1 de junho de 2007

Argumentação primária

A editora da Folha Online, Ligia Braslauskas, opinou hoje sobre a não-renovação da concessão pública da RCTV, a maior rede venezuelana. O texto é até bem equilibrado: reconhece que uma retaliação por parte de Chávez não seria absurda, mas discorda do fechamento da emissora. O problema é que sua argumentação é tão primária que não atenderia às exigências de uma dissertação de vestibular.

Primeiro, diz: "Chávez acusa a RCTV de envolvimento em um golpe que o tirou do poder por 48 horas, em abril de 2002. Cinco anos depois, o presidente venezuelano dá um golpe na população e tira do ar a rede de TV de maior audiência do país."

Não é apenas Chávez quem acusa. Vejam o que diz a cronologia dos últimos acontecimentos venezuelanos do site da agência internacional de notícias Reuters:

April 2002 - TV stations back opposition efforts to oust Chavez through a bungled coup, then turned their cameras off when his supporters' protests help return him to power.
December 2002 - Private media joined a two-month strike meant to force Chavez from office. TV stations suspended regular programming to show anti-Chavez marches and propaganda.


Citei esse trecho pois é muito significativo. Muita gente sabe do que aconteceu na Venezuela em 2002. O envolvimento e suporte da RCTV (e outros órgãos da mídia privada) a um golpe de Estado e sua cobertura desonestamente parcial das manifestações populares em Caracas não são postos em dúvida. Estão consolidados como fatos no site oficial de uma das agências de jornalismo mais respeitadas do mundo. Isso não é pouco.

Voltemos ao texto da Ligia. Um pouco à frente, ela escreve: "A RCTV também cometeu abusos e erros, passou a fazer oposição direta a Chávez, nos últimos anos. Agiu quase como um partido político - o que, afirmam os chavistas [com razão], não é papel de uma rede de TV. Após o golpe de 2002, a emissora omitiu-se no serviço de prestar informações públicas e, em vez de divulgar o que acontecia no país de forma apartidária, optou por exibir programas sem teor político."

Ligia parte, então, para argumentar, não sem razão, que Chávez poderia se vingar com 48 horas de intervenção na RCTV, mas não com o fechamento da emissora. E conclui: "Aparentemente, a resposta de Chávez foi inflacionada pelos cinco anos de espera e o preço vai ser pago pela população venezuelana, que além da perda da informação crítica e de oposição ao governo, perdeu o final da novela ´Mi Prima Ciela´, interrompida com o fim da RCTV."

Perceberam o gigantesco furo na argumentação? Uma TV que se abstêm do "serviço de prestar informações públicas" pode mesmo oferecer "informação crítica e de oposição ao governo"? A argumentação de Ligia anula a si própria.

Pessoalmente, considero um erro estratégico o fechamento da RCTV. Me parece um exagero. Suscita reações externas indesejáveis e acusações de autoritarismo. Mas também é difícil não vibrar com o fato de que existe uma Rede Globo a menos no mundo.

2 comentários:

Sasqua disse...

Ótimo texto, Sherpa.

Cara.Quando me falam em RCTV não é nem a Globo que me vem à cabeça. Penso logo num grupo abril com sua Veja ou nma Agência Estado...

Eu sempre acho que não escrevo lá muito bem. Ler o texto da Ligia me deu mais confiança. Será qe consigo um emprego num jornal desses?

DVD disse...

Lembrando que videos da RCTV podem ser encontrados ainda no Youtube.com

De onde você vem?