Meu irmão, hoje é seu aniversário. Você completa 13 anos. Hoje, o dia é seu.
Eu tinha 13 anos quando você nasceu, meu irmão. O mundo era só meu. E então, tive que dividí-lo com você. Foi uma das melhores coisas que me aconteceram. Eu não mais era o centro. O sol não mais brilhava só pra mim. Aos poucos, comecei a tomar consciência de mim mesmo.
Não foi fácil aquele ano. No começo, voltamos pra Salto. A tênue adaptação que tínhamos construído em Piracicaba foi deixada pra trás. Mas estaríamos, enfim, num ambiente familiar. Pra mim, não foi nada disso. Me sentia um estranho na cidade, na escola. As pessoas haviam mudado muito, meus antigos amigos haviam mudado muito. Fiquei fora do mundo.
Passei a depositar cada vez mais familiaridade e realização na figura do herói, o meu herói. Lia compulsivamente sobre ele. Lia e relia um livro de Christopher Hilton, "A Face do Gênio", cuja escrita rápida e cortante moldou muito do meu gosto e do meu jeito de escrever. Estava me preparando para 16 domingos de alegria naquele ano. Então veio Schumacher, e veio a tragédia.
Se puxar lá no fundo, ainda sinto um pouco do calafrio que percorria o meu corpo à espera das notícias lá da Itália. E quando vieram, foi... foi... Tentava disfarçar, como se não estivesse tão abalado. Mas já começava a questionar o mundo. Senna não morreria nunca. Viveria pra sempre, venceria pra sempre. Mas morreu. E estava agora sendo velado, enterrado, fim de papo.
A coisa ficou muito pior quando, pouco tempo depois, o Vinicius morreu. Vinicius não era um dos chapas, não era próximo, mas gostava de discutir corridas, carros, motos. Vinicius morreu. Atropelado. Andando de bicicleta. Tinha minha idade, estava na minha classe. E morreu.
Aconteceu com o Senna e com o Vinicius. Poderia acontecer comigo. De repente, o terror do mundo e da realidade tinham caído como uma bigorna ACME na minha cabeça. Comecei a me dar conta da minha fragilidade. E o que poderia ter me levado ao fervor religioso acabou me puxando pro lado oposto. Enxerguei a missa para o meu amigo como uma farsa. O alento teria de vir de outras fontes.
Então, você surgiu. Me lembro do seu choro, e do choro de todos os presentes naquele quarto de hospital. Você era cabeçudo e chorão. Não mudou nada. Cabeçudo e chorão. Eu não chorei. Mas fiquei com uma baita vontade de chorar. Fingia mal, muito mal.
Você tinha um mês, apenas, quando eu vi o Brasil ser tetra, na casa do tio. O Dr. Gilberto não gostou. Preferia que tivesse perdido a Copa a vencê-la nos pênaltis. Eu adorei, claro. Você estava no quarto, com a mãe e o pai, ouvidos protegidos da gritaria e do rojão. E chorando, claro. E nós ali, também chorando. Com um sorriso no rosto. O "tema da vitória" tocava.
Acompanhei o seu rápido desenvolvimento num constante estado de surpresa e excitação, apesar de não demonstrá-lo. Eu ficava imaginando quando você tivesse uns sete, oito anos. Minha imaginação não ia além disso. Mas era intrigante. Como seria? Como você seria? Como eu seria?
E agora você tem 13. Você tem 13 anos. A mesma idade que eu, quando passei por esses turbilhões violentos. Você está enfrentando os seus, eu sei. Sei também que crescer é um frio constante na espinha. Eu mesmo ainda sinto isso. E quero que você saiba que estamos juntos, sempre estaremos, desde o dia 11 de junho de 1994. Enfrentamos e enfrentaremos juntos os terrores, as agonias, os prazeres e as alegrias do mundo.
Bri, o Tato te ama.
Feliz aniversário!
Tosse, tosse, risadas!