28 de junho de 2007

Radiohead - parte 4

How to Disappear Completely

ou

A Impossibilidade de um Cientista Pós-Moderno



Construo, não descubro, pois não há o que descobrir. Não existe maneira de acessar a realidade, pois a realidade não existe objetivamente. O mundo não passa de representação. Tenho consciência de estar na prisão da cultura. A cultura é dona dessa prisão. De vez em quando ela vem à minha cela e me diz o que o mundo é e o que o mundo não é. Assim como outras culturas falam a outros indivíduos sobre o mundo. Para mim, o mundo é x. Para outro, o mundo é y. Meu mundo e o dele são incomparáveis, visto que nossas culturas não se entendem sobre um mundo que não existe fora delas.

Minhas teorias são ficções, os experimentos e os resultados, ilusões. Meus instrumentos espremem o mundo dentro do recipiente da minha teoria. Preciso dizer que o mundo é infinitamente maleável?

Minha atividade não tem status epistemológico privilegiado. Quer dizer, dedico a vida a uma atividade que não se eleva sobre nenhuma outra, não tem mais mérito na tarefa de conhecer o mundo do que as outras incontáveis ocupações humanas. Não me iludo sobre a verdade. Verdadeiro e falso são a mesma coisa. Os outros me dizem o que é verdadeiro e o que é falso, e eu mesmo me arrisco a dizer o que é um e o que é outro. Eu escolho o que é verdadeiro, assim como os outros antes de mim escolheram. Eu mesmo sou reflexo das escolhas dos outros. Tudo é escolha. O mundo não se reflete em mim, eu me reflito no mundo.

Sou um pedreiro (sem planta) do cosmos.

Eu não existo.
I´m not here.
I´m not here.

Como vamos?

E agora?
O que pensar?
O que fazer?
Como perder?
Como ganhar?
Como viver?
Como escapar?
Como assumir?
Como sorrir?
Como encarar?
E a vida?
O que viver?
O que fazer?
O que sentir?
Como perder?
Como vencer?
Como estudar?
Como sofrer?
Como chorar?
E você?
Você vai?
Você vem?
Você volta?
Você vive?
Você. Vê?
Vê como amar?
Vê como sonhar?
Vê de ver
Vê de olhar

27 de junho de 2007

Lá, Lá. Ou Radiohead - parte 3

Como pode uma música ser reproduzida tão viva assim?

Por favor, aumente o som.



why so green and lonely?
and lonely
and lonely

heaven sent you to me
to me
to me

we are accidents
waiting waiting to happen

we are accidents
waiting waiting to happen



por que tão verde e solitário?
e solitário
e solitário

o céu mandou você pra mim
pra mim
pra mim

nós somos acidentes
esperando esperando acontecer

nós somos acidentes
esperando esperando acontecer

Sail to the moon

Um semáforo qualquer no Botafogo fecha e eu paro o carro. Milhões de inquietações na cabeça convergindo para um único ponto. Mas relaxo, puxo o freio, é um semáforo demorado. Carros passando à frente, pessoas passando, o tempo passando. E à esquerda, alheia ao tempo, uma mulher jovem enfiada numa cadeira, atrás do balcão de uma ourivesaria. Ela parece olhar na minha direção mas não, está olhando pro nada, absorta. Seu rosto denuncia a luta cotidiana incessante. Aparenta uma idade maior do que a que deve ter.

O que será que se passa nela? Será a consciência do tempo não vivido? Um amor perdido? Uma vida deixada pra trás? Ou a vida que se apresenta, pratos e panelas, camisas e calças, a casa, o banheiro, a cozinha, o marido, os filhos, é a cama de quem ela não quer, ou é a cama de quem ela quer?

Em breves segundos, um organismo inteiro absorto.

Então, o semáforo dos pedestres fecha. Abaixo o freio, ela acende um cigarro. Verde, e eu vou embora pra casa.

26 de junho de 2007

Definitivo

Um pouco de Drummond...


Definitivo, como tudo o que é simples.
Nossa dor não advém das coisas vividas, mas das coisas que foram sonhadas e não se cumpriram.
Por que sofremos tanto por amor?
O certo seria a gente não sofrer, apenas agradecer por termos conhecido uma pessoa tão bacana, que gerou em nós um sentimento intenso e que nos fez companhia por um tempo razoável, um tempo feliz.
Sofremos por quê?
Porque automaticamente esquecemos o que foi desfrutado e passamos a sofrer pelas nossas projeções irrealizadas, por todas as cidades que gostaríamos de ter conhecido ao lado do nosso amor e não conhecemos, por todos os filhos que gostaríamos de ter tido junto e não tivemos, por todos os shows e livros e silêncios que gostaríamos de ter compartilhado, e não compartilhamos.
Por todos os beijos cancelados, pela eternidade.
Sofremos não porque nosso trabalho é desgastante e paga pouco, mas por todas as horas livres que deixamos de ter para ir ao cinema, para conversar com um amigo, para nadar, para namorar.
Sofremos não porque nossa mãe é impaciente conosco, mas por todos os momentos em que poderíamos estar confidenciando a ela nossas mais profundas angústias se ela estivesse interessada em nos compreender.
Sofremos não porque nosso time perdeu, mas pela euforia sufocada.
Sofremos não porque envelhecemos, mas porque o futuro está sendo confiscado de nós, impedindo assim que mil aventuras nos aconteçam, todas aquelas com as quais sonhamos e nunca chegamos a experimentar.
Como aliviar a dor do que não foi vivido?
A resposta é simples como um verso:
Se iludindo menos e vivendo mais!!!
A cada dia que vivo, mais me convenço de que o desperdício da vida está no amor que não damos, nas forças que não usamos, na prudência egoísta que nada arrisca, e que, esquivando-se do sofrimento, perdemos também a felicidade.
A dor é inevitável.
O sofrimento é opcional.

Colorido e confuso

Eu.

23 de junho de 2007

God shave the queen!

O banana-mor segue o protocolo, em cena de A Rainha.


A Inglaterra é um país estranho. Derrotou o absolutismo ainda no século XVII mas, no entanto, é um dos poucos países europeus que mantêm a instituição da monarquia em pleno século XXI. E seu primeiro-ministro, eleito para trazer ventos novos a um país acostumado à doutrina daquela odiosa iron maiden, jogou-a junto com o Império num lamaçal mesopotâmico.

Tony Blair é um banana. Ou, pelo menos, essa é a imagem que fica para nós, o público mundial. Aliás, ninguém sabe, mas pode bem ser que seja essa a imagem que vai ecoar pela História - se é que História com H maiúsculo existe. Certo mesmo é que Tony Blair passa por banana no recente A Rainha.

O filme retrata um dos piores momentos da história recente da monarquia inglesa: a reação fria e impassível da família real, em especial a da rainha Elizabeth II, à morte da princesa Diana. No momento em que a comoção nacional cresce na proporção em que são depositados buquês de flores no Palácio de Buckingham, a rainha se retira com o resto da família para o campo. Boa parte do público inglês se revolta com a monarca, com a falta de uma declaração pública sua sobre Diana e outros gestos simbólicos, como o hasteamento da bandeira a meio mastro, por exemplo. Ali estava uma oportunidade de ouro para questionar os pressupostos da monarquia inglesa. A mulher de Blair e seus correligionários se excitam com a possibilidade do início de um debate público sobre o assunto. E o que faz o primeiro-ministro? Apóia a rainha, dá conselhos políticos decisivos para acalmar a inquietação pública. Demonstra admiração pela postura de Elizabeth - principalmente quando ela corre para salvar sua pele em frente à TV, com o rabo no meio das pernas.

Será que Blair também admira Bush? Será que o banana se empolga com o reconhecimento norte-americano de que não há armas de destruição em massa no Iraque? A julgar por suas decisões e por A Rainha, sim. God save the banana!

22 de junho de 2007

Radiohead - parte 2

Regra número um do blogueiro: quando estiver muito ocupado, seja lá com o quê for, deixe que outros pensem e façam sentir por você.

Quem melhor que Radiocabeça pra fazer as vezes da minha própria?

Então, lá vai.

A fantástica Like Spinning Plates, do Amnesiac.



E ao vivo, mais fantástica ainda.

21 de junho de 2007

Música da semana: Pyramid Song

Arte.

A mais profunda arte.

Radiohead, Pyramid Song.



I jumped in the river and what did I see?
Black-eyed angels swam with me
A moon full of stars and astral cars
All the things I used to see
All my lovers were there with me
All my past and futures
And we all went to heaven in a little row boat
There was nothing to fear and nothing to doubt

I jumped into the river
Black-eyed angels swam with me
A moon full of stars and astral cars
And all the things I used to see
All my lovers were there with me
All my past and futures
And we all went to heaven in a little row boat
There was nothing to fear and nothing to doubt

There was nothing to fear and nothing to doubt
There was nothing to fear and nothing to doubt

19 de junho de 2007

E sobe Ponte!


Volto do Majestoso com mais uma vitória na bagagem. 2 a 1 no Ituano. Dois tentos de Héverton, este da foto ao lado. Não fosse a incompetência de Vanderlei, poderia ter sido 4, no mínimo.

Tô vendo que essa segundona vai ser uma festa...

Aliás, quem vocês acham que lidera essa droga de competição?

18 de junho de 2007

Toma!

Essa é pra quem desconfiou do meu gosto cinematográfico e achou, mais uma vez, que eu estava querendo valorizar demais um filme ruim.

Contardo Calligaris, um dos melhores colunistas da Folha, escreveu sobre Zodíaco, também. Aqui, o trecho principal:

De uma certa forma, o entusiasmo do pensamento é sempre um pouco paranóico. Mas Lacan dizia também que uma psicanálise dá certo quando a paranóia se esgota, e conseguimos enfim encarar a constatação, um pouco decepcionante e assustadora, de que nada se explica até o fim: há vasos de flores que caem na nossa cabeça sem ter sido empurrados por ninguém, nem por nós nem pelos outros nem pela providência divina nem por malefício diabólico.

Nisso, "Zodíaco", o filme, é perfeito, pois nos conta uma procura parecida com a nossa, até no detalhe (crucial) da frustração final. Não há conclusão definitiva, só indícios. Resta que a procura do sentido (que não foi encontrado) deu sentido, durante um tempo, à vida dos investigadores. Um pouco de paranóia enriquece nossa vida.

Enfim, na pior das hipóteses, não fui o único a ver pêlo em ovo...

... e nem eles!

Edit: devo a dica do texto do Calligaris ao meu querido amigo JJ, ou Joãozinho Jocoso. Modus jocandi, João, modus jocandi.

14 de junho de 2007

Más adentro

Me deu vontade de assistir, mais ou vez, Mar Adentro.

Como pode alguém não chorar com esse filme?

Não estou falando da tetraplegia, a trágica situação de Ramón Sampedro.

Falo da coragem e do impulso, do sangue fervilhando nas veias, da vontade de voar, e depois mergulhar, no mar, na mulher. Mar adentro. Más adentro, más adentro.

Mar adentro, mar adentro
y en la engravedad del fondo
donde se cumplen los sueños
se juntan dos vonluntades
para cumplir un deseo
tu mirada y mi mirada
como un eco, repitiendo
sin palabras:
más adentro, más adentro
hasta más allá del todo
por lo sangre y por los huesos
pero me despierto siempre
y siempre quiero estar muerto
para seguir com mi boca
enredada en tus cabellos

Mar adentro, mar adentro
e na leveza do fundo
onde se realizam os sonhos
se juntam duas vontades
para realizar um desejo
seu olhar e meu olhar
como um eco, repetindo
sem palavras:
mais adentro, mais adentro
até mais além de tudo
pelo sangue e pelos ossos
mas eu acordo sempre
e sempre quero estar morto
para continuar com minha boca
enredada em seus cabelos

É um filme sobre o sonho disso tudo.

"A mãe de todas as confusões"

Viram a nova estratégia do exército americano no Iraque? Armar (leia-se: sustentar com dinheiro, comida e, claro, armas) sunitas baathistas afim de que estes combatam os sunitas radicais ligados à Al Qaeda, os responsáveis pela maior parte das últimas atrocidades contra a população civil iraquiana. Baathistas são aqueles ligados ao partido Baath. Quem era o grande líder do Baath? Saddam Hussein. Ele mesmo, o popular Bigode.

Bigode foi levado ao poder pelo próprio Império. Ficou por lá até se meter a fabricar perigosas, invisíveis e indetectáveis armas de destruição em massa visando a destruição da civilização ocidental judaico-cristã. Aí o Bigode foi enforcado, digo, decaptado pelo atual fantoche, quer dizer, governo iraquiano. Agora, o pessoal do Bigode está sendo rearmado pelo Império.

Não, parece que não é nenhuma brincadeira.

Hélio Schwartsman, sempre ele, publicou agora há pouco uma análise muito sensata sobre a questão iraquiana. Seco e reto, esboça um provável labirinto político para a região:

No cenário mais provável, a dissolução do Iraque multiétnico daria lugar a três Estados, um de maioria árabe xiita (60% da população), outro árabe sunita (20%) e um terceiro curdo (20%), que tenderiam a guerrear entre si pelo controle dos ricos lençóis petrolíferos. O problema é que o conflito dificilmente ficaria restrito a esses três grupos. Como já vimos, a Turquia fará de tudo para impedir o surgimento de um Curdistão independente. Os Estados árabes da região não tolerariam bem uma interferência turca, que também poderia levar o Irã a agir. Como se não bastasse, os países árabes do Golfo dificilmente aceitariam o aparecimento de um Estado xiita com fortes vínculos com Teerã a oeste do canal de Shat al Arab. Muito provavelmente despejariam rios de dinheiro para armar e apoiar os árabes sunitas iraquianos, que se lançariam num combate sem tréguas contra os xiitas.

Deu pra imaginar as torrentes de sangue, os corpos despedaçados e os sonhos decaptados?

13 de junho de 2007

Mais um milagre de Karol Wojtila

Todo mundo sabe que Robert Kubica se salvou de um tenebroso acidente em Montreal graças a um milagre.

Sim, um milagre.

Milagre da engenharia, da tecnologia, da ciência. Não fossem o capacete, o HANS e a célula de sobrevivência de um F1 de uma resistência primorosa, o pobre polonês não estaria vivo, hoje. Mas está. E dizendo que quer agradecer a João Paulo II por ter saído ileso, colocando uma imagem do santo papa (ou papa santo) em seu capacete.

Heidfeld, você ganhou um torcedor.

Se bem que o Nick é alemão e pode muito bem querer colocar Mr. Ratzinger no casco, caso também encontre um muro inesquecível pela frente. Piloto não é pago pra pensar, ainda mais nessa atual F1 de robôs enfiados em foguetes computadorizados. Alain Prost tinha razão.

Agradeço ao meu caro amigo português Speeder, do blog Continental Circus, pela notícia.

As marcas do Spirit


Aqui, em inglês, um artigo de 2004 da Space.com sobre os dois jipes da NASA que continuam explorando a superfície marciana.

O assunto é interessantíssmo. Spirit e Opportunity foram planejados para uma missão básica de 90 dias. Só que estão há mais de três anos em plena operação. Ninguém sabe o quê vai parar de funcionar neles. Só há a certeza do fim. Quando e como, ninguém tem a mínima idéia.

A morte dos robôs traz à tona o sentimento de cientistas e engenheiros envolvidos na missão. Uma inevitável afeição pelos jipes foi gerada. Para Matt Wallace, do Laboratório de Propulsão a Jato, os jipes desenvolveram personalidades diferentes, apesar de gêmeos. Como diz o artigo, nos testes ainda na Terra, Wallace notou que o Spirit tendia a ser "menos comportado e mais aventureiro" do que seu irmão, que "sempre seguia na linha". Mas tem os pés no chão: "é uma máquina. É por isso que mandamos máquinas a esses ambientes perigosos antes de mandar humanos".

Apesar de máquinas, há muito espírito nesses robôs. Foram anos de dedicação exclusiva e apaixonada de muitas pessoas. Por isso, o próprio Wallace reconhece que "o fim vai ser duro".

Poderíamos desconfiar de uma travessura de Spirit ao travar uma de suas rodas e fazer ao acaso uma das melhores descobertas da missão? Spirit não é nenhum HAL 9000, o orgulhoso e angustiado computador de 2001, de Kubrick. Não deve haver medo no jipinho, ainda mais sendo quem é, o mais aventureiro dos dois. Mas se houvesse um pouquinho de inquietação existencial nesse robô, não seria de todo sem sentido dizer-lhe: "Você deixou suas marcas, Spirit."


Crédito da tirinha: Caco Galhardo, Folha de SP, 02/01/2007.
Crédito da foto: o destemido Spirit, NASA/JPL, 2004.

11 de junho de 2007

You never know

A atmosfera setentista de Zodíaco

Lying on the roof, counting
The suns that fill the sky
I wonder if
Someone in the heavens´
Looking back down on me
I´ll never know

Dave Matthews, You Never Know


Nunca saberemos sobre tudo. Nunca teremos certeza absoluta. E a angústia de não saber só é superada pela angústia de saber ser impossível saber. Será que, enquanto olhamos as estrelas, há alguém por lá nos olhando de volta? Talvez nunca saberemos, mesmo.

Eternos mistérios, como este, podem levar alguns de nós a dedicar a vida inteira na busca pelas respostas. No entanto, há mistérios menores que também são capazes de sugar todas as nossas forças. É o caso do pobre Bentinho, o Dom Casmurro, de Machado de Assis. Capitu lhe foi, afinal, infiel? A dúvida dilacera o personagem, e a impossibilidade de testar ou provar suas maquinações lhe consome a vida.

Zodíaco, o novo filmaço de David Fincher, trata exatamente deste tema. O centro da trama é a história real de um assassino que aterrorizou a baía de São Francisco nas décadas de 60 e 70. Sua trajetória ganhou amplo destaque na mídia norte-americana, graças a uma estratégia de escrever mensagens cifradas para um jornal e a polícia, em que confessava e anunciava homicídios.

Além das pessoas cruelmente mortas, outras vidas foram sugadas pelo misterioso assassino. Carreiras promissoras foram arruinadas na busca obsessiva por saber. Há um momento na história em que pegar o assassino perde muito de sua importância. A obsessão torna-se puramente em saber quem ele é.

Se contar mais, estraga.

É preciso dizer, por fim, que tudo é devidamente apresentado com uma direção magistral, produção impecável e atuação brilhante dos três principais atores, Jake Gyllenhaal, Robert Downey Jr. e, principalmente, Mark Ruffalo. Quem o viu como Stan, o técnico apagador de memórias de Brilho Eterno, vai se surpreender.

Ah, já ia me esquecendo. São quase três horas de angústia. Que valem muito à pena.

Ao irmão

Meu irmão, hoje é seu aniversário. Você completa 13 anos. Hoje, o dia é seu.

Eu tinha 13 anos quando você nasceu, meu irmão. O mundo era só meu. E então, tive que dividí-lo com você. Foi uma das melhores coisas que me aconteceram. Eu não mais era o centro. O sol não mais brilhava só pra mim. Aos poucos, comecei a tomar consciência de mim mesmo.

Não foi fácil aquele ano. No começo, voltamos pra Salto. A tênue adaptação que tínhamos construído em Piracicaba foi deixada pra trás. Mas estaríamos, enfim, num ambiente familiar. Pra mim, não foi nada disso. Me sentia um estranho na cidade, na escola. As pessoas haviam mudado muito, meus antigos amigos haviam mudado muito. Fiquei fora do mundo.

Passei a depositar cada vez mais familiaridade e realização na figura do herói, o meu herói. Lia compulsivamente sobre ele. Lia e relia um livro de Christopher Hilton, "A Face do Gênio", cuja escrita rápida e cortante moldou muito do meu gosto e do meu jeito de escrever. Estava me preparando para 16 domingos de alegria naquele ano. Então veio Schumacher, e veio a tragédia.

Se puxar lá no fundo, ainda sinto um pouco do calafrio que percorria o meu corpo à espera das notícias lá da Itália. E quando vieram, foi... foi... Tentava disfarçar, como se não estivesse tão abalado. Mas já começava a questionar o mundo. Senna não morreria nunca. Viveria pra sempre, venceria pra sempre. Mas morreu. E estava agora sendo velado, enterrado, fim de papo.

A coisa ficou muito pior quando, pouco tempo depois, o Vinicius morreu. Vinicius não era um dos chapas, não era próximo, mas gostava de discutir corridas, carros, motos. Vinicius morreu. Atropelado. Andando de bicicleta. Tinha minha idade, estava na minha classe. E morreu.

Aconteceu com o Senna e com o Vinicius. Poderia acontecer comigo. De repente, o terror do mundo e da realidade tinham caído como uma bigorna ACME na minha cabeça. Comecei a me dar conta da minha fragilidade. E o que poderia ter me levado ao fervor religioso acabou me puxando pro lado oposto. Enxerguei a missa para o meu amigo como uma farsa. O alento teria de vir de outras fontes.

Então, você surgiu. Me lembro do seu choro, e do choro de todos os presentes naquele quarto de hospital. Você era cabeçudo e chorão. Não mudou nada. Cabeçudo e chorão. Eu não chorei. Mas fiquei com uma baita vontade de chorar. Fingia mal, muito mal.

Você tinha um mês, apenas, quando eu vi o Brasil ser tetra, na casa do tio. O Dr. Gilberto não gostou. Preferia que tivesse perdido a Copa a vencê-la nos pênaltis. Eu adorei, claro. Você estava no quarto, com a mãe e o pai, ouvidos protegidos da gritaria e do rojão. E chorando, claro. E nós ali, também chorando. Com um sorriso no rosto. O "tema da vitória" tocava.

Acompanhei o seu rápido desenvolvimento num constante estado de surpresa e excitação, apesar de não demonstrá-lo. Eu ficava imaginando quando você tivesse uns sete, oito anos. Minha imaginação não ia além disso. Mas era intrigante. Como seria? Como você seria? Como eu seria?

E agora você tem 13. Você tem 13 anos. A mesma idade que eu, quando passei por esses turbilhões violentos. Você está enfrentando os seus, eu sei. Sei também que crescer é um frio constante na espinha. Eu mesmo ainda sinto isso. E quero que você saiba que estamos juntos, sempre estaremos, desde o dia 11 de junho de 1994. Enfrentamos e enfrentaremos juntos os terrores, as agonias, os prazeres e as alegrias do mundo.

Bri, o Tato te ama.

Feliz aniversário!



Tosse, tosse, risadas!

Bush, o herói

Às vezes, é difícil compreender as manifestações populares. Uso o termo popular no sentido mais amplo e menos pejorativo possível, como manifestações coletivas de pessoas.

Enfim.

Ontem, George W. Bush foi acolhido como herói na Albânia. O "mensageiro de Deus" recebeu as boas-vindas de milhares de albaneses fantasiados de Tio Sam. Tudo por uma vaga na OTAN. Reminiscências da crise do Kosovo, em 1999.



Não poderia deixar passar a oportunidade de lembrar da chegada de Hitler a Viena, 1938. A anschluss estava completa. E o mundo, à beira do abismo.


Não me entendam mal. Não estou igualando Bush a Hitler. Seria muito para o pequeno George. Hitler tinha algo de magnético e grandioso, enquanto a direita norte-americana está representada por um medíocre playboy texano.

Poetinha (?)

Vinícius de Moraes dispensa apresentações. E o recente filme sobre sua vida ou, melhor dizendo, sua paixão pela vida, também não requer mais do que dois trechos aqui reproduzidos. A poesia de Vinícius e a interpretação de Camila Morgado falam por si.

Filmaço. Poetaço.



9 de junho de 2007

Paisagem

Numa curta e engraçadíssima entrevista para Sylvia Colombo, da Folha, Ivan Lessa veio com essa (rimou!): "dependia muito também de como andava minha paisagem interior. Sim, eu tenho uma paisagem interior, que anda, marcha, pula, isso tudo."

Fiquei pensando, pensando. Qual seria a minha paisagem interior? O quê estaria em meu horizonte, aqui, agora, nesta exata situação?

Pensei em Marte. Em preto e branco. Um solitário, belo e inalcançável vulcão. Vou pra lá.





Agradecimentos especiais ao solitário Spirit, pela foto e pelo destemor.

__________________________________________________________

Pra não ficar um gosto amargo na boca, aqui vai uma pitada de Ivan Lessa.

FOLHA - As pessoas ficam intrigadas com o fato de você ter partido para Londres e praticamente nunca mais ter voltado. Você sentiu necessidade de romper com o Brasil?
LESSA - Não senti necessidade. Apenas uma baita de uma vontade de me mandar e só voltar em caso de muita, mas muita emergência mesmo.

O que é, o que é...


O quê essa gente toda está fotografando?

Clique aqui para saber.

7 de junho de 2007

A paixão dos moribundos

Elsa e Fred


O filme hispano-argentino Elsa & Fred não é perfeito. Mas é compreensível que seja problemático: trata-se de uma história de amor entre dois oitentões. Ao abordar tamanha complexidade, o diretor Marcos Carnevale conseguiu sair-se com um filme sensível e razoavelmente equilibrado. A película não subestima o problema, embora tenha lhe dado tonalidades exageradamente românticas. Ao filme, portanto.

Elsa é uma mulher impulsiva. Diz o que quer, mente, não se preocupa com o que vão pensar dela. Dirige. Não permite o controle dos outros sobre sua vida. Ela a guia. Gasta seu dinheiro como quer. A velhice, para ela, é um álibi. E com toda essa segurança e destemor, Elsa se interessa por um vizinho recém-chegado, Alfredo.

Alfredo, ou Fred, é um cagão - palavra de Elsa. Hipocondríaco, atormenta-se com a morte cada vez mais próxima. Sua recente viuvez o impede de livrar-se da organização e comedimento impostos pela falecida esposa. Sua filha o vigia. Tem dinheiro guardado. A velhice, para ele, é uma barreira.

Desavergonhadamente, Elsa caça Alfredo com perseverança. Não obstante seus esforços em não deixar brechas para um relacionamento impensável, Alfredo sucumbe aos encantos de Elsa. Aos poucos, vai perdendo a sensação de morte que carregava consigo. Sente-se vivo, enfim.

Mais, não dá pra dizer. A não ser sobre quem vai e quem fica, pois é algo que fica claro durante o filme: Elsa termina em supernova. Não sem antes um último e fugaz brilho, um sonho de juventude proporcionado por Alfredo. Mas isso é surpresa.

Ao longo e ao término do filme, é impossível não se inebriar com essa história aparentemente incomum. Todos, não apenas os idosos, podem se identificar com o enredo. Seu apelo é universal: quem nunca se apaixonou? quem não quer se apaixonar? A falta de controle, a ansiedade, o encontrar um sentido na forma da outra pessoa. Quem não gostaria disso? Ou melhor, quem, durante o crepúsculo da vida, não gostaria de ter a oportunidade de sentir isso?

No entanto, em busca desse apelo universal ou mesmo na tentativa de tornar sua obra mais digerível, Carnevale se contém e poupa-nos de um artifício que poderia tornar o filme realmente original. Não há qualquer menção à sexualidade dos velhinhos. Mesmo que o coito não exista, mesmo que Alfredo não tenha tomado viagra, algo deveria ocorrer aos nossos olhos. Pelo menos uns amassos geriátricos explícitos poderiam ter ocorrido. O desejo poderia ter sido menos idealizado.

Some-se a isso a subtração da decadência física final de Elsa. O corte violento para os olhos reconfortados de Fred à frente da lápide de sua amada não satisfaz o desejo do espectador em saber como foi a reação do personagem ao doloroso fim. A despedida, algo tão forte quanto a paixão, foi desperdiçada. E assim ficamos com um belo filme, mas com a sensação de que poderia ter sido mais, muito mais.

6 de junho de 2007

4 de junho de 2007

1 de junho de 2007

Argumentação primária

A editora da Folha Online, Ligia Braslauskas, opinou hoje sobre a não-renovação da concessão pública da RCTV, a maior rede venezuelana. O texto é até bem equilibrado: reconhece que uma retaliação por parte de Chávez não seria absurda, mas discorda do fechamento da emissora. O problema é que sua argumentação é tão primária que não atenderia às exigências de uma dissertação de vestibular.

Primeiro, diz: "Chávez acusa a RCTV de envolvimento em um golpe que o tirou do poder por 48 horas, em abril de 2002. Cinco anos depois, o presidente venezuelano dá um golpe na população e tira do ar a rede de TV de maior audiência do país."

Não é apenas Chávez quem acusa. Vejam o que diz a cronologia dos últimos acontecimentos venezuelanos do site da agência internacional de notícias Reuters:

April 2002 - TV stations back opposition efforts to oust Chavez through a bungled coup, then turned their cameras off when his supporters' protests help return him to power.
December 2002 - Private media joined a two-month strike meant to force Chavez from office. TV stations suspended regular programming to show anti-Chavez marches and propaganda.


Citei esse trecho pois é muito significativo. Muita gente sabe do que aconteceu na Venezuela em 2002. O envolvimento e suporte da RCTV (e outros órgãos da mídia privada) a um golpe de Estado e sua cobertura desonestamente parcial das manifestações populares em Caracas não são postos em dúvida. Estão consolidados como fatos no site oficial de uma das agências de jornalismo mais respeitadas do mundo. Isso não é pouco.

Voltemos ao texto da Ligia. Um pouco à frente, ela escreve: "A RCTV também cometeu abusos e erros, passou a fazer oposição direta a Chávez, nos últimos anos. Agiu quase como um partido político - o que, afirmam os chavistas [com razão], não é papel de uma rede de TV. Após o golpe de 2002, a emissora omitiu-se no serviço de prestar informações públicas e, em vez de divulgar o que acontecia no país de forma apartidária, optou por exibir programas sem teor político."

Ligia parte, então, para argumentar, não sem razão, que Chávez poderia se vingar com 48 horas de intervenção na RCTV, mas não com o fechamento da emissora. E conclui: "Aparentemente, a resposta de Chávez foi inflacionada pelos cinco anos de espera e o preço vai ser pago pela população venezuelana, que além da perda da informação crítica e de oposição ao governo, perdeu o final da novela ´Mi Prima Ciela´, interrompida com o fim da RCTV."

Perceberam o gigantesco furo na argumentação? Uma TV que se abstêm do "serviço de prestar informações públicas" pode mesmo oferecer "informação crítica e de oposição ao governo"? A argumentação de Ligia anula a si própria.

Pessoalmente, considero um erro estratégico o fechamento da RCTV. Me parece um exagero. Suscita reações externas indesejáveis e acusações de autoritarismo. Mas também é difícil não vibrar com o fato de que existe uma Rede Globo a menos no mundo.

De onde você vem?