação em que Rubens se encontrava (início de carreira numa equipe mediana), jamais aceitaria o peso colossal de sucessor de Senna. Um Piquet pai, por exemplo, despistaria sem deixar dúvidas a responsabilidade de carregar a tocha de um semi-deus morto. Era óbvio que a pressão por resultados iria cobrar a dívida com juros exorbitantes, especialmente quando se promete lutar por vitórias com uma Jordan.
Alguns anos como alvo da chacota nacional não pareceram ter efeito sobre o bocamolismo barrichelliano. Quando foi escolhido, com muita justiça e atraso, para ser o companheiro de Schumacher na Ferrari, Rubens soltou uma de suas maiores pérolas: "não sou o piloto número 2, sou o piloto 1-B". Foram ao todo seis anos à sombra do companheiro de equipe, exceto por um curto período de tempo em 2002 quando, familiarizado com a equipe, pareceu dar mostras de que poderia ser competitivo contra Schumacher. Então, a Ferrari tratou de mostrar ao mundo - numa situação em que qualquer um pegaria o boné, daria tchau e bença - que nº 2 ou nº 1-b, Barrichello estava abaixo na hierarquia de qualquer forma, e assim permaneceria até sair da equipe.
A falta de sensibilidade e cuidado com o que vai-se dizer para jornalistas continuou uma regra na carreira de Rubens. Em 2006, foi buscar novos ares na Honda. Nos testes de inverno, quando ele e Button viraram tempos competitivos e parecia que os japoneses iriam cumprir o projeto de uma equipe vencedora, o boca-mole mais uma vez não aguentou e soltou, para todos os microfones: "estaremos no topo". Como se fosse punição sobrenatural pelo otimismo exacerbado, propagado aos quatro ventos, terminou a temporada na sétima colocação, com 30 pontos, pouco mais da metade do que conseguiu seu companheiro de equipe. Nos dois anos seguintes, amargou o fundo do grid com carros de rendimento bisonho.
A carreira de Barrichello esteve liquidada desde o final do ano passado. Não haveria espaço para ele num grid de Fórmula 1 em 2009, nem na Honda, nem em nenhuma outra equipe. Mas veio a crise econômica. A Honda, que testava Bruno Senna e Lucas di Grassi para o próximo ano - fecharia com o primeiro - saiu de cena em 2008 e foi comprada por Ross Brawn, que trabalhou com Rubens desde os tempos de Ferrari e sabe que, neste momento, a nova equipe precisa mais de um piloto experiente do que de um estreante. Enquanto o mundo quebrou, Rubens ganhou uma sobrevida.
A BrawnGP foi a última a aprontar o carro para a temporada que começa daqui a pouco, dia 29 de março. Carenagem branca, vazia de patrocínios, a sensação ao olhar para as fotos do carro é a do improviso. Mas como diz o outro, o mundo dá voltas, e os melhores tempos dos testes de inverno em Barcelona é, quem diria, da improvisada Brawn. Do dia para a noite, Barrichello deixou de ter que agradecer ao Deus Mercado pelas bagunças que lhe garantiram um lugar no grid para virar um dos mais sérios candidatos a vitórias. Comecei a pensar que não seria nada mal se Rubens tivesse uma temporada verdadeiramente redentora, vencendo algumas corridas, quem sabe lutando pelo título e, por que não, sendo campeão em seu último ano de Fórmula 1. Capacidade ele tem e seria o cala-boca máximo a quem o ridicularizou a carreira toda. Torceria muito por isso. Ontem, Rubens fez o melhor tempo novamente, e disparado. O único senão é que o jogo ainda nem começou. E, claro, depois do susto de quase ter sido aposentado à força espera-se o comedimento, a prudência e a humildade nas declarações de Rubens Barrichello, não é?
Depois do treino, Rubens disse: "Eu sou iluminado, sempre fui iluminado".
Tomara que se lasque.

12 de março de 2009

Catálogo de exoplanetas

O De Rerum Natura linkou um catálogo de planetas extrasolares feito pela Sociedade Planetária (sim, aquela, fundada por Carl Sagan, entre outros). Trata-se de uma ferramenta maravilhosa porque é possível comparar facilmente dois planetas, inclusive os do "nosso" sistema solar, em uma infinidade de dados (massa, tamanho, período orbital, data e método de descoberta, etc.).
Cada planeta tem uma animação de sua órbita.
São 335 os exoplanetas no catálogo, 342 os que sabemos existir até a presente data.
Se o número tende a aumentar muito com o Corot (já em atividade) e agora com o lançamento do Kepler, talvez com programas mais sofisticados como o PLATO seja possível começar a juntar evidências para a idéia de que a formação de planetas seja algo inerente ao desenvolvimento das estrelas - se não de todas, pelo menos da maior parte delas. Estou falando de coisas num futuro próximo. Será um privilégio testemunhar essas descobertas. Somos todos uns privilegiados, às vezes.

Concepção artística do exoplaneta HD 189733b, em cuja atmosfera o telescópio espacial Hubble permitiu descobrir a presença de metano, molécula orgânica e tijolo da vida como a conhecemos. Clique aqui para uma versão da imagem em alta resolução.

Créditos da imagem: NASA, ESA, e G. Bacon (STScI).

11 de março de 2009

A small victory

Me inscrevi na seleção de pós-graduação em jornalismo científico do Labjor, da Unicamp, com aquele artigo improvisado sobre C&T. Depois de provas e entrevista, passei.

Isso quer dizer que, em breve, pode ser que eu faça o caminho inverso à tendência: do blog à publicação formal. Who knows? E o blog, talvez, fique menos errático.

Tinha me esquecido, aliás, de como é bom ser aprovado em alguma coisa. Fazia muito tempo que não prestava qualquer tipo de seleção, tirando o último concurso em que fiquei em 17º, mas que valia 10 vagas (argh!). É óbvio, mas é verdade: tem que dar a cara a tapa. Não sei que parte de "o pior que pode acontecer é não passar" eu não havia entendido. Como isso atrasa a vida! Tem o mestrado no fim do ano. Simbora.

10 de março de 2009

Está valendo!

olho no lance:
foi foi foi foi foi foi foi foi foi foi foi foi ELE!
OBAMA!
o CRAQUE da Casa Branca!
ela foi lá,
balançou o mato no fundo do gol da direita religiosa!
quando eram jogados, redondos, 50 dias de governo!
encha o peito, solte o grito da garganta e confira comigo no replay:





9 de março de 2009

O dia em que torci pro Corinthians

Ou O Curioso Caso de Ronaldo Nazário.


Créditos da imagem: Nelson Coelho, Diário de S. Paulo

7 de março de 2009

Como detectar planetas extrasolares

Desde uma inesquecível aula sobre o tema com um astrônomo argentino (de quem, porém, não me lembro o nome) no Observatório Nacional, eu tento explicar para as pessoas - geralmente incautos que não têm a mínima idéia de onde foram se meter - as duas principais formas de se detectar planetas extrasolares, até hoje. A mais compreensível delas é a do trânsito: se dermos sorte e a órbita do planeta estiver horizontalmente orientada para nós, veremos uma diminuição periódica no brilho da estrela observada - eis o planeta. A outra maneira mais usada de detecção usa o Efeito Doppler, mas provavelmente por causa da minha notória incompetência em física, as pessoas nunca parecem entender. É uma pena, embora a explicação também seja razoavelmente simples, e extremamente bonita.

Não, fiquem tranquilos. Não vou aborrecê-los com meu profundo (sic) conhecimento de física teórica. Mas, aproveitando o ensejo do lançamento do telescópio Kepler, que tal saber: como é que uma coisa corriqueira da física como o Efeito Doppler pode nos ajudar a detectar planetas extrasolares? São três vídeos.

Primeiro, o próprio. O que é o Efeito Doppler?




Segundo: o que é o redshift? (Foi com o redshift das galáxias que a teoria do universo inflacionário de Hubble apareceu, mas eu também não consigo ter muito sucesso tentando explicar isso).




Terceiro, e finalmente: como, então, isso tudo é usado para se detectar planetas extrasolares?


Got it?

O melhor de tudo é que, agora que sabe como detectar planetas extrasolares, você vai querer perturbar um monte de incautos por aí com suas explicações. E, talvez, despertar o maravilhamento pela ciência e pelo espaço em algum deles.

PS: Veja também o artigo da Wiki para um panorama geral dos métodos de detecção de planetas extrasolares. A descoberta de planetas orbitando pulsares é, também, uma coisa fantástica, mas o artigo da Wiki deixa a desejar. Melhor, muito melhor, aqui.

Edit: que preguiça! Uma pesquisinha de 5 minutos me deu o nome do astrônomo com quem tive aula: Fernando Roig. Ótimo professor. 
Com Google não existe mais desculpa.

Somnium

Há algumas horas, a Nasa lançou no espaço o telescópio espacial Kepler, que vai observar um campo com mais ou menos 130 mil estrelas em busca de planetas rochosos, parecidos com os do sistema solar, como a Terra ou Vênus. Os primeiros resultados chegam daqui a três meses. Não desgrudem do site oficial. Junto com o Corot, o Kepler será o responsável pela primeira busca sistematizada por planetas rochosos em órbitas habitáveis. Na melhor das hipóteses, a descoberta de planetas extrasolares parecidos com a Terra tenderá a ser corriqueira no noticiário científico dos próximos anos. Na pior, saberemos mais sobre sua raridade e onde tendem a se formar. 
A minha aposta é, claro, que teremos evidências abundantes de uma torrente de planetas extrasolares rochosos no espaço vizinho. Johannes Kepler também apostaria nisso.

4 de março de 2009

Distância - trechos 3 (Hemingway e as touradas)


Carlo Ginzburg, um intelectual, historiador, de cujos ensaios gosto muito, publicou há alguns anos uma coletânea deles em Olhos de Madeira. Todos os nove ensaios do livro tratam de um problema que atravessa literatura e epistemologia: o distanciamento. Trata-se de um problemaço sem solução à vista, mas que vale à pena encarar. Ele inspira tanto estes comentários, quanto a seleção do trecho de O Sol Também se Levanta, de Ernest Hemingway, mais abaixo.
Visões canônicas de ciência e filosofia indicam que o conhecimento deve ser objetivo, isto é, resultar da análise livre das vontades e paixões que o distorcem. Ser objetivo é distanciar-se do objeto, apagar as familiaridades para que se possa conhecê-lo e não ser inteiramente tragado por ele. Na literatura, a distância aparece como procedimento que oculta da descrição aquilo que é óbvio, tacitamente aceito, que dá sentido a algo. O intuito está próximo da objetividade epistemológica: desnudar a realidade e encará-la criticamente.
Assim, um belo filé de pintado pode muito bem ser descrito como "cadáver de peixe". Ou, como conta minha prima, no bandeijão da Unicamp, carne moída é "boi ralado". Quem nunca ouviu aqueles chatos que não gostam de futebol dizer que não são chegados a "ver um monte de homem correndo atrás de uma bola" ou mulheres avessas às corridas de carro afirmarem jocosamente que não entendem como alguém pode gostar de assistir "aquele monte de carro dando um monte de volta pra terminar no mesmo lugar"? Todas elas são descrições aparentemente e propositalmente descabidas, mas têm uma razão muito clara de existir.
Desqualificar, retirar as qualidades tacitamente aceitas, é uma forma de racionalização válida. A deserção da Honda, que pegou o mundo da Fórmula 1 de surpresa, tem motivações frias, distantes e compreensíveis no cenário de crise internacional. Mas foi uma decisão odiosa, para mim. Eu gosto de Fórmula 1. Tanto quanto gosto de futebol. Paguei 30 reais para assistir ao dérbi. Por mais que eu veja verdade em "um bando de homens correndo atrás de uma bola", esta descrição simplesmente não é suficiente para entender e explicar minha experiência na platéia daquele jogo.
Um ser humano apaixonado aceitaria que sexo é "esfregação de uma víscera e secreção de muco acompanhadas de espasmo"? Meu pai tem um adesivo da Ponte, que ganhou de uma namorada, em que se diz: "Paixão não se explica, se vive". Por mais que algumas circunstâncias tenham me impelido a explicar minhas paixões - "por que você torce pra Ponte Preta?" é a segunda pergunta que mais ouço e odeio ouvir (a primeira é a célebre "tá bom, mas pra qual time grande você torce?") -, qualquer justificativa está além da minha capacidade de racionalização, e começo a achar que a ingênua frase de porta de geladeira pode colocar sérias barreiras para o distanciamento como supremo dispositivo de desnudamento da realidade.
Penso nas touradas. Sempre me pareceram algo abjeto, horrível, sem sentido, um assassinato sem razão de ser. Da mesma forma com que Voltaire ridicularizou filósofos e teólogos, em Micromegas, colocando um extraterrestre para tentar entender as idéias dos minúsculos seres humanos com quem travou contato, é trivial para nós, alienígenas à cultura de Pamplona, desqualificar as touradas. "Uma multidão de animais assistindo e vibrando com um animal de sua espécie assassinando outro animal, de outra espécie, sem motivos" é o que diríamos nós, os alienígenas. É fácil. Estamos de fora, ao mesmo tempo em que nos abrigamos confortavelmente debaixo da amplamente segura correção das idéias de proteção e respeito aos outros animais, à natureza e ao meio-ambiente.
Ler Hemingway, sua descrição belíssima da arte do toureiro, da fiesta de Pamplona e da afición de seus amantes, complica tudo. Se a familiaridade nunca deve servir de justificativa, a distância também tem sérias dificuldades para apreender a misteriosa, talvez irracionalizável, afición humana pelas coisas mais improváveis e absurdas.


Páginas 140-2 de O Sol Também se Levanta:
Montoya pôs a mão no meu ombro.
- Vejo-o lá.
Sorriu novamente. Sorria sempre, como se as touradas tivessem um sentido especial para nós ambos, como se houvesse um segredo muito chocante, mas bastante profundo, que ambos conhecíamos. Sorria sempre, como se nesse segredo houvesse algo de obsceno para os outros, porém muito compreensível para nós. Não se deve divulgar um segredo entre pessoas que não compreenderiam.
- Seu amigo também é aficionado?
Montoya sorriu para Bill.
- Sim, veio de Nova York para ver os San Fermines.
- Realmente? - Montoya mostrou um ceticismo polido.
- Mas não tão aficionado quanto o senhor.
Pôs novamente a mão sobre meu ombro, constrangido.
- Sim - disse eu. - É um verdadeiro aficionado.
- Mas não aficionado como o senhor.
Afición significa paixão. Um aficionado é aquele que gosta apaixonadamente das touradas. Todos os bons toureiros iam para o Hotel Montoya. Isto é, os verdadeiramente possuídos pela afición. Os toureiros "homens de negócios" vinham possivelmente uma vez, mas não voltavam. Os bons vinham todos os anos. Montoya tinha as fotografias deles em seu quarto. As fotografias eram dedicadas a Juanito Montoya ou à sua irmã.
As fotografias dos toureiros nos quais Montoya acreditava realmente eram emolduradas; quanto às dos que não tinham afición, Montoya as conservava numa gaveta de sua secretária. Tinha geralmente dedicatórias muito lisonjeiras, porém nada significavam. Um dia ele tirou todas e jogou-as na cesta de papéis. Não as queria junto de si.
Falávamos sempre de touros e toureiros. Havia vários anos que eu me hospedava no Hotel Montoya. Nunca conversávamos muito tempo de cada vez. Era simplesmente o prazer de descobrir nossas impressões recíprocas. Chegavam homens de cidades distantes, e antes de deixar Pamplona paravam alguns minutos para conversar com Montoya sobre touros. Esses eram aficionados e tinham sempre certeza de conseguir quartos, mesmo com o hotel lotado. Montoya apresentou-me a alguns. Mostravam-se geralmente polidos no início; e depois, quando sabiam que eu era americano, achavam engraçado. Supunha-se, por assim dizer, de antemão, que um americano não podia ter afición. Talvez a simulasse ou a confundisse com entusiasmo, mas não podia senti-la realmente. Quando viam que eu possuía afición - e para isso não era preciso senha nem perguntas preparadas com antecedência e era antes uma espécie de exame oral, espiritual, com as questões sempre na defensiva e nunca aparentes -, tinham o mesmo gesto de pôr a mão sobre o ombro da gente, ou um mero buen hombre. Mas quase sempre havia contato físico. Pareciam ter necessidade de tocar, para ter certeza.
Montoya desculpava tudo num toureiro que tivesse afición. Desculpava os ataques de nervos, o pânico, os erros inexplicáveis, toda a sorte de lapsos. Em suma, àquele que possuía afición, Montoya perdoava tudo. Perdoou-me imediatamente por todos os meus amigos. Sem dizer coisa alguma, considerava-os simplesmente como algo um pouco vergonhoso entre nós, como o ventre rasgado dos cavalos, nas touradas.


De onde você vem?